Nossas escolas vivem uma imensa desigualdade (NUSSBAUM, 2015, p.135).
Neste artigo, tem-se a pretensão de analisar o papel da Educação na formação integral e seu alcance no bem-estar social e democrático com auxílio das Humanidades, bem como ponderar sobre as desigualdades múltiplas, como elas interferem nesse processo e alternativas para, ao menos, minimizar seus efeitos.
A Educação tem uma contribuição fundamental no desenvolvimento social e, principalmente, na democracia, que é ajudar a desenvolver a capacidade humana de empatia e cooperação, de forma a contribuir para o combate a preconceitos diversos, que são frutos do individualismo sistêmico, com o fortalecimento da ideia de coletividade como essência para o desenvolvimento pleno e saudável do ser humano.
Como parte da sociedade, a Educação se desenvolve de formas diversas e muito desiguais. Acrescidas as vulnerabilidades sociais como pobreza, isolamento social, privações econômicas, entre outras, que tendem a se sobrepor e se tornar muito mais significativas, as desigualdades tendem a se agravar e a desenvolver “guetos”, pois há, dessa forma, o agrupamento de indivíduos propensos a comportamentos a se conectarem e serem muito homegêneos, parecidos em ideias, preconceitos…
Num contexto social, as escolas poderiam atenuar essa relação de segregação relacional e local, embora o que aconteça, na maioria das vezes, seja o contrário, porque elas são pouco diversas e porque grupos socioeconômicos, religiosos e raciais passam a se estabelecer em determinadas instituições. É o caso do Brasil, onde quem tem condições financeiras leva seus filhos a estudarem em escolas privadas, e os demais estudam em escolas públicas. Dessa forma, agravam o problema da falta de empatia, de se colocar no lugar do outro, porque todos são muito próximos, visto que onde as escolas são mais heterogêneas, há um efeito positivo na aprendizagem e na plenitude da essência humana, e o contrário acontece em escolas muito homogêneas.
As reformas na Educação, atualmente guiadas pela sua mercantilização, agravam a segregação e a desigualdade das escolas. Isso tem como consequências: a limitação da preparação para o mundo multicultural; dano econômico, pois não evoluem; itinerários formativos desiguais, os quais geram ainda maior desigualdade – a exemplo do novo Ensino Médio brasileiro; redução das oportunidades dos mais vulneráveis e manutenção do alunado, cada vez mais, com complexo de inferioridade.
Um outro elemento de desigualdade na Educação se dá fora da escola, no tempo extraescolar marcado pela segregação. Bonal e González (2022) perceberam claramente esse fenômeno numa investigação na Catalunha – Espanha. Segundo eles, apesar de estar provado o impacto do ócio educativo sobre o desenvolvimento cognitivo e social das crianças e adolescentes, as atividades extraescolares vêm se convertendo em um espaço de reprodução de desigualdades e produzem uma fragmentação a partir de uma Educação não formal.
Dessa forma, podemos perceber que a Educação, mesmo que não formal, extracurricular, ajuda no desenvolvimento de desigualdades e fragmentações. Também se pode notar que, embora as Humanidades sofram um enfraquecimento e uma desvalorização, elas são fundamentais para o desenvolvimento pleno do ser humano, tanto que quem tem condições financeiras investe nesse incremento. Parece que a desvalorização das Humanidades é proposital, como um mito. “Sopra-se aos quatro ventos” que ela não é útil, para que só uma parte da população tenha acesso e para que o governo não a torne uma política de Estado e direito para todos. Portanto, mesmo aparentemente desvalorizada e negligenciada nos currículos escolares, as Humanidades têm um prestígio e são desenvolvidas pela parte da população que tem maiores condições financeiras e maior prestígio social; ao mesmo tempo, não se tornam objeto de reivindicação da grande maioria, porque sua valorização é muito velada e não se obriga os órgãos públicos a desenvolvê-las.
Porém, a precariedade não está somente na qualidade e na pedagogia educacional que muitas escolas públicas desenvolvem, com estrutura, pessoal e currículo que busquem a dignidade humana. A saída ou diminuição das Humanidades é também uma das prioridades do sistema mercadológico. Afeta as perspectivas futuras dos estudantes, que criam expectativas só a curto prazo, as quais tendem a uma indeterminação, a metas de vida pouco pretensiosas e desenvolvem, inclusive, uma apatia dos jovens em relação à organização política e à necessidade de sua participação na sociedade. A democracia começa a enfraquecer e não é, necessariamente, vista como algo fundamental para o futuro da humanidade. Assim, as pessoas se tornam mais vulneráveis e mais fáceis de serem manipuladas.
Parece que todas as sociedades modernas alimentam forças que conduzem à violência e à desumanização e deixam de alimentar as forças que conduzem a culturas de igualdade e de respeito. Se não insistirmos nas Humanidades, elas vão esvair, porque não dão lucro. Elas são as principais fontes para
criar um mundo no qual vale a pena viver, pessoas que são capazes de enxergar os outros seres humanos como pessoas completas, com opiniões e sentimentos próprios que merecem respeito e compreensão, e nações que são capazes de superar o medo e a desconfiança em prol de um debate gratificante e sensato (NUSSBAUM, 2015, p. 144).
Dessa forma, pode-se concluir que, mesmo que as desigualdades estejam sobrepostas e também apareçam fortemente na Educação, é na Educação que podemos depositar esperanças em sociedades mais humanas e democráticas. Tornar as Humanidades obrigatórias parece uma necessidade e um direito para termos currículos de forma justa. Fortalecer espaços escolares heterogêneos, de participação e de empatia, também parece fundamental. Não podemos desenvolver um Ensino Médio que só se prepare para o trabalho, embora tenha que também promover esse direito. Os estudantes têm o direito e a capacidade de desenvolverem sua plenitude intelectual, para garantirem sua autonomia e um emprego, a entrada em uma universidade ou, principalmente, a formação plena cidadã. Assim, desenvolveremos uma sociedade humana, democrática, respeitadora, igualitária, justa e empática.
Referências bibliográficas
BONAL, Xavier; GONZÁLES, Sheila. La segregación educativa. In: BLANCO, Ismael; GOMÀ, Ricard (Orgs.). Vidas segregadas?: reconstruir fraternidade. Barcelona: Tirant lo Blanch, 2022.
NUSSBAUM, Martha. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das Humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.