Tabajara Ruas

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O Regime Militar é interpretado de diferentes maneiras entre quem fazia parte dele e quem se colocava em oposição e ainda aqueles que não viveram esse período. Na condição de quem vivenciou o Regime, como você o definiria?

Como “página infeliz da nossa História”, para ficarmos com a simplicidade de um samba antigo. Um regime que acabou com as liberdades públicas através da deposição de um presidente eleito legalmente e, para se manter no poder usurpado, utilizou repressão brutal, desde a tortura ao assassinato, passando pela censura e banimento. Só pode ter uma interpretação diferente do horrendo que foi e do mal que fez por quem se beneficiou dele e de suas atrocidades.

No romance “O amor de Pedro por João”, a distinção entre autor e narrador não é tão clara; ao contrário, abre-se a possibilidade de leitura e reconhecimento de elementos autobiográficos através da personagem Marcelo, um dos protagonistas da narrativa. Quanto de (Marcelino) Tabajara Ruas encontra-se representado em Marcelo? Na experiência do então jovem escritor, jovem também envolvido diretamente no contexto social e histórico retratado na obra, qual é a importância dessa transposição da experiência real para o universo diegético?
No universo da literatura, autor e narrador sempre se confundem em algum momento. No caso de “O amor de Pedro por João”, o envolvimento entre criador e criatura é bem maior e mais complexo, porque o romance é a narrativa ficcional de uma experiência real. Tudo o que acontece no romance eu vivi ou testemunhei. Também ouvi alguns protagonistas dessas histórias contarem os fatos de viva voz. É um painel de histórias e de memórias reunidas como ficção, mas ficção produto direto de fatos e acontecimentos verdadeiros. É difícil dizer quanto do autor existe em Marcelo. Existe um pouco em cada um dos personagens, em cada uma das vozes.

Um escritor no exílio transforma sua escrita em memória e saudade. Como é essa experiência de exílio quando a terra do “acolhimento”, além de território estrangeiro, é território ameaçador? Como se sente um escritor ameaçado e vigiado por suas ideias e ideais também no exílio? De que forma a atividade como escritor, no exílio, contribui na reconstrução da identidade desse estrangeiro que se sente deslocado e perseguido e que faz, de sua escrita, mais que memória e saudade, que a torna também instrumento de ação, reação e revolução?

Eu vivi dez anos de exílio, em países bem diferentes. Vivi no Chile, em época de efervescência revolucionária e na Dinamarca, na confortável proteção de um país rico e democrático. Vivi em São Tomé e Príncipe, país recém-saído de absurdo sistema colonial em pleno séc. XX, participando da sua reconstrução e vivi na Argentina das lutas populares pouco antes do golpe militar que derrubou Isabel Perón. Essas experiências todas me fortaleceram, como cidadão e como escritor. Havia ameaça, havia solidão, mas havia solidariedade e esperança. Quem tem o sentimento da revolução nunca está só, em lugar nenhum. Sempre encontra companheiros. A chama da transformação fica viva, a utopia fica viva.

Às vésperas do Golpe Militar, o Brasil vivia um momento de grande efervescência política, com manifestações muito grandes nas ruas, passeatas e protestos eram a tônica. No ano que passou, as ruas novamente foram tomadas por manifestantes, na maioria, jovens. É possível estabelecer alguma comparação entre momentos aparentemente tão distintos?

Os momentos não são aparentemente distintos, são total e completamente diferentes. Não há comparação possível. Na época, lutava-se contra uma ditadura brutal, fomentada, como se sabe hoje com abundância de provas documentadas, pelos Estados Unidos da América. Não podia haver discussão, troca de ideias, debates. A censura imperava. O terror era a política do Estado. O Brasil vive hoje uma democracia em exercício, em formação, que, para alcançar a plenitude, precisa alcançar o patamar mais alto de democracia econômica. A juventude protesta, e com razão, contra a corrupção que persiste e resiste. Mas o vandalismo não é democrático: é instrumento de provocação e diluição da justa causa juvenil.

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