Até quando (não) esperar?

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Intertexto com as músicas “Até Quando Esperar?” e “Indignação”

A rádio rebusca os anos 1980, e a Plebe Rude começa a rugir nos autofalantes. Não resisto, não sou de resistir, aumento o volume até o som começar a chiar.

Não é nossa culpa, já nascemos com a bênção. Há uma dívida que é externa (1,2 trilhões de reais), mais uma dívida pública (3,55 trilhões de reais em 2017, pode chegar a 4 trilhões até o final de 2018). Não sei para quem devemos tanto, mas é como se cada brasileiro, pobre ou rico, branco ou preto, homem ou mulher, bonito ou feio tivesse uma conta a pagar de mais ou menos R$ 17 mil de dívida pública e outros R$ 5,7 mil de dívida externa. Para quem, não sei, não entendo, então não é minha culpa. Mas pago esse carnê – brasileiro adora um carnê – um pouco a cada dia.

Mas há muita riqueza por aí, não há dúvidas de que há. Bancos e cerveja estão entre as principais fontes dos 20 mais ricos do Brasil, bilionários mundiais. Tem mídia, hospitais, remédios, suco de laranja também gerando riqueza! Que tal?

Onde está sua fração? Essa é fácil! Na mão de poucos. Estamos em quinto, é quase pódio, no ranking da desigualdade social.  A pobreza é uma chaga nacional desde o tempo de colônia, isso é sabido. A vida é dura para mim e para você porque o 1% mais rico do Brasil concentra entre 22% e 23% da riqueza do país. Sabemos onde está a SUA fração. Se você vai vê-la um dia são outros quinhentos – desviados, talvez.

Até quando você aguenta esperar? Parte da plebe se ajoelha, esperando a ajuda de Deus. Não posso me ajoelhar, não posso contar com essa ajuda. Seria muita hipocrisia. O todo poderoso deveria ser enquadrado por corrupção passiva por ficar só olhando lá de cima.

Dá-lhe sapatos para engraxar, carros para vigiar, um trocado no sinal, depois da apresentação de malabares. Merda, não consigo me acostumar. Um desses, vendendo suco, um dia, me lembrou meu pai. Alcancei-lhe umas moedas, o sinal abriu, segui adiante, a vista embaçada por essa sensação estranha. E aquela criança, com rosto de indígena, ou pele escura, maltrapilha, pés de fora nesse frio, rosto de quem está com fome? Onde está a mãe, sim, porque toda criança tem ou teve mãe, onde está o pai, eu também sou pai, onde está o dela? Por que não está de mochila, de roupa da escola, aprendendo a fazer contas, a ler poemas, estudar história? Por que não está brincando, iluminando o dia com um daqueles sorrisos que só as crianças sabem dar?

E essa p**** desse trânsito? Trancou de novo, saco, acidente lá na frente. Deu merda, alguém morreu, mais uma cruz no canteiro central das pistas, a me lembrar todo o dia que a vida é curta, o fim pode ser trágico e ficar só de lamúrias nada resolve. Quem sabe, para fugir desse trânsito, compro um helicóptero. Não paga IPVA! E não tem sinaleira com gente suja a me pedir uma ajudinha! Quem sabe, conseguindo mudar o status “salário” para “dividendo” eu consiga! Pensa que coisa boa conseguir uma renda de mais de R$ 100 milhões em um único ano e pagar apenas 0,3% de imposto! Ah, se eu fosse Batista! Deixa os 27,5% para aqueles que se contentam em deixar de ser (muito) pobres! Vai sobrar para comprar jatinho e iate – também sem aquele IPVA xarope. Sem pedágio também, se você me entende! Por que você não muda de vida, me pergunto, é só querer e se esforçar. Tenha fé, se ela move montanhas, pode mover você pirâmide social acima, não é? Aquele maltrapilho do sinal, esse é o problema. Não se esforça, não tem fé, não persiste, não trabalha. Ainda toma cachaça com parte do que arrecada nas esmolas. Bêbado fedido! A culpa é dele mesmo, que não toma uma puro malte assistindo a uma série da Netflix para relaxar! Se contenta com pinga!

Não consigo resolver nada, parece. Não quero anestésico também. Não posso me ajoelhar, o fardo já dói nas costas, não quero calos nos joelhos. Tenho calos na consciência. Admito-me hipócrita, mas tudo tem limite. Estou lutando, pelo menos internamente, tentando rugir com a rude plebe, que tem infinitamente menos do que lhe é devido, governada por Robin Hoods –  só que ao contrário, que roubam dos pobres para dar mais ainda para os muito ricos.

Que minha indignação, que também é indigna, não seja uma mosca sem asas! Mas isso, bem, isso já é Skank, dos anos 1990.

André Viegas Professor do Curso Técnico de Química Fundação Liberato

André Viegas
Professor do Curso Técnico de Química
Fundação Liberato

 

Música: Até quando esperar? https://www.letras.mus.br/plebe-rude/48161/
Música: Indignação https://www.letras.mus.br/skank/72885/

 

Referências:

ONU: Brasil entre os países mais desiguais: https://nacoesunidas.org/brasil-esta-entre-os-cinco-paises-mais-desiguais-diz-estudo-de-centro-da-onu/

ONU: Redução das desigualdades entre os países e dentro deles: https://nacoesunidas.org/tema/ods10/

Jornal do Comércio: Desigualdade social. https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2018/04/opiniao/621773-a-desigualdade-social-e-os-desafios-para-o-brasil.html

IBGE – População brasileira em tempo real: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/box_popclock.php

Observatório do Terceiro Setor: Que pode não paga.  http://observatorio3setor.org.br/noticias/quem-pode-nao-paga-iates-helicopteros-e-jatinhos-sao-isentos-de-ipva/

Sindifisco Nacional: IR dos irmãos Batista https://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=32915:ir-dos-irmaos-batista-revela-falha-no-sistema-tributario&catid=44&Itemid=515

Dívida pública G1: https://g1.globo.com/economia/noticia/divida-publica-pode-subir-mais-de-r-400-bilhoes-em-2018-para-quase-r-4-trilhoes.ghtml

Jornal do Comércio, dívida externa: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/02/economia/547592-divida-externa-brasileira-estimada-e-de-us-316-7-bi-em-janeiro-de-2017.html

Renda familiar per capita no Brasil: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-02/renda-familiar-capita-no-brasil-em-2017-era-de-r-1268-segundo-ibge

Revista Exame: Os 20 brasileiros mais ricos. https://exame.abril.com.br/negocios/os-20-brasileiros-mais-ricos-do-mundo-segundo-a-forbes/

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