Durante o primeiro trimestre de 2013, trabalhamos, com as 1ªs séries dos cursos de Química e Eletrônica, turmas 4111, 4112, 4123, 1111, 1112 e 1123, alguns textos de um dos personagens mais conhecidos da literatura gaúcha: o “analista de Bagé”, criação de Luís Fernando Veríssimo. Tal personagem, “freudiano” e “mais ortodoxo que reclame de xarope” (VERISSIMO, 2002, p. 12), é bastante conhecido por utilizar métodos de grande aceitação, como “a terapia do joelhaço”. Seu consultório possui um divã forrado com um pelego, e o analista recebe seus pacientes de bombacha e pé no chão.
Após a leitura de crônicas pertencentes à referida obra, os alunos realizaram uma produção textual. Entre as propostas, estava escrever sobre como seria uma sessão de análise de um aluno da Fundação Liberato: que problemas ele teria? Que método o analista usaria para curá-lo? O aluno analisado também poderia ser o próprio aluno-autor.
Para ilustrar essa atividade, apresentamos quatro textos: dois do curso de Química e dois do curso de Eletrônica:
Depressão Pós-Seleção
A menina chega ao consultório com profundas e roxas olheiras. O analista se assusta com o rosto da paciente e diz:
— Se aprochegue e se abanque, guria, porque tu tá precisando.
Então, a menina se deita no divã com o pelego. O analista jurou que ela dormiria no mesmo instante.
— Desembucha, então. Tua mãe tirou a tua cama? — perguntou o analista, dando uma pausa no mate.
— O quê? Não. Eu passei na Liberato, tô estudando lá, não tenho mais tempo pra nada.
— Nem pra dormir?
— Muito menos. Antes a minha vida era muito fácil e eu não sabia. Eu tinha vida própria, vida social, podia sair e ainda conseguia estudar. Agora praticamente eu vivo na escola, vivo estudando, fazendo temas. E as provas, então? Ah!
A garota começa a chorar desesperada.
— O que foi, guria? — pergunta assustado o analista.
— Eu não consigo tirar notas altas. É prova toda semana, às vezes duas, três por dia. Eu tô enlouquecendo!
— Mas tu te acalma, tchê! Não é possível que tu esteja assim só por causa da escola.
—Tu diz isso porque não conhece o sor ……, não viu as provas dele ainda. É crueldade, tortura. Eu me mato estudando e nunca consigo tirar uma nota acima da média.
— Acho que o teu caso é de internação!
— Viu? Ninguém entende. Queria ver outra pessoa na minha pele. Tenho que ir agora, preciso estudar para Química. E Matemática, Física, Português… Ah!
Então a menina sai do consultório chorando e soluçando, totalmente depressiva.
— Escola de louco, só pode, tchê! — diz o analista, observando a menina e voltando a tomar seu mate.
O analista e o aluno
Certo dia, o analista de Bagé, conhecido em todo Rio Grande, recebeu em seu consultório um paciente muito esquisito. Com seu jeito bagual de ser, logo foi falando, assim com o ar de velho conhecido:
— Opa! Já vai te sentando nos pelego, índio velho! O que te aflige, guri?
Então o rapaz respondeu:
— O meu problema, seu analista, é que estudo em uma escola na qual me sinto muito atarefado.
O analista, após uma longa chupada em seu mate amargo, respondeu:
— Frescura! Gaúcho que é gaúcho não desiste de pelear.
O guri, com um ar inquieto, falou diretamente ao analista:
— Não é a escola, e sim uma tal professora de português, que se encasquetou em nos fazer redigir umas tais crônicas de outro analista, que, inclusive, também é de Bagé. Pode até ser teu concorrente.
Espantado, saiu a gritar, enfurecido:
— Mas que barbaridade! Essa professora tá ajudando meus concorrentes, tá escutando, dona Lindaura? Ainda bem que tu vieste me contar, índio velho. Mas que mal te pergunte, que escola é essa?
— É uma tal de Fundação Liberato, lá pros pago de Novo Hamburgo.
Dona Lindaura da salinha respondeu:
— Já ouvi falar muito bem desta escola.
O analista de Bagé, preocupado com essa concorrência, foi logo falando:
— Só falta esse outro analista ir parar na MOSTRATEC!
Bixo Liberatiano
Uma vez um aluno de uma certa escola procurou a solução para seus problemas onde não devia: no analista de Bagé.
— Entre e se abanque no más, índio velho.
— Sim, pois, s… Aaaahh! Que sono!
— Que história é essa de sono? São 3h da tarde.
— Pois então, é essa minha nova escola, a Liberato, coisa de louco, tchê.
— Sim, sim, conte-me mais.
— É que… Zzzzzzzzz.
— Índio velho, acorde!
— Professora, só se acentuam as oxítonas terminadas em A, E, O, EM.
— Mas, que coisa, tchê! Esta escola está te deixando louco mesmo!
— Sim, eu não sei o que fazer. Estou com péssimas notas e com sono o dia inteiro.
— Humm… E o que faz para se divertir?
— Jogo no computador a tarde toda.
O analista levantou-se, olhou fundo nos olhos do paciente e disse:
— Eu tenho a solução para seus problemas!
— Ótimo, e qual é?
— Cria vergonha nessa sua cara de pau! Ao invés de estudar, está aqui perdendo o seu tempo e, além de tudo, fica jogando nesse tal de computador! Já para casa fazer seus temas e dormir.
E correu o paciente a tapas gritando:
— Esses bixos liberatianos, esses bixos!
Criatividade em falta
— Te aprochegue, piá, não se acanhe! — disse o analista quando apareci na porta de seu consultório.
Fui indicado a ir neste tal analista de Bagé. Disseram que apenas ele poderia me ajudar. Falava alto e com muito sotaque de gaúcho de interior, daqueles bem tradicionais. Seu divã com pelego e seu jeito eram, no mínimo, peculiares.
— Pois o que te traz aqui, guri? — me perguntou enquanto me deitava no divã.
— Estou com problemas de falta de criatividade.
— Criatividade? És gaúcho, piá! Gaúcho não tem problemas com isso! Gaúcho que é gaúcho tem que ser bom de prosa e mentira; criatividade está no seu sangue! — disse ele em alto tom.
Ao terminar sua fala, colocou água no chimarrão.
— Pois é… mesmo não sendo dos gaúchos mais tradicionais, estou preocupado…
— Guri, vamos às perguntas! — disse ele com a bomba de chimarrão na boca. — Já montou em crioulo?
— Uma vez.
— Gosta de chimarrão?
— Sim.
— Já foi a um CTG?
— Sim.
— Seus pais são gaúchos?
— Meu pai é catarinense.
— O QUÊ? — disse o analista de Bagé, apavorado. — Tchê! Está aí o seu problema!
REFERÊNCIAS:
VERISSIMO, Luis Fernando. Todas as histórias do analista de Bagé. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Muito bom este trabalho das professoras de Língua Portuguesa, os textos dos alunos são criativos e nos fazem entender como eles sentem-se ao ingressar na Liberato. É bom conhecer melhor os sentimentos de cada aluno, quero registrar que podem contar com meu total apoio para ultrapassar esta etapa. Lembrando sempre ” que não tá morto quem peleia “. Felicidades a todos! Mirela Stoll
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