conto: O dia da caça

04-conto-caca

Ela ergueu as mãos trêmulas, apontando a arma para o peito dele. A ponta do dedo com a unha pintada de um azul já descascando mal conseguia se manter firme no gatilho. Ela o encarava, sua expressão variando de raiva para tristeza, de tristeza para medo, de medo para pavor e, então, de volta à raiva. A coragem lhe enchia o peito, deixando o temor que sempre lhe apoderara sem espaço para expandir-se. Ela apertou os olhos, embaçando sua visão com lágrimas não caídas. Finalmente, o dia da caça chegou, que o caçador se preparasse.

O homem, do outro lado da cama, a encarava sério, pensando no que fazer e sabendo, com toda a certeza, que ela não apertaria o gatilho. Não de propósito, pelo menos. Queria tanto atravessar a cama num só pulo e agarrar-lhe os cabelos, tirar a arma de suas mãos e, então, dar-lhe a maior surra que ela já vira. Ah, queria tanto fazê-lo.

Já ficava excitado só de imaginar, mas sabia que corria o risco de levar um tiro caso se movesse tão brusca e impensadamente. Achou que teria uma chance de ação quando a viu fechar por um segundo a mais os olhos, deixando escapar uma ou duas lágrimas. Mas se surpreendeu ao vê-la reabri-los, segurando agora mais firme o revólver dele. A raiva e o ressentimento pareciam transpirar de sua pele, de tão visíveis. Por um momento, achou que ela realmente o mataria, mas a ideia parecia tão ridícula que logo lhe fora descartada.

Ficaram ali, naquele encarar de poucos minutos que mais pareceu uma eternidade. Novos pensamentos e sentimentos passaram na cabeça de cada um naquela questão de minutos. Naquela dança, brincadeira de encarar. Quem pisca primeiro? Quem ri por último? Quem atira e quem apanha?

Um pequeno movimento do homem, que ele tanto pensou antes de realizar, tirou a garota do transe de ódio e a trouxe de volta à realidade. Ela respirou fundo, olhos cravados nos do homem seminu em sua frente. Esse homem que tanto a ferira, que tanto a humilhara, violara. Um pequeno e bizarro sorriso surgira no rosto da garota, tão jovem para criar tal expressão, antes de finalmente quebrar o massacrante silêncio do quarto.

— Boa noite, papai.

E o som do tiro cortou a noite.

Isabela de Lucena Schorn
Aluna do Curso Técnico de Mecânica
Fundação Liberato
Primeiro lugar
Categoria Conto
Liberarte 2019

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *