CONEXÕES

07-conexoes

A respeito da especificidade do sentido artístico, Vincent Jouve, em sua obra Por que estudar literatura? (2012), destaca o sentido do texto literário como sinal e como sintoma, sendo este último seu aspecto mais relevante. Como sinal, a significação do texto implica a identificação de um determinado número de elementos expressos na tessitura verbal que possibilitam a compreensão do que é tratado e do que podem ser as intenções do autor. Como sintoma, a leitura de um texto busca “identificar o que ele significa – para além de todo desígnio intencional – enquanto artefato produzido em determinada época e sob certas condições” (JOUVE, 2012, p. 85)[1]. No que tange à relação com o contexto em que é produzida, percebe-se a crônica como um dos gêneros que mais atuam como “sintoma” dos tempos vividos, uma vez que é de sua natureza a ligação com o cotidiano e com a contemporaneidade.

Colapso, crônica de Pedro Gonzaga[2], foi publicada em meio à pandemia que assola praticamente o mundo inteiro. Como o próprio título já sugere, um dos grandes problemas a serem enfrentados nesse período é a ineficiência dos hospitais diante da demanda de internações. A ideia de colapso, portanto, é eminente e, de forma lamentável, iminente. O cronista, porém, cuja construção artística vai ao encontro do que Jouve (2012) prega sobre a significação do texto literário, brinda o público leitor com uma crônica na qual a significação como sintoma é pulsante: além do colapso do sistema de saúde, há o colapso da civilização, que desmorona diante de tudo aquilo que não pode controlar. E acrescenta: é no uso que faz da palavra que essa mesma civilização pode encontrar um refúgio, um lugar seguro e recôndito onde possa expressar de alguma maneira o que sente.

O trabalho proposto a partir da crônica de Gonzaga, em cinco turmas de primeira série, previa que os alunos, a exemplo do que fez o cronista, escolhessem a palavra que, para eles, sintetizasse as emoções sentidas neste período de quarentena a que todos estão submetidos (ou deveriam estar). A partir da pesquisa etimológica, garantindo a base de seu significado, deveriam desenvolver sua reflexão sobre o momento atual, procurando expressar não só seus medos e frustrações em relação à doença que mudou os hábitos da população, mas também as esperanças e os desejos desses jovens espíritos aprisionados, agora, em casa.

A atividade foi realizada já em período de quarentena e, por isso, de forma remota. Inicialmente a crônica de Pedro Gonzaga foi encaminhada aos alunos acompanhada de algumas questões de análise textual, explorando as significações como sinal, isto é, os elementos explícitos no texto que remetem a determinadas construções de sentido. Após a análise, foi solicitado que criassem seu próprio texto, partindo de uma palavra que cada um elegeria como mais significativa para o momento, seguida da pesquisa do seu sentido etimológico e, a partir disso, estabelecendo uma conexão com os tempos atuais e com sua própria vivência de isolamento social.

O resultado do trabalho mostrou que Pedro Gonzaga estava corretíssimo quando escreveu que as palavras, para aqueles a quem elas são tão caras, têm “sua forma, sua história, um jeito de marcar-nos semelhante ao modo como as pessoas nos marcam” (GONZAGA, 2020). Ao personificar a palavra, o cronista ressalta seu caráter de companheirismo em momentos de confinamento, pois elas conseguem traduzir nossos sentimentos, mesmo que para nós mesmos não haja, ainda, clareza sobre o que é sentido. O trabalho mostrou também que a palavra cedida ao outro frequentemente retorna enriquecida de significações: através dos textos dos alunos é possível entender melhor a realidade de cada um e quais são as mensagens que gostariam de dividir com os outros que vivem, como eles, um tempo nunca imaginado. É possível, dessa forma, revisitar o nosso próprio universo, conhecendo-nos melhor e nos sentindo acolhidos em nossa dor, em nosso medo e na expectativa de dias bem mais tranquilos adiante.

 Acompanham esse breve relato cinco textos produzidos por alunos de cinco turmas diferentes. Não lhes foi proposta a criação de um texto com um gênero definido, embora a maioria se desenvolva de forma semelhante ao que se entende por crônica. Foram muitas as palavras apresentadas como síntese de um turbilhão de emoções: medo, angústia, saudade, empatia, resiliência e muitas outras, por vezes surpreendentes, mas justificáveis ao longo da leitura dos textos. Por elas, entende-se a dimensão que uma pandemia pode alcançar no universo juvenil, o que provoca – ou se espera que provoque – a empatia por parte do adulto professor que é, muitas vezes, apesar da distância física, o elo entre o aluno e a escola, garantindo a conexão com um tempo passado na esperança  de que ele se torne presente de novo bem rápido.

[1]   JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura?. São Paulo: Parábola, 2012.

[2] GONZAGA, Pedro. Colapso. Zero Hora, Porto Alegre, 25 mar 2020. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/pedro-gonzaga/ultimas-noticias/ Acesso em 26 mar 2020.

 Íris Vitória Pires Lisboa Professora de Língua Portuguesa e Literatura Fundação Liberato


Íris Vitória Pires Lisboa
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Fundação Liberato

 


 

 

DILIGÊNCIA

É impossível imaginar este isolamento social acontecendo coordenadamente em tantos países em uma realidade em que os seres humanos não tivessem a habilidade de comunicação, ou que fossem habilidades primitivas, como as do restante dos animais. É incrível como foram desenvolvidos tantos idiomas a ponto de, atualmente, podermos expressar a fala ou a escrita em qualquer língua que quisermos com tamanha facilidade.

Humanos são realmente privilegiados por sua habilidade de comunicação, tendo à sua disposição milhares e milhares de palavras. Cada um desses simples conjuntos de letras que chamamos palavras pode carregar sentimentos, ideias, valores. Como disse Pedro Gonzaga, no texto “Colapso”, “cada palavra é antes uma pessoa”.

Assim como as pessoas, as palavras têm diversas características, que podem variar de acordo com o ponto de vista, e também têm seus ancestrais. De maneira geral, diligência representa o ato de ter cuidado, atenção ou dedicação ao realizar uma tarefa, mas do ponto de vista filosófico, diligência é a virtude de perseguir objetivos e zelar por ter bons princípios. O ancestral de diligência é a palavra “diligentia”, do latim, e significa cuidado, zelo ou atenção.

Uma “pessoa” que eu diria que está em falta nesta “crise” é a diligência. Está faltando cautela, não só dos atos preventivos realizados pelo governo, mas a cautela da população. Afinal, é pelo bem da saúde de toda população brasileira que foram tomadas as medidas de isolamento no Brasil.

Muitas pessoas não reconhecem a importância do isolamento social pelo qual estamos passando, ou melhor, talvez reconheçam, mas se sentem indiferentes ou achem que elas não serão afetadas. Por isso, digo que falta diligência e, além disso, empatia, por parte de muitos. Felizmente, há muita gente fazendo ações solidárias e sendo diligentes com sua contribuição à sociedade. Por mais simples que sejam, essas atitudes são o que mais me fascina na humanidade: pequenos atos que demonstram quão boa a espécie humana pode ser.

Igor Ritzel Pacheco Turma 1124

Igor Ritzel Pacheco
Turma 1124

 


 

 

ESCOLHA

Escolha. Palavra não surpreendentemente originada do Latim, este que outrora já foi o idioma oficial do império mais poderoso da história, hoje curiosamente classificado como “língua morta”.

Folheio meticulosamente as páginas do dicionário em que, segundo as orientações ortográficas usuais, a seção que acolhe a palavra “escolha” deveria estar. No entanto, não demonstrando compaixão alguma pela minha humilde posição de estudante em apuros, que deixou para fazer o trabalho de Língua Portuguesa no limite de entrega, as folhas parecem determinadas a não me conceder a etimologia do termo e, aparentemente, o Google resolveu compartilhar da mesma opinião. Nem mesmo a Wikipédia, o centro etimológico mais fofoqueiro e popular entre os estudantes do mundo todo, parece chegar a um consenso sobre o assunto. Rendida pelo desespero, finalmente lembro que a pessoa justamente confinada neste momento de quarentena comigo, minha mãe, é formada em Letras e resolveria facilmente essa questão.

Dividida entre prestar atenção no Fantástico e resolver meu pequeno dilema linguístico, ela volta alguns minutos depois com uma paciente e carinhosa explicação escrita do significado, etimologia e classe da palavra. Sorri e diz que qualquer coisa estará no quarto ao lado, e tomo isso como um calmo e maternal aviso para que não a incomode novamente caso a casa não esteja pegando fogo. É neste momento, com uma colinha e marcadores coloridos, que finalmente exponho aqui meu resultado de pesquisa.

Pois bem, “escolha” deriva do prevérbio ”ex”, que significa origem, ponto de partida ou ainda um movimento do interior para fora; e do verbo ”colligere”, que significa juntar, reunir. Começo a lembrar-me das minhas aulas de história do ensino fundamental e recordo-me do maior aprendizado que tive: a escolha, o direito de livre-arbítrio natural do ser humano, atitude corriqueira do cotidiano, já foi motivo de guerras aterradoras, combustível para atos heroicos e fundamento de revoluções épicas.

Neste momento incerto e sem precedentes na história humana, o novo corona vírus é uma ameaça global ativa e imobilizadora das nossas práticas diárias. Apesar dos inúmeros e desesperados apelos das autoridades de saúde para que a população fique em casa, reforce os hábitos de higiene e mantenha o isolamento social, civis e mesmo aqueles que detêm alto poder executivo fazem uso de seu direito natural de escolha de forma errada e equivocada, recusando-se a proteger-se e proteger aqueles ao seu redor, ignorando os alertas e promovendo o caos. É triste e desolador que, em pleno século XXI, tenhamos tamanha regressão de pensamento e comportamento. Outrora, em 1789, na França e em outros países, pessoas morreram e lutaram para assegurar e instituir a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, para que hoje possamos fazer nossas escolhas e traçar nossos caminhos de maneira livre e responsável. Vergonhosamente, as escolhas e mesquinharias protagonizadas por uma maioria assustadora não honram o legado dos homens e mulheres que lutaram para assegurar nossos direitos no passado. Escolher é decidir, preferir, optar por um seguimento. Escolher é um ato individual, mas não pense que as consequências deste serão igualmente individuais. Devemos proteger aqueles ao nosso redor, dando valor as nossas vidas e à do próximo.

É depois desta reflexão que volto para o tópico inicial deste texto, que já deve ter sido esquecido pelo leitor, a de que o latim é uma língua morta. Pois bem, para fins linguísticos, ele o é. Não é mais empregado por falantes nativos, mas em contrapartida originou diversos idiomas do mundo, como é o caso do português. Por que ao invés de soterrar e banalizar mais ainda o significado da escolha, derivada de uma antiga, mas ainda presente língua, não o ressignificamos, não o revivemos? A gramática atualiza-se, inova-se, transforma-se, está em eterna adequação. Porém o significado dos termos, somos nós que definimos, e estes sentidos, estes preceitos, são imutáveis. Faça valer seu direito natural.

Escolha.

Júlia Moraes Turma 3111

Júlia Moraes
Turma 3111


 

EMPATIA

São tempos difíceis, mas acredite: ainda há tempo.

Pensei diversas vezes em como começar este texto e confesso que não cheguei a nenhuma conclusão. Mas a vida é assim, nem tudo é um mar de rosas, nem sempre o sol vai sorrir para nós. Em dias nublados como estes, pensar sobre algumas atitudes é importante, mas não nas falhas de um trabalho que eu fiz com pressa e não deu tempo de corrigir, apenas enviei. É sobre realmente pensar, pensar se queremos um milhão de mortes ou milhares. Pensar se o que tenho em excesso faltará para alguém.

Você sabe o que significa empatia? Pois bem, eu não sabia até ficar extremamente abalada com a notícia de que uma amiga havia perdido seu bem mais precioso, sua mãe. Naquele dia chorei em silêncio, mas não estava entendendo esse sentimento, pois eu nem a conhecia. Então a professora me olhou e sutilmente falou:

“Ah, se todos carregassem consigo a empatia, o mundo seria outro.” E com certeza a inocência de uma criança é a forma mais pura de ver e sentir as coisas. Agora falando bem diretamente, empatia em seu sentido estrutural – o prefixo em indica a capacidade de uma pessoa de pôr-se no lugar da outra; e patia são todos os sentimentos vividos por alguém, ou , é a nossa capacidade psicológica de sentir a dor do próximo, colocando-nos na situação vivenciada por ele.

Talvez, neste momento, a esperança do mundo esteja em escassez ou nem exista. Mas, pense comigo, será que esta situação não é culpa de nós mesmos? Será que os nossos superiores estão postos de forma correta? Existem tantas outras perguntas que me vem à mente, mas agora deixo para vocês refletirem e criarem as suas próprias dúvidas.

O futuro, como sabemos, é imprevisível e, caso o cenário atual piore ainda mais, não há muito que possamos fazer, mas agora no presente há muito a ser feito! Pense em cinco pessoas importantes na sua vida, agora imagine seu mundo sem uma delas, é um sentimento horrível, né? E, infelizmente, é a situação de inúmeras famílias pelo mundo todo, de forma tão repentina e dolorosa. O universo está pedindo de nós, a partir dessa pandemia, mais empatia pelo próximo, mais cuidados conosco mesmos e com quem amamos. E, desculpe, mas achar que este cenário atroz é apenas mais uma nova gripezinha, é uma enorme tolice!

Jennifer C. Lussani dos Santos Turma 3112

Jennifer C. Lussani dos Santos
Turma 3112

 


 

 

ANGÚSTIA

Não adianta negar, todos uma hora ou outra acabamos sentindo, sentindo na pele a angústia, a aflição, não importa o motivo, o sentimento é sempre o mesmo. Um grande nada tomando conta de nossas cabeças. Muitas pessoas podem dizer que ficar muito tempo trabalhando ou indo para escola sem férias e pausas é ruim, eu discordo. Ruim é ficar dentro de uma casa dias a fio sem uma expectativa de volta, e tudo que temos são as meras lembranças de dias felizes que tivemos e, na época, não dávamos a devida importância.

A toda hora uma reportagem sobre a Covid-19, na televisão, no rádio, nas redes sociais, no jornal. Isso se torna cansativo, nunca há notícias boas. Ficamos cansados, cansados psicologicamente de tudo isso. As coisas se tornaram tão diferentes, não somos mais os mesmos, nada é. Talvez aquele chimarrão com colegas tenha sido o último, aquele olhar trocado com os amigos no imenso corredor da Fundação, o abraço quentinho e caloroso de um grande amor.

Nos dicionários temos uma definição de angústia como uma condição de quem está muito ansioso, aflito, e inquieto, o que representa bem nossa realidade, trancados como pássaros em nossas gaiolas. Agora talvez seja tarde para dar aquele beijo, o cafuné de fim de tarde, o ontem nunca volta, mas talvez possamos fazer nosso amanhã melhor.

Espero que na hora em que formos livres novamente tudo ganhe seu devido valor, que possamos ser menos egocêntricos, que todas as brigas tolas tenham seu esperado fim, que não se tenha pressa, mas que não se perca no tempo.

Luiza Vitória Roth Turma 3123

Luiza Vitória Roth
Turma 3123

 


 

 

CICATRIZ

Antes da quarentena chegar a nós, estávamos seguindo nossos dias normalmente. Li em alguns textos e ouvi em algumas conversas que o dia sempre começa no momento em que o primeiro raio de sol se mostra depois de uma noite, que, quando o primeiro raio de sol se mostra no horizonte, o dia começa e, com ele, a rotina, sempre uma rotina, diferente para cada um. Alguns iniciavam seu dia indo trabalhar e outros iniciavam seus dias indo pra escola como um dia rotineiro. Estávamos distantes da quarentena quando tudo começou e levou um tempo para que chegasse a nós, mas chegou e chegou colapsando ideias, máscaras, atitudes e principalmente as pessoas que tiveram de abrir mão de poder sair; tanto pro seu próprio bem como para o bem do outro.

Pediram para que eu escolhesse uma palavra que pudesse descrever o que sinto neste momento de quarentena e, quase que instantaneamente a palavra me veio: cicatriz!

Cicatriz porque com a quarentena sofri uma ferida, como o mundo inteiro. Me vejo ferido, dentro de casa, nunca desejando tanto andar pelas ruas, mesmo que seja a rua onde sempre morei, mesmo que seja uma caminhada até a esquina; oh céus, a prisão me deixará cicatriz, o medo me deixará uma cicatriz e as mortes deixará uma cicatriz em todos.

É incrível que a palavra cicatriz manteve muito de seu significado ao longo dos anos, ganhando, claro, alguns significados a mais. A palavra cicatriz deriva do termo latino cicatrix – cicatricis que denomina a marca deixada por um corte ou uma ferida. A humanidade sofreu uma ferida que um dia cicatrizará como uma guerra ou uma grande crise econômica; a ferida que sofremos derrubou as máscaras e as ideias, mostrando as faces de pessoas que não se importam com a vida, mas com o eterno lucro e o eterno crescimento econômico. Quem eles pensam que são para pôr o dinheiro acima da vida das pessoas? De nossos parentes… Por isso, neste momento em que sangramos, precisamos parar um pouco e pensar em como estancar esta ferida para não morrermos de um longo sangramento, precisamos agir não só por nós mesmos, mas por eles também. E ajudar e também nos perguntar como chegamos aqui… E quando chegará a hora de mudar…

Nícolas Battilana Turma 3124

Nícolas Battilana
Turma 3124

 

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *