Sugestão de leitura: Como dialogar com um negacionista

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É preciso reconhecer que todos somos negacionistas, em alguma medida, conforme nossos interesses e desinteresses (p.132)”.

“Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe!”

Lembro de ouvir essa frase muitas vezes, em minha infância, nos já distantes anos 1980. Seu uso, em geral, era uma resposta do garoto mais metido a esperto, ou do mais fortão, ou mesmo dos mais crescidos às crianças mais novas, quando percebiam que teriam seus argumentos ou explanações sobre um tema superados por alguém a quem consideravam, por algum motivo, inferior a si próprios.

É curioso observar que, avançando mais de duas décadas no século XXI, tal comportamento esteja tão presente no cotidiano — e você se dá conta de que essa resposta, se é demonstração de imaturidade, pode não ser inerente à imaturidade das crianças, mas sim dos seres humanos. Adultos, principalmente! De forma mais elaborada, travestida de comédia, ou nua e crua, com contornos de ódio mesmo, a resposta aparece, com seus “nãos”.

A possibilidade de acesso instantâneo a informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico poderia ser suficiente para termos certos conhecimentos, digamos, universalizados? Um passeio pelo site da NASA, o estudo preliminar de poucos fatos da História recente (Guerra Fria e corrida espacial, por exemplo) não dariam conta de uma boa compreensão sobre a forma do nosso planeta? A compreensão — mínima, ínfima — sobre o desenvolvimento realizado pelos institutos de pesquisa não resolveria a questão sobre a segurança das vacinas?

Deveria, podemos pensar. Óbvio que sim! Só alguém com “sérios problemas”, só um “seguidor de teorias da conspiração” vai deixar de se proteger e se vacinar. Somos todos humanos e nós, brasileiros, já perdemos, em vidas, duas vezes a população de Novo Hamburgo, mais a população de Montenegro para essa doença. É difícil até conversar com quem não entende essa gravidade…

Bem, mas as pesquisas científicas em outra área, a ambiental, trazem também algumas evidências para reflexão. O crescimento populacional e a necessidade crescente de alimentos para o ser humano torna insustentável manter certos hábitos alimentares. As contas não fecham. Falta terra, polui, tem que devastar para plantar. Agrotóxico contamina. Carros poluem. Produzimos muito lixo. A temperatura do planeta aumenta. Eventos extremos se tornaram mais comuns. E vai piorar, mesmo mudando nossos hábitos agora. Se não mudarmos, será pior ainda.

Opa, isso é diferente. Isso me afeta — mesmo tendo tomado vacina. Não deve ser assim. Não sei. Não sei se quero saber. Não é que eu tenha raiva, sabe, mas…

Tentei trazer, nessa breve ilustração, o que a física, educadora e filósofa Elika Takimoto desenvolve com maestria na obra Como dialogar com um negacionista. Com exemplos históricos e fatos contemporâneos, demonstra-nos que a forma de pensar de quem nega a ciência, notadamente nos exemplos relacionados ao “terraplanismo” e às teorias da conspiração ligadas às vacinas, também está presente na forma de pensar de cientistas, amigos da ciência, curiosos e “letrados” em geral. Elika alerta que, para defendermos a ciência, é também necessário reconhecer suas limitações, seus erros e acertos, como construção humana — todas as ciências são humanas. Tudo isso sem, no entanto, deixar de elucidar e distinguir quem age de forma criminosa disseminando informações falsas — induzindo pessoas ao erro, colocando vidas em risco, ou semeando desconfianças sobre pesquisas idôneas.

Tecendo as necessárias distinções entre ceticismo e negacionismo — “precisamos saber diferenciar o não conhecimento que mobiliza a ciência e a ignorância fabricada que a imobiliza” (p.86) — e reconhecendo nossa própria natureza, “o ser humano não busca a verdade, busca o conforto” (p.106), a obra provoca, mobiliza, faz pensar. E chama para um diálogo — não uma imposição de ideias, não uma ridicularização. Um diálogo interno com o negacionista que há em cada ser humano — para, a partir daí, construir um diálogo com outro ser humano. Diálogo pressupõe também escuta…

Ainda a destacar, a diversidade das referências apresentadas no livro. A essa qualidade devo minhas primeiras leituras de um escritor indígena brasileiro1, e a mais um reconhecimento estarrecedor do tamanho de minha própria ignorância: nosso país tem mais de 250 etnias, que falam mais de 150 línguas e dialetos. Não querem ser iguais. Não querem ser homogêneos. Não concebem o ser humano como algo distinto da natureza — um rio nunca será um simples “recurso hídrico”. Quanta sabedoria “não científica” estamos perdendo?

  1. KRENAK(1), Aílton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed., Companhia das Letras. São Paulo: 2020. 102 páginas.
    KRENAK, Aílton. A vida não é útil. Companhia das Letras. São Paulo: 2020. 126 páginas.
    TAKIMOTO, Elika. Como dialogar com um negacionista. Livraria da Física, 2021.‎ 152 páginas.
André Luis Viegas Professor da Fundação Liberato

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