– A Mostratec vai acontecer em 2020?
– Sim, mas não vai ser “a” Mostratec, e sim “uma” Mostratec.
O autor dessa expressão, que adotamos imediatamente, é o colega que coordena a Comissão de Avaliação, e esse diálogo é um recorte de uma reunião (entre tantas que houve) que mostra um mudança no nosso olhar para a Mostratec, um olhar que possibilitou ressignificar nossa feira sem que tivéssemos medo de que ela fosse menos importante.
A Mostratec faz parte do calendário de feiras e eventos científicos do Brasil. Construiu, desde 1985, uma ótima reputação e um índice elevado de credibilidade. Diante disso, muitas pessoas que já estão acostumadas ao “padrão Mostratec” podem ler a frase anterior com certa estranheza, mas esse foi o sentimento das pessoas que trabalharam nos bastidores da feira.
O ano de 2020 foi um ano de luto e de luta. Foi o ano do “nunca foi assim”. Foi o ano em que existir passou a ser quase um ato de resistência. Um ano em que a ciência nunca foi tão necessária e ao mesmo tempo tão desacreditada. Vacinas poderosas estavam sendo desenvolvidas em tempo recorde graças aos esforços de cientistas — com status de super-heróis —, que trabalharam lindamente, de forma conjunta, em uma rede global, e às parcerias bilionárias de governos e empresas privadas, ao mesmo tempo em que crescia o número de negacionistas, terraplanistas e assemelhados. As escolas não foram fechadas, elas “apenas” foram transferidas para dentro das casas dos professores, que aprenderam rapidamente a utilizar ferramentas on-line e dar aulas por videoconferência. Como fazer a Mostratec nesse cenário?
Não sabíamos a resposta, mas sabíamos como construí-la. Perguntamos aos membros da Comissão Central (grupo de coordenadores de cada comissão da Mostratec), perguntamos aos coordenadores dos cursos técnicos da Fundação Liberato, perguntamos para as feiras afiliadas à Mostratec (cerca de 200 feiras em 2019), perguntamos para o Grêmio Estudantil da Fundação Liberato.
Enquanto coordenador da Mostratec, participei de lives com coordenadores de outras feiras do Brasil, algumas das quais estavam ocorrendo pela primeira vez no formato virtual, bem no começo da pandemia de covid-19.
Por fim, ao compilarmos esses dados, relatos, argumentos, fatos, legislação e protocolos, decidimos que a 35ª Mostratec seria virtual: aceitamos o desafio de organizar e criar a primeira edição virtual da história!
O que se seguiu a partir dessa decisão tomada foi uma série de ações, reuniões, muito trabalho (e muito aprendizado!) em cada nova etapa. As comissões precisaram se reinventar, colegas foram remanejados para outras comissões, eventos integrados foram criados ou remodelados (ou ainda cancelados). Assim como muitas profissões foram redefinidas, a Mostratec presencial foi transmutada em Mostratec Virtual.
Criamos a categoria de Projetos em Desenvolvimento, para viabilizar a participação de projetos que foram impedidos (pelo contexto da pandemia) de realizar testes em laboratório e, portanto, não conseguiram finalizar as etapas experimentais. Mais uma dúvida: será que daria certo? Depois de finalizarmos as inscrições, vimos que sim! Cerca de 60% dos projetos se autodeclararam “Projetos em Desenvolvimento”.
Em tempos de pandemia, assumimos que a Mostratec seria uma feira de valorização à vida. Sabíamos como criar um ambiente físico para a Mostratec e aprendemos a criar um ambiente virtual para ela. Da mesma forma, sabíamos como receber os finalistas presencialmente, validar documentação presencialmente, avaliar os projetos presencialmente, fazer cerimônias de lançamento e premiação presencialmente… A lista segue com outras tantas ações que aprendemos a fazer de forma virtual. Mesmo com um panorama triste, tivemos a capacidade de encontrar possibilidades e fazer um evento virtual de qualidade.
Diferentemente da feira presencial, quando chegou o dia de início da Mostratec Virtual, não teve aeroporto, trem, ônibus, filas no credenciamento e no Comitê de Revisão Científica. A feira se resumia a uma pessoa de cada comissão em cada sala, trabalhando no seu computador. Em silêncio, mas ininterruptamente. As mensagens, e-mails e notificações chegavam sem parar, e as preocupações com as quais estávamos acostumados na feira presencial foram substituídas por “voto popular nas redes sociais” e relatos do tipo “Minha conexão caiu na hora da avaliação!”.
As fotos da edição 2020 não mostram um palco cheio de sorrisos, bandeiras, lágrimas, medalhas, abraços e troféus. Também não mostram centenas de visitantes percorrendo os pavilhões da Fenac. As fotos de 2020 mostram pessoas fazendo a Mostratec acontecer dentro dos computadores, mostram o auditório da Fundação Liberato transformado em estúdio, mostram uma oficina de robótica on-line. Parece pouco? Não, não é pouco e também não é “frio”.
Estima-se que, na edição presencial da Mostratec, cerca de 40 mil pessoas visitem a feira. Estávamos receosos e apreensivos com relação à visitação da feira virtual… Será que daria certo? Será que teríamos um número significativo de visitantes? Minha pergunta foi respondida às 0h06min do primeiro dia da feira, quando vi o site da Mostratec fora do ar e telefonei para a empresa responsável: o número de visitantes era tão expressivo que o site não comportava! Depois dos ajustes técnicos, tudo transcorreu bem e tivemos uma enorme surpresa: apenas nos três dias da feira, o número de acessos ao site passou de 130 mil!
Que satisfação! Foi trabalhoso, foi cansativo, mas foi muito lindo e gratificante. Aprendemos muito e aprenderemos ainda mais! Agradeço a todos os colegas que estiveram ao meu lado, aprendendo e ensinando mutuamente. A Mostratec 2021 vem aí, ainda num ambiente virtual, mas continuará honrando seu slogan, sendo “um mundo de criatividade, inovação e pesquisa.”
Jader Bernardes
Professor na Fundação Liberato e Coordenador da 35ª e da 36ª Mostratec