CASOS DA REALIDADE DO ENSINO REMOTO

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Na Fundação Liberato, desde 2010, o Núcleo de Educação, Cultura, Esporte e Ciência & Tecnologia — um segmento de discussão e de proposição de ideias — desenvolve atividades específicas em cada área dos quatro Eixos que o constituem, fazendo com que todas as ações realizadas dialoguem entre si, estabelecendo trocas. Isso ocorre porque os Eixos são compostos por professores e funcionários da Instituição que atuam em diferentes campos do conhecimento, enriquecendo, assim, o colegiado através de suas experiências.

Em 2021, o plano de ação do Eixo Educação, que tem como integrantes Ana Izabel dos Santos Fernandes, Cláudia Odileia Muller, José Celmar Roir da Silva, Juliano Francesco Antoniolli, Leo Weber, Maria Inês Utzig Zulke e Rogéria Silveira Pacheco, é dedicar-se a refletir sobre o modo de fazer e as condições para a realização da prática pedagógica, levando em conta o cenário pandêmico provocado pela covid-19. Dessa forma, busca criar espaços e momentos de estudos e de debates sobre ideias relacionadas à área da educação, a fim de ir ao encontro dos anseios do corpo docente da Instituição.

Com esse intuito, o Eixo Educação, tendo o apoio do coordenador do Núcleo, professor Leandro Andrighetti, tomou a iniciativa de convidar dois ex-professores da Fundação Liberato, para falarem a respeito do ensino remoto a partir da realidade que cada um deles vivenciou, durante este período pandêmico, no Instituto Federal do RS, onde atualmente eles desempenham suas atividades profissionais. Então, foi solicitado ao professor Claudius Jardel Soares (IFRS, Campus Osório) e ao pedagogo Anderson Rodrigues Corrêa (IFRS, Campus Porto Alegre) que participassem de um encontro on-line (realizado em 02/6/2021) e que abordassem em suas explanações os seguintes tópicos: ambiente escolar, metodologia de ensino, projetos de pesquisa, processo de avaliação do ensino remoto, tecnologias da educação, evasão escolar e reprovação, além de qualquer outro assunto relacionado a essa temática em discussão.

Esse momento contou com a presença de todos os membros que compõem a Direção de Ensino, o Centro Pedagógico — CP, o Centro de Planejamento Administrativo — CPA, a Coordenação dos Cursos e o Núcleo de Educação, Cultura, Esporte e Ciência & Tecnologia. No decorrer desse evento, os dois ex-colegas foram convidados a esclarecer algumas dúvidas ou curiosidades dos professores que estavam ali representando os setores da Fundação Liberato que estão diretamente ligados à área da educação.

Sendo assim, inicialmente, foi pedido a eles que fizessem uma avaliação sobre o reflexo da pandemia no processo de ensino e de aprendizagem, estabelecendo uma comparação entre o ensino presencial e o ensino remoto.

Segundo o professor Anderson, “com a pandemia imposta pelo novo coronavírus, a educação mundial em expressivo número de escolas teve abruptamente a troca do ensino presencial para o remoto. Essa alteração de formato propiciou significativa ressignificação e rearranjo nas relações a que a comunidade escolar estava historicamente acostumada.

Nessa direção, todos agentes propulsores e fundamentais para efetivação dos processos de ensino e de aprendizagem viram-se, de um momento para outro, diante de um contexto de excepcionalidade. Para tanto, buscaram-se inúmeras alternativas, foram adotados outros caminhos com o objetivo de minimizar os prejuízos educacionais, na busca de propiciar a preservação do direito à educação aos estudantes das diferentes esferas educacionais e sociais.

Percebe-se que, embora tenham surgido inúmeras e originais tentativas de minimizar o prejuízo da aprendizagem nos diversos componentes curriculares, o impacto é identificado como um dos maiores desafios apresentados. Evidencia-se uma preocupação considerável dos educadores com a qualidade proposta pelo ensino remoto, porém não se identifica satisfação deles quando questionados sobre a efetividade de seus esforços nos resultados apresentados na aprendizagem de seus alunos.

Inúmeros educadores identificam uma baixa adesão dos estudantes ao acesso dos materiais disponibilizados em diferentes formatos. Alguns sinalizadores podem ser apontados, tais como: dificuldades para acessar a internet, utilização de ferramentas não adequadas às atividades propostas, ambiente de estudo inadequado, falta de adaptação, ansiedade, depressão, perda de familiares pela covid, desamparo social, desemprego, insegurança quanto ao futuro, necessidade de auxiliar financeiramente a família, entre muitos outros fatores que infelizmente atingiram grande parte de nossos estudantes e educadores, nesse momento pandêmico.

Sobre esse mesmo quesito, o professor Claudius afirma o seguinte: “Acredito que o processo de ensino/aprendizagem foi bastante prejudicado porque não houve uma preparação adequada para a migração do ensino presencial para o remoto. Grande parte dos professores não tinham conhecimento sobre como trabalhar com aulas on-line. Com as inúmeras dificuldades de se adaptar ao ensino remoto, os docentes foram adequando processos didáticos às aulas, onde ocorreu um grande aprendizado sobre novas metodologias e técnicas, e muitas tendem a ser incorporadas no processo de ensino/aprendizagem quando acontecer o retorno presencial plenamente. Possivelmente o maior desafio foi manter o engajamento dos estudantes nas aulas remotas.”

Também foi pedido que eles falassem sobre o desempenho do estudante neste contexto pandêmico, comentando os seguintes tópicos: autonomia, envolvimento em trabalhos de pesquisa científica, comprometimento (identificação com a escola) e evasão.

Conforme o professor Anderson, “pensar na autonomia de nossos estudantes é importantíssimo, considerando a influência determinante à efetivação das distintas atividades acadêmicas nas diversas esferas. Nesse momento de pandemia, ficou explícita a importância da autonomia de nossos estudantes para desenvolver seus estudos, pesquisas e demandas acadêmicas.

Alguns docentes perceberam que, no momento do ensino presencial, acabavam por direcionar o olhar dos estudantes na busca de muitas respostas e que, com essa atitude, impactaram no sentido da autonomia do estudante. No estudo remoto, é vital que a autonomia se estabeleça para a busca de elementos propiciadores da pesquisa científica.

A autonomia deve estar atrelada ao comprometimento dos distintos agentes educacionais, caracterizados pelos diversos atores da aprendizagem: professores, estudantes, familiares… Nesse momento, é importante pensar que deveremos ter o relevante papel da família, pois a identificação presencial com o ambiente escolar não está ocorrendo.

Todo contexto apresentado anteriormente é um catalisador à evasão. Tem-se percebido um grande e crescente número de estudantes que, diante das dificuldades existentes e aguçadas pela pandemia, acabaram por abandonar seus estudos.”

Em relação a esse ponto, o professor Claudius pensa “que muitas das dificuldades encontradas pelos estudantes para realizarem as tarefas remotas estão relacionadas ao fato de as instituições de ensino não terem investido, antes da pandemia, em desenvolver a autonomia. Muitos educadores começaram a exigir algo que nunca foi ensinado. Ou seja, percebemos a importância de ter um espaço nas nossas aulas para desenvolvermos a autonomia dos alunos.

Neste momento pandêmico, as pesquisas científicas foram bastante prejudicadas, principalmente aquelas que envolviam o uso de laboratórios para realizar experimentos. Além disso, os encontros presenciais com os professores orientadores, que é essencial na condução de um projeto, passaram a ser realizados remotamente. Entretanto, particularmente, percebi que as revisões bibliográficas foram mais qualificadas nas pesquisas que orientei no último ano. Como os estudantes estavam mais em casa, acredito que tiveram um tempo maior para se dedicarem ao embasamento teórico dos projetos de pesquisa.

Percebo a evasão e o comprometimento escolar como problemas recorrentes no cenário educacional do Brasil. Devido à pandemia, essa realidade foi aprofundada, e a diferença socioeconômica do nosso país ficou ainda mais acentuada. Há muitos domicílios brasileiros que não possuem computador e acesso à internet. Vislumbro o agravamento de um problema pós-pandemia: a distorção entre série escolar e idade. O nosso desafio será imenso para minimizar essas questões.”

E, considerando a experiência vivida pelos profissionais da educação, durante este período em que o ensino se desenvolveu de forma remota e isolada, foi pedido a cada um deles que explicitasse a sua percepção em relação à prática docente e aos possíveis efeitos psíquicos gerados e que apresentasse a sua reflexão a respeito da maneira como essas questões podem vir a interferir no ambiente escolar, tendo em vista este novo tempo que está por vir: o pós-pandemia.

Para o professor Anderson, “é incontestável identificar os esforços dos docentes dos diversos níveis de educação, para dar conta dos novos formatos que o ensino remoto exigiu. Muitas tecnologias e ferramentas tecnológicas foram obrigatoriamente inseridas em suas práticas de ensino.

Como a interrupção do formato presencial foi realizada de forma emergencial, não houve o devido tempo para preparação e apropriação desses outros elementos necessários ao formato remoto. Isso acarretou muita angústia e ansiedade aos docentes.

Identificaram-se muitos profissionais da educação adoecendo emocionalmente, outros tantos com doenças físicas. O novo formato de educação, imposto pelo advento da covid-19, determinou que as tecnologias da informação e de comunicação, assim como as plataformas virtuais de aprendizagem, as redes sociais fossem vistas como propulsores da criação de novas e outras relações com a informação, com o espaço e com o tempo. Consequentemente tudo isso gerou muitas dúvidas e medos de muitos docentes.

Pois, nestes tempos de pandemia, mais do que nunca, a educação é convocada a se reinventar, a se singularizar. E obrigatoriamente os agentes da educação tiveram que buscar outras possibilidades de ensino e de estratégias de aprendizagem pela utilização das atuais tecnologias digitais e pela habitação nos ambientes virtuais de aprendizagem.

Neste momento, apontar como será o cenário educacional pós-pandemia seria um grande desafio, talvez acertemos, talvez não. Mas creio que o nosso mestre educador Paulo Freire nos sugira um importante modo de superarmos nossos medos e improváveis apontamentos: ‘Ensinando, descobri que era capaz de ensinar e que gostava muito disso. Comecei a sonhar cada vez mais em ser um professor. Aprendi como ensinar, na medida em que mais amava ensinar e mais estudava a respeito’ (FREIRE e SHOR, 1986, p. 38).

Creiamos na percepção humana e educacional de Paulo Freire. Somente assim conseguiremos transpor muitas das dificuldades apresentadas neste momento histórico tão obscuro da humanidade, com a certeza de que sairemos mais fortes, mais humanos, criativos e convictos de ESPERANÇAR sempre.

Já o entendimento do professor Claudius sobre essas questões é o seguinte: “presumo que sofreremos com a ansiedade da volta. Após tanto tempo longe presencialmente do ambiente escolar, como retornar ao convívio diário? O reencontro presencial com os colegas e os estudantes em sala de aula será igual aos dos velhos tempos? Ou surgirá um estranhamento? Penso que retomar as interações no ambiente escolar não será fácil. Não me vejo capaz de dizer como retomaremos as conexões sociais nas escolas tão fragilizadas pelo distanciamento ou reconstruídas pela utilização de recursos digitais como a única forma de manter vínculos com os alunos e os colegas. Como esperança, sabemos que uma das particularidades mais encantadoras do cérebro é a sua capacidade de se remodelar a partir das dificuldades encontradas. Os nossos cérebros aprendem e se adaptam. Acredito que esta habilidade será um ponto positivo no processo de regresso às instituições de ensino e na vida normal, ou quase normal.”

Enfim, os relatos de experiências aqui apresentados foram extremamente apropriados, substanciais e motivadores, pois, apoiados na esperança, acenaram a importância de se acreditar em dias melhores, a partir do enfrentamento de desafios imprevistos. Por isso, é importante estimular dinâmicas como essa realizada pelo Eixo Educação (Núcleo), pois movimentam o ambiente escolar, oportunizando aprendizagens diversas e favorecendo uma ampla capacitação aos envolvidos, que, através do seu fazer pedagógico, procurarão transformar e qualificar a educação.

Ana Izabel dos Santos Fernandes e Rogéria Silveira Pacheco 
Professoras na Fundação Liberato e Coordenadoras do Eixo Educação

Referência:
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

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