Nietzsche é um dos filósofos mais instigantes e envolventes da História da Filosofia. Autor de um pensamento sagaz e ousado e crítico indelével da modernidade, amiúde o estudo de suas ideias é aguardado com anseio pelos alunos de 4º ano. Em suas reflexões filosóficas, a arte é um dos temas centrais que aparece desde sua primeira grande obra, O nascimento da tragédia, até seus últimos escritos. Sob a perspectiva nietzscheana, a arte é uma das alternativas para sairmos do niilismo que nos leva a querer o nada, significando e dignificando a vida. Assim, haveria um nexo entre a simbolização das formas artísticas e a potência da vida que está na vontade. “Nós temos a arte a fim de não morrer de verdade”, escreveu o filósofo em seus Fragmentos póstumos.
A importância da arte na obra de Nietzsche levou-me, desde 2020, a buscar desenvolver alguma atividade em que os alunos pudessem utilizar de linguagens mais criativas para elaborarem seus conhecimentos e expressarem suas impressões quanto às ideias do autor. Antes do início da pandemia, a intenção era realizar um sarau com trabalhos produzidos em grupos. No entanto, a entrada na quarentena e as dificuldades encontradas durante as primeiras semanas de trabalho remoto exigiram adequações que refrearam parcialmente essa iniciativa.
Já em 2021, o ingresso dos bolsistas do Programa de Iniciação à Docência no Subprojeto de História, Ciências Sociais e Filosofia, injetou novo ânimo para alcançarmos uma proposta de sarau, adaptada às possibilidades de produção, divulgação e avaliação em formato virtual. Lancei aos bolsistas o desafio de que aprimorassem a proposta iniciada em 2020, com ideias sobre como os trabalhos poderiam ser publicizados, visualizados e avaliados pelos colegas.
Após alguns encontros semanais de discussão, ganhou força a ideia de criarmos um site para cada turma, no qual seriam hospedados os trabalhos de todos os grupos. Além disso, pensou-se na criação de um formulário de avaliação, a ser preenchido por cada um dos alunos, como forma de encorajar a “visitação” das produções e de valorizar esta participação na composição da nota final de avaliação. Essas propostas também tinham como pano de fundo a incorporação e o aproveitamento de recursos tecnológicos que hoje fazem parte da educação remota e cujo uso é encorajado pela BNCC.
Ao detalhamento da atividade proposta aos estudantes, seguiu-se a demanda bastante exaustiva de criação e edição dos sites e alocação dos trabalhos nas plataformas de cada turma. Esse trabalho foi um importante eixo de formação para os bolsistas, uma vez que não era tarefa a que estavam habituados. Nesse sentido, o esforço de aprendizagem e de manejo dos trabalhos mobilizou-os para o trabalho criativo conjunto, qualificando o vínculo de grupo e aproximando-os do fazer docente e de práticas pedagógicas diferenciadas.
Os trabalhos foram entregues nos mais diferentes formatos (poemas, esquetes, paródias, desenhos, memes, batalhas de rap, vídeo animado, arte visual, etc.) atendendo às instruções que deixavam a opção pelo modo de apresentação bastante livre, desde que os grupos representassem algo do pensamento de Nietzsche artisticamente. Observou-se que as produções utilizaram-se de diversas ferramentas digitais, manuais e de encenação, que possibilitaram que cada grupo encontrasse a melhor forma de explorar e desenvolver suas potencialidades criativas.
A busca de cada grupo para externalizar as ideias de Nietzsche através da arte mostra-nos que a sala de aula, mesmo de forma remota, torna-se um espaço de criação e imaginação, em que o aluno pode utilizar recursos necessários para que haja não só uma compreensão dos conteúdos propostos mas também dinamicidade e integração.
O formulário de avaliação desenvolvido pelos bolsistas continha questões irreverentes e bem-humoradas que buscavam aproximação com o linguajar utilizado pelos jovens em redes sociais. Uma delas, por exemplo, fazia relação entre a qualidade do trabalho e as reações dos usuários do twitter: “ignorar”, “curtir”, “retwittar”, “curtir + retwittar”, ou “retwittar com comentário”, foram assumidas como gradações de avaliação bastante descontraídas.
O instrumento também contemplava espaços onde cada aluno podia registrar sugestões e elogios aos integrantes dos demais grupos e à atividade como um todo, em cada uma de suas etapas. O retorno obtido junto aos estudantes foi muito positivo e numerosas foram as manifestações enaltecendo a dinâmica e o valor de trabalhos de criação livre, assim como a necessidade de ocorrerem com maior frequência.
Num contexto que impõe inúmeras restrições às nossas possibilidades de interação, pensar e realizar atividades pedagógicas artísticas e culturais constitui um grande desafio e ao mesmo um imperativo da sensibilidade subtraída pelo distanciamento social. No caso que aqui relatamos, a superação deste desafio foi duplamente compensatória, na medida em que oportunizou o engajamento e o esforço colaborativo dos bolsistas de um lado e o envolvimento criativo e entusiasmado dos estudantes de outro.
Deise Gabriela Bays
Professora da Fundação Liberato
Colaboração: bolsistas do Pibid Letícia Kayser e Lucas Rodrigues.