A borboleta – Resenha do filme: Para sempre Alice

O comovente filme Para sempre Alice (101 min.) é um drama estadunidense de 2014. Seu enredo tem como base o romance homônimo Still Alice (2007), de 288 páginas, da neurocientista Lisa Genova. No livro, a autora aborda o mal de Alzheimer de instalação precoce, a partir da história de sua avó que sofria da doença aos 80 anos. Nessa mesma perspectiva, tem-se o filme, cuja produção é escrita e dirigida pelo diretor britânico Wash Westmoreland, além do roteirista e cineasta americano Richard Glatzer. Eles escolheram Nova York para ser palco das gravações, porém a primeira aparição ao público só foi disponibilizada no Canadá, no Festival de Cinema de Toronto, em 08 de setembro de 2014.  

Em  2015, Julianne Moore, protagonista principal do filme, ganhou o Oscar de melhor atriz, interpretando Alice Howland. Alice foi descrita como uma profissional bem-sucedida, doutora em Linguística e professora da Universidade de Columbia (NY), local de referência na área dos estudos linguísticos. Já no início do filme, as cenas vividas por ela eram ricas em detalhes, o que proporciona ao espectador reconhecer o mal de Alzheimer que fora diagnosticado precocemente. Em nível molecular, a doença hereditária foi descrita como neurodegenerativa por apresentar perda de células nervosas e acúmulo da proteína beta-amiloide. Sua demência passou a interferir em atividades diárias que a levaram a  desequilíbrio psicológico e familiar. 

No início do filme, a pesquisadora foi apresentada à plateia de universitários como autora do livro “De neurônios a substantivos”.  Na sequência, ela relatou que as crianças, instintivamente, falam e entendem a língua materna, sem ajuda, apenas processando o léxico na memória. Seus estudos se voltaram à prática de verbos irregulares no passado em crianças de 8 meses a 2 anos e meio. É importante salientar que Alice mencionou que seus achados eram semelhantes aos que se encontravam no diário escrito por Charles Darwin, que analisou aspectos da fala de seu filho. 

Num determinado momento da palestra, percebeu que esquecera de uma palavra de seu discurso. Desde então, foram diversas falhas de memória, o que a fez procurar um neurologista. No consultório, todos os primeiros testes orais foram satisfatórios, em relação à memória de curto prazo, ou seja, memória sensorial (repetição das letras na forma direta) e memória de trabalho (inversão na forma indireta), cuja capacidade diminui com o tempo. Na sequência de consultas, com testes orais em declínio e com tomografias comprobatórias, veio o reconhecimento e diagnóstico do neurologista de que Alice tinha Alzheimer precoce, já que a falha de memória se apresentava aos 50 anos. Sendo assim, as mudanças passaram a ser percebidas por todos da família, pois não conseguia lembrar das palavras, nomes de pessoas à sua frente, lia várias vezes a mesma página, perdia-se na rua ou dentro da própria casa, além de ser indiferente a certos compromissos familiares. 

Diante desse diagnóstico, envergonhava-se por ter o transtorno e dizia que preferiria ter câncer a doença que se apresentava. Nesse sentido, não dispensava momentos de fala com sua filha mais nova para reafirmar um dos seus grandes sonhos: poder ver a filha Lydia (Kristen Stewart) estudar e se formar em um curso tradicional como Direito ou Medicina (a exemplo dos irmãos) e não mais continuar atuando nos palcos; ver crescer os netos gêmeos; tirar um sábado sabático com o marido, etc. 

No que diz respeito à vida familiar, ela era casada com John (Alec Baldwin), também professor universitário, e era mãe de duas filhas e um filho (todos eles adultos jovens). Lydia era a que mais a preocupava, pois trabalhava numa companhia de teatro em Los Angeles. Como parte do processo de desenvolvimento psicossocial dos adultos maduros, essa situação, frequentemente, era motivo de discussão ou aconselhamento, pois, segundo Alice, a filha não estava se preparando para ter uma profissão de “verdade”, que culminasse num trabalho estável. Nesse aspecto, diferente de seus dois irmãos, Kate Bosword (Ana) e Hunter Parrish (Tom), Lydia dependia do pai que a ajudava financeiramente. 

Diante da tal situação e diagnóstico, a vida de Alice passava por períodos de instabilidade. Se, de um lado, a vida de mãe, esposa, professora universitária e pesquisadora de sucesso ia se perdendo; por outro, o seu “eu” era impulsionado a tomar todas as pílulas que foram reservadas anos atrás, em momentos de lucidez. Tal atitude tinha como objetivo buscar respostas cognitivas e, assim, amenizar a sua deterioração que paulatinamente se aproximava. Esse processo de negação, na visão de pesquisadores do desenvolvimento humano, pode ser tornar um confronto difícil, quando ela não puder ser mais ignorada. 

Para driblar tal fato, era emergente a busca de um self verdadeiro por meio de equilíbrio (individuação), característico na meia-idade. Passou, então, a usar a tecnologia como sua aliada, para lembrar dos seus horários e compromissos, bem como jogos mnemônicos, quebra-cabeça e outros. Nesse processo, necessário para manter a continuidade do self, os estudiosos acrescentam que Alice buscou interação com o ambiente, através de um ajuste no esquema existente (acomodação da identidade), para se adequar às novas experiências de perda de memória. 

Na sequência das dificuldades, embora no filme apareça que todos eram compreensíveis, havia uma dura realidade. Com seu marido em novo emprego em Minnesota, sua filha Lydia (mais nova) deixou seu sonho de atuar nos palcos na Califórnia e voltou para Nova York para cuidar da mãe. Nesse momento, pode-se refletir sobre a responsabilização de cuidados com os idosos que ficam a cargo das mulheres e não dos homens. Pesquisadores afirmam que essa é, normalmente, uma função feminina no mundo inteiro e que, quando uma mãe fica doente e não pode mais cuidar de si, é mais provável que uma filha assuma o papel de cuidadora. 

Em síntese, o filme Para sempre Alice aborda o mal de Alzheimer como um problema degenerativo que afetou Alice aos 50 anos, no auge de sua carreira profissional. Mesmo pronta para a melhor produção de sua inteligência cristalizada, Alice não foi poupada pela doença que avançou sem piedade. Sem caminhos para a fuga no seu mundo de sofrimento metamórfico, os últimos momentos do filme foram marcados por total dependência de cuidados. Tudo isso apresentado de forma clara e objetiva pelos cineastas que tiveram a sensibilidade de trazer à tela dos cinemas muito mais do que apenas um assunto que fatalmente pode ser vivido por qualquer família. Eles puderam ensinar e chamar a atenção sobre a enfermidade, ao trazerem evidências científicas do que representa uma das doenças terminais mais comuns e mais temidas entre as pessoas idosas. 

Consequentemente, em vários momentos do filme, os espectadores podem perceber e refletir sobre a complexidade da doença e sobre os efeitos que se manifestam com visíveis mudanças de humor, inquietudes, angústias, superações e resiliências, diante de tantas perdas degenerativas da protagonista. No mínimo, o filme instiga à introspecção de quanto a demência precoce é capaz de desestabilizar toda a cognição em plena adultez intermediária (40 – 60 anos), além da família inteira; de quando e quem nos assistirá, se, por ventura, houver silêncio das nossas asas na interminável escuridão desse mal. Certamente, tarefa árdua para todos da família que estarão imbuídos em desgaste emocional e psicológico inevitável. 

PARA sempre Alice. Direção: Wash Westmoreland; Richard Glatzer. Produção de  Marie Savare de Laitre. Estados Unidos: Sony Pictures Classic, 2015. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=l2FkQyxJEjg. Acesso em: 22.04.2023.

Elizabete Kuczynski Nunes Professora da Fundação Liberato

Elizabete Kuczynski Nunes Professora da Fundação Liberato

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