Uma entrevista com o psicólogo César Leonardo Karnal
A conferência de abertura do 30º Seminário Internacional de Educação Tecnológica (SIET), em 2023, contou com a participação do psicólogo César Leonardo Karnal, que proferiu a palestra “Os desafios da carreira no século 21”. Nesta entrevista concedida à Expressão Digital, Karnal responde a algumas questões relacionadas às reflexões propostas em sua palestra.
Entrevistado:
César Leonardo Karnal é graduado em Psicologia e mestre em Psicologia Clínica (Universidade do Vale do Rio dos Sinos / Unisinos). É professor em curso de MBA de Gestão de Pessoas (Universidade La Salle – Unilasalle). Desde 1987, atua como psicólogo na área de orientação para escolha profissional. É cofundador da empresa de consultoria Carreiras Karnal & Linden, na qual oferece mentoria para planejamento de carreira.
Entrevistador:
Elenilto Saldanha Damasceno, professor da Fundação Liberato, jornalista (DRT 2099/95) e editor da Expressão Digital.
ED: Em sua opinião, quais são os principais desafios atuais no mundo do trabalho, neste século marcado pelo advento constante e cada vez mais acelerado de inovações tecnológicas?
Há características bem acentuadas no mundo do trabalho no século 21. Em primeiro lugar, não há mais separação de vida pessoal e vida profissional. Estamos em casa e continuamos trabalhando, seja respondendo whats ou e-mails. No trabalho, estamos fazendo coisas pessoais, como pagar contas ou falar com a família, por exemplo. A tecnologia melhorou muito a nossa vida, mas também nos ajuda a perder foco. Dificilmente estamos de corpo e alma no que estamos fazendo. Também com isso, acentua-se a questão do imediatismo. Queremos resolver tudo para ontem, e nem sempre é possível.
ED: De que modo o surgimento de tantas inovações tecnológicas, entre as quais se destaca, atualmente, a Inteligência Artificial (IA), influenciará o futuro das profissões?
A IA irá ajudar muito as pessoas no dia a dia. Historicamente, estamos desenvolvendo diariamente processos para facilitar a nossa vida, com menos esforço físico. De tempos em tempos, algumas profissões vão ganhando mais importância, e outras vão sendo deixadas de lado. Sempre foi assim. Talvez o que mais assuste agora é que isso acontece com uma rapidez muito maior. Quando foi inventada a máquina a vapor, o medo do desemprego ficou muito forte. Aos poucos, a sociedade vai incorporando esses novos modelos. Na década de 1980, o sonho de muitos brasileiros era fazer concurso para o Banco do Brasil. De lá para cá, muitas coisas mudaram. Os bancários, de modo geral, foram a categoria profissional que mais perdeu postos de trabalho e, hoje em dia, o perfil do bancário é muito mais de vendedor do que nos anos anteriores. A solução não é negar a tecnologia, mas sempre utilizá-la a nosso favor.
ED: Ao considerar a gestão do trabalho, a escolha profissional e o planejamento de desenvolvimento de carreira nesse contexto, quais acreditas que serão as principais características para um bom perfil profissional nas próximas décadas?
Como a sociedade mudou muito, o mundo do trabalho também foi afetado diretamente por essas mudanças. Hoje em dia, conversando com alunos e gestores de empresas, a maior dificuldade é a questão de lidar com pessoas. Não que a parte técnica não seja importante, mas as pessoas são a parte chave das empresas. Como contratar bem os profissionais, como manter talentos dentro das organizações, como estimular a equipe a ser produtiva, como gerenciar as diferenças geracionais são desafios atuais dentro das empresas. Cada vez mais, a nossa carreira depende do protagonismo de cada um e a nossa caminhada profissional não é mais linear. Hoje, é mais difícil encontrar profissionais que estão desde o início da vida profissional na mesma instituição.
ED: Em contextos de trabalho fortemente regulados por indicadores de desempenho e de produtividade, quais são teus conselhos para o estabelecimento de equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
Pelo que observo pela minha experiência de mais de 30 anos escutando e ajudando pessoas a pensarem sobre a sua carreira e a buscarem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, hoje os colaboradores não querem aguardar a aposentadoria para serem felizes. As pessoas continuam trabalhando muito hoje em dia, mas querem ter tempo para a família, fazer academia, estudar e lazer. Há diversos estudos que correlacionam esse equilíbrio de vida pessoal e trabalho como indicador de saúde mental. A sobrecarga de trabalho e o trabalho sem sentido estão adoecendo as pessoas. Não é a quantidade de horas no trabalho que indica que elas são produtivas. Há alguns experimentos, em países como a Finlândia, que estão, aos poucos, adotando semana de quatro dias de trabalho, em que se observa que a produtividade aumentou. Não significa que isso vai funcionar em todos os lugares, mas é algo para se pensar.
ED: A partir da pandemia de covid-19, as atividades profissionais híbridas (presenciais e virtuais) passaram a se desenvolver mais acentuadamente em nosso país. Como avalias o futuro do trabalho nesse aspecto? Quais são as vantagens e/ou desvantagens dessa transformação?
A pandemia chegou forte e sem avisar muito as pessoas. Em um curto espaço de tempo, tivemos que nos reinventar em todas as áreas, tanto no trabalho como na forma de educar, de consumir produtos e serviços, entre outros aspectos. O sonho de muitos, antes da pandemia, era trabalhar em casa, seja pelo trânsito ou pelo conforto. Veio a pandemia e nos mostrou que o sonho tinha alguns problemas. Muitos não tinham uma internet de qualidade, um computador viável para executar a atividade profissional e um espaço adequado em casa para trabalhar. Quando a pandemia começou a dar tréguas, muitos colaboradores não quiseram mais voltar ao trabalho em tempo integral na empresa. Isso foi e continua sendo avaliado pelas empresas. Muitos optaram por um trabalho híbrido (dois dias em casa e três na empresa, por exemplo). As pessoas também relataram um aumento de ansiedade e depressão por não estarem conversando e trabalhando presencialmente com os colegas. Toda a decisão vai implicar ganhos e perdas. O ideal é pensar em soluções que sejam coerentes com os valores das pessoas e com o jeito da empresa. Acredito que ainda estamos em um período de avaliação e de busca de soluções para cada caso.
ED: O planejamento profissional para o século 21 é um tema atual e importante. Na sua opinião, nas décadas futuras, também haverá espaço para planejamento de aposentadoria e bem-estar pessoal e social após a vida laboral?
A escolha profissional e o planejamento de carreira são momentos de crise para as pessoas. Crise não significa algo necessariamente ruim, mas um momento de avaliação. Como não temos mais carreiras tão lineares e a sociedade muda com uma velocidade acelerada, precisamos avaliar a nossa trajetória profissional de tempos em tempos. A aposentadoria também é um momento de crise. As pessoas não se preparam para ela. Alguns têm uma previdência privada, por exemplo, mas isso é uma preocupação financeira. Mas a questão é: como irei administrar o meu tempo? Qual meu projeto de vida para a aposentadoria? Qual o meu propósito daqui para frente?
Acredito que estamos começando a pensar nessas questões. Estamos tímidos ainda, mas como estamos vivendo mais tempo e, geralmente, com uma melhor saúde, temos que pensar, durante a nossa vida profissional ativa, no que vamos fazer quando estivermos aposentados. Dedicar um tempo para avaliação da nossa carreira é fundamental, assim como dedicar um tempo para pensar na aposentadoria.