Entrevistas

 

Para celebrar os 20 anos de participação da Fundação Liberato e da MOSTRATEC na International Science and Engeneering Fair (ISEF), considerada a maior feira de jovens cientistas pré-universitários do mundo, a equipe da Revista Expressão Digital foi buscar os relatos de algumas personalidades diretamente envolvidas nas primeiras participações.

Coordenador do Laboratório de Design e Seleção dos Materiais (LdSM/UFRGS), o professor Wilson Kindlein Jr., Pós-Doutor em Design Industrial (França), orientou o projeto “Utilização da Fibra da Bananeira na Área Automobilística”, que participou da ISEF em 1993. No ano seguinte, foi a vez da “Furadeira de Circuito Impresso CNC”, desenvolvida pelos alunos Gustavo Freitas, Edson Pereira, Jéferson Adriano da Costa e Luciano Schmidt. Atualmente, Gustavo, Edson e Jéferson atuam na Tecnodrill, empresa de automação mecânica e eletrônica da qual são fundadores.  Alexandre José Macedo, aluno participante da MOSTRATEC 1993 e 1994 e da ISEF 1995 (com o, então colega, Cristiano Krug), atualmente é professor Universitário e mantém vínculo permanente com sua ex-escola, como membro do corpo editorial da Revista Liberato.

A importância de participar de pesquisas em todos os níveis de ensino, a multidisciplinaridade como forma de empreendedorismo, o reconhecimento que fica pelos professores e pela Escola, a simplicidade de observar mais de perto até a asa de uma borboleta… Eis um pouco do que foi registrado pela equipe da Expressão Digital, que contou com a participação dos professores Irineu Ronconi Jr, Ramon Hans, Carmem Beltrame, Mirella Stoll, André Viegas e Leori Tartari – que também ficou encarregado pela captação dos sons, imagens e lembranças resgatados.

 

WILSON KINDLEIN JR.

WILSON KINDLEIN JR.

 

Bate-pronto

Você não consolida nada se não repete. Inovação é uma palavra muito desgastada. Eu falo muito em repetição. “Para mudar, é necessário permanecer”. Eu sempre tenho essa frase comigo.

Não dá pra fazer milhares de coisas diferentes ao mesmo tempo. Senão, você não aprofunda nada, você só navega, você não mergulha.

amareladaHoje o conhecimento é muito volátil, é muito rápido e muito denso! 95% das “coisas” que a gente vai consumir daqui a 5 ou 6 anos, tem gente que diz que não foram sequer inventados. Então, eu acho que os bons professores, os bons pesquisadores e que a gente vê que realmente vão pra frente, são aqueles que não ensinam sobre o que sabem, ensinam sobre o que pesquisam. É diferente. Então, a folha não fica tão amarelada. Essas folhas aqui (registros dos projetos e anotações de quando Kindlein lecionava na Liberato) até estão amareladas, porque faz 20 anos que eu guardei para uma ocasião como essa.

Formar técnicos, engenheiros, mestres de design sem Laboratórios é como querer formar médicos sem Hospital de Clínicas. Não existe! A própria sala de aula hoje, no meu entendimento, como ela é descrita, aquela classe com “os caras sentados”, ela está totalmente morta. Se uma pessoa de 300 anos atrás chegasse aqui e sentasse em algum lugar, o lugar em que ela se sentiria mais em casa seria uma sala de aula.

Eu já orientei, mais de 130 pessoas e por volta de 100 são professores hoje! A ideia é passar esse conceito de ajuda mútua, de interação, de participação, de construção do conhecimento conjunto.

Eu acho legal a popularização da ciência. Mas não adianta chegar qualquer um e fazer. Ninguém vai usar um sofá com garrafas de PET em casa, se não estiver esteticamente bem resolvido.

É fundamental também dar bolsas para os alunos das escolas de Ensino Médio e Fundamental. Mas encontram-se dificuldades. Não são todos os professores que estão a fim de fazer, e o aluno por si não chega nesse nível de ele mesmo ir buscar. Então, a minha ideia é que tem que haver professores que façam essa ponte.

Quando vou até a CAPES, tenho levado seguidamente ideias, por exemplo, a de trabalhar a Matemática e a Biologia juntas, porque na matemática da vida, que é a biônica, de certa forma, sempre se veem as relações de estética na natureza (número de ouro, etc). Então, eu acho fundamental isso, mas temos que ter professores dispostos a fazer.

Eu acho que esse movimento é que tem que ser incentivado, e aí o aluno se beneficia e o aluno tem que ter essa consciência também de que ele tem que fazer por si e estar envolvido nos projetos pedagógicos.

Fonte: Arquivos do entrevistado.

Fonte: Arquivos do entrevistado.

Sobre as práticas pedagógicas na escola, o tempo na Liberato e a experiência na ISEF…

No Curso Técnico de Mecânica, trabalhávamos com materiais alternativos, chuveiro de resina transparente, etc. Pedíamos sempre para fazer uma análise do material, o que iria ser usado, os corpos de prova (ex.: cascas de arroz, escória de primeira fusão, etc.), tudo pra fazer inclusive a matriz. A ideia era mostrar que a Mecânica não se resumia só a uma recartilha, ou só a uma usinagem e um fresamento muito específico. No trabalho dos materiais automotivos, tem vários exemplos; fazíamos resina do poliéster e fibra de vidro, às vezes, só resina de poliéster. Então, tinha que usinar, tinha que polir, usar todos os processos dentro da Mecânica. Foram conceitos fundamentais que permitiram isso, e reconheço realmente, que, se os alunos não tivessem esses conceitos, eles não teriam como fazer isso.

Para representar a fibra de banana, nós fizemos um caminhãozinho que tinha o detalhe das fibras, e daí testávamos resistência, pressão, flexão… Usavam-se os conceitos da Mecânica pra dizer que aquilo era viável ou era possível.

A oportunidade da ISEF [44ª ISEF, em Bilóxi, Mississipi] fez com que reforçasse o trabalho dentro da Fundação Liberato. Evidentemente, porque isso também permitiu que os alunos tivessem um objetivo maior, que seria participar dessas feiras.  Eu acho que deve ser assim até hoje, a vontade muito grande de ir às feiras e fazer os trabalhos. Um pouco antes já tinha um embrião do Uruguai – FEINTER, em Artigas [7ª FEINTER – Feira Internacional de Ciência e Tecnologia Juvenil] – onde o projeto da Fibra da Bananeira foi premiado para a ISEF. A ida à ISEF foi o estopim da internacionalização, vamos dizer assim, da Liberato. Foi uma abertura para o mundo. Nessa ocasião, nós fomos até a NASA, vimos um teste de um foguete, propulsão, foi muito legal. (Aqui tenho as fichas que nós tivemos que preencher lá na “primeira” ISEF, também as instruções para os finalistas e tudo…).

Aqui tenho o material da Orientação Educacional: “Qualidades do líder democrático”. Eu tinha pego as definições da escola pra ver se eu estava me adaptando ao que a escola queria. E aqui no laboratório [UFRGS] a gente aplica de certa forma o mesmo método, evidentemente com profundidades diferentes. Mas o método é o mesmo. Eu diria que esse texto aqui da “ajuda mútua, participação” isso não mudou até hoje.

Bom, acredito que essa tenha sido a contribuição que eu deixei lá… Depois a vida deu outros caminhos, mas eu tenho realmente um carinho pela Liberato. Durante todo o tempo em que eu fiquei lá, o pessoal foi muito bacana, fiz boas amizades. A gente não se vê muito, mas parece que foi ontem que a gente estava lá trabalhando.

Carochinhas no microscópio

Aqui mesmo no laboratório [Laboratório de Seleção dos Materiais, UFRGS], nós colocamos até uma joaninha, uma carochinha no microscópio.  Isso se chama biônica! Nós estamos olhando microscopia eletrônica da asa de uma borboleta, entendendo como é a asa da borboleta, para depois poder usar esses conceitos, cortando a laser, verificando os padrões de repetição, como é que isso funciona para a borboleta poder voar. Não só isso, existem borboletas azuis que não têm corantes. É a própria distância entre as microcavidades, que, quando incide a luz branca, ela permite passar só a luz azul. Então, o comprimento de onda do azul é que é emitido.  Estamos estudando nesse nível. Por que isso é importante? De repente, pode-se desenvolver um cartaz que não leve corante, só a tratativa da superfície do material, com nanomateriais, com nanopartículas, com nanocápsulas…

Pesquisadores estão trabalhando com morfologia de borboleta e tentando verificar o espaçamento entre asas. Eu faço parte de comitês editoriais de jornais internacionais, como o “Journal of Bionic Engineering”. Mas resistência, a gente enfrenta. Quando dá errado, a gente sofre também porque o pessoal diz: “Ó, viu, eu disse…”.  Até quando acontecem as publicações, daí o pessoal se convence (risos).

 

Fonte: Arquivos do entrevistado.

Fonte: Arquivos do entrevistado.

Inovação, consolidação e honestidade na pesquisa

Todo mundo fala em inovação. Bom, sinceramente, se nós formos pegar todos os artigos que estão saindo em congressos, o mundo está resolvido. Porque todo mundo diz que seu trabalho é bom, que o seu trabalho resolve o problema do mundo, que a sustentabilidade que ele fez vai resolver todos os problemas. Não é assim! Isso é uma das coisas pela qual eu mais batalho aqui: faz e diz a que conclusão que realmente tu chegaste.

Eu fiz o meu doutorado em diamantes sintéticos, na área de Física de Altas Pressões. Fiz um estudo bem pesado para chegar à conclusão de que, se o Brasil quiser começar a fazer diamante sintético, não pode ser pela técnica que eu estudei, porque é muito difícil. Essa é a conclusão do meu trabalho. Pô!, estudei seis anos pra dizer que a técnica que eu pesquisei não dá pra fazer aqui no Brasil, porque não tem matéria-prima adequada. Então, começa numa tecnologia russa, que é um pouco mais simples, e obtém diamantes mais freáveis, pra fazer ferramentas também mais freáveis, e não ferramentas para acabamento. Mas a conclusão do trabalho é que é possível obter diamantes de boa qualidade, mas não dá para fazer comercialmente aqui no Brasil, usando a tecnologia estudada (Belt), com as condições atuais.

Hoje a gente quer que tudo dê certo, e não é assim!  O trabalho de uma pesquisa tem a famosa tentativa e erro. Eu acho que a gente tem que ser muito honesto, e ter aquela capacidade científica para dizer que o resultado encontrado não é o melhor nesse momento, com as condições usadas. Aqui os resultados vêm com 4, 5, 6 anos de trabalho. Não é plantar alface para um mês depois estar colhendo.

 

Entre os alunos e a pesquisa nos anos 90 e nas primeiras décadas do século XXI, o que muda, o que se mantém…

A internet e a disponibilidade de informação têm o lado bom e o lado ruim. O lado bom é que se tem acesso à informação. Nós temos aqui na UFRGS acesso ao Science Direct, a três mil revistas…  Você baixa para o computador o que quiser, com palavras-chave. É muito, muito bom esse sistema. Mas se você não sabe usar, é péssimo, muito ruim, pois gera uma possibilidade de amplitude das relações que, muitas vezes, faz perder o foco. E você mistura dois lados de uma balança completamente diferente: o cara que quer trabalhar e o cara que não quer fazer nada, e, às vezes, estão no mesmo grupo. E tem muitos alunos que acham que a coisa é mais fácil…

Eu acho que os alunos bons daquela época sempre serão bons, e os maus alunos sempre vão ser maus alunos. E hoje tem maus alunos e bons alunos também e não mudou essa relação.

…acredito que o que se mantém é que quem tem iniciativa tem, e quem não tem, não tem! (risos)

 

JÉFERSON ADRIANO DA COSTA

JÉFERSON ADRIANO DA COSTA

Tínhamos 17 anos, quando participamos da MOSTRATEC e fomos premiados. Até aquele ano, a MOSTRATEC, para nós, era “um trabalhinho que tinha que fazer para ganhar uma nota” e fizemos uma coisa inédita naquele ano: juntamos pessoas que não se conheciam. E começamos a trabalhar numa equipe que não era aquela de sala de aula, era uma equipe multidisciplinar que a gente não conhecia, com dois professores orientadores, um da Eletrônica e um da Mecânica, que a gente não sabe se se conheciam. A gente desenvolveu um equipamento na época que não existia aqui na região. Fomos premiados, participamos de uma feira em Porto Alegre [VIII FEINTER – Feira Internacional de Ciência e Tecnologia Juvenil, 1993], nível América Latina. No final da feira, veio um americano que falou: vocês vão participar da ISEF nos EUA. A partir daquele momento, a gente começou a levar mais a sério e, depois da feira, montou uma empresa.

Isso já faz quase 20 anos. Hoje, depois de quase duas décadas, temos clientes importantes no Brasil e já exportamos equipamentos. Já vendemos equipamentos para a USP, para o ITA, para muitas universidades, como UNICAMP e empresas, como a EMBRAER, que, no Brasil, têm bases tecnológicas.

O mercado pede empresas de base tecnológica e não acha. Vou dar um exemplo do que aconteceu há 2 anos atrás. O Brasil resolveu comprar helicópteros da França; então, a França teve que fazer transferência de tecnologia para o Brasil. A Tecnodrill foi escolhida – apesar de a gente não conhecer ninguém na Helibras, que é a empresa que fabrica os helicópteros, fomos convidados a participar desse processo. Então, os franceses nos deram treinamento desses equipamentos, junto com o pessoal do Brasil, porque eles sentiram que, na época, a Helibras não tinha pessoas capacitadas dentro da própria empresa nacional a desenvolver os helicópteros.

 

GUSTAVO FREITAS

GUSTAVO FREITAS

Nós fomos o primeiro projeto incubado na Liberato. Um projeto de base em inovação e tecnologia tem que estar próximo de um centro de informação e de desenvolvimento dessa tecnologia, e nada melhor do que escolas técnicas e universidades para fazer isso.

Hoje em dia, existe internet, tem muito acesso sentado no computador, mas a não ser que tu tenhas um negócio de web, o resto tu tens que correr atrás. Isso veio do DNA da Liberato, que é justamente quando a gente estava aqui pra construir uma máquina que não existia, e obviamente sem recurso, cada um saiu correndo e buscando doação pra cá, doação pra lá, indo em ferro velho buscar peça, montando e dando errado e fazendo de novo. E isso é uma coisa que a pessoa adquire: essa prática de fazer, que a gente tenta levar hoje e passar para os nossos funcionários, de que é assim que se desenvolve tecnologia. Nós não somos uma empresa que simplesmente compra um monte de produtos, junta e sai funcionando. A gente pesquisa, a gente vai atrás, a gente cria muita coisa e isso talvez seja o nosso principal diferencial, que é o diferencial que veio daqui, que veio da Liberato, que veio dos laboratórios. É a questão do faça você mesmo, do ter que fazer pra aprender e não comprar alguma coisa pronta e mandar alguém fazer.  Na feira nos EUA, quando a gente chegou lá, percebemos uma diferença muito clara: nós fizemos aquelas peças que estavam naquela máquina! Em contrapartida, a gente conversava com os outros expositores e eles só tiveram a ideia.  Alguém fez pra eles.

Quando a gente foi vender a nossa primeira máquina para a Embraer, quem atendeu o telefone fui  eu e a abordagem que a gente teve […] aquela frase eu nunca mais vou me esquecer: “Olha, eu estou ligando para vocês porque me disseram que vocês fazem as coisas que os outros não fazem!”

Nós, da Tecnodrill, recebemos o convite e há três anos estamos participando de um programa pago pela Petrobras para desenvolvimento de fornecedor local.  O Estado do Rio Grande do Sul é responsável por apenas 5% do fornecimento da Petrobras, e eles querem aumentar essa fatia porque entendem que o Estado tem um viés de profissionais de boa qualidade, de boa base tecnológica. Então, nesse programa, a gente recebeu uma série de capacitações da própria Petrobras; a ISO 9000, que obtivemos no início deste ano, foi toda ela proporcionada por esse programa da Petrobras, que está desenvolvendo mais umas 30, 40 empresas do Estado.

Tivemos grandes professores aqui dentro da Liberato, não só do ponto de vista acadêmico, mas do ponto de vista de formação humana, formação de cidadãos. Ensinamentos para a vida.

 

EDSON PEREIRA

EDSON PEREIRA

Depois que eu me formei aqui na Liberato, eu e o Gustavo entramos juntos na Engenharia de Materiais na UFRGS.  Até eu me lembro quando soubemos que passamos. Estávamos na Incubadora aqui na escola ainda. Nossa, foi uma festa! Então, na faculdade , a gente vê a credibilidade que tem o ensino da Liberato.

A Liberato está no nosso DNA.  Aquela coisa de correr atrás. Ter um desafio e correr atrás. Isso aí, eu vejo porque eu trabalho aqui na escola, então, eu vejo o pessoal correr atrás, fazer o que a gente fez, gerar conhecimento, procurar saber como são as coisas.  E, às vezes, a gurizada está meio devagar. A gente aproveitou essa oportunidade que a gente teve e foi difícil, não foi fácil! Mas a gente aprendeu muito, aprendeu demais com isso. Os métodos que a gente utilizava quando estava fazendo o projeto, a gente usa na empresa hoje e ensina para os jovens estagiários como tem que ser.

 

ALEXANDRE MACEDO

ALEXANDRE MACEDO

Oi, eu sou o Alexandre Macedo e participei, ao longo do meu curso de Química, aqui na Liberato, de três edições da MOSTRATEC, sempre com o mesmo projeto. A cada ano, fomos desenvolvendo novas atividades, novos resultados, que, então, culminou na nossa participação, no ano de 1995, na ISEF, que foi realizada no Canadá naquela ocasião. O projeto, essencialmente, era o aproveitamento de um resíduo industrial, gerado pela indústria da produção do sulfato de alumínio que incorporamos a uma formulação de borracha, para a fabricação de solados. Durante o meu curso técnico de Química, fiz estágio na indústria, e sempre na indústria de solados. Assim, eu tinha um pouquinho de noção de como eram as coisas nessa indústria e, então, fui associando, fui conversando com o grupo e aí surgiu, no primeiro momento, o Cristiano Krug e, no segundo momento, antes da ISEF, o Felipe Sartor. Então, ao longo desses três anos, conseguimos desenvolver uma formulação. O suprassumo para nós foi calçar o sapato com o solado confeccionado a partir do nosso resíduo industrial. Isso daí já lá na ISEF.

Para um projeto desenvolvido em uma escola técnica… o trabalho talvez seja um dos mais gratificantes que eu tive até hoje na minha carreira.

 

Como se deu, dentro da sua trajetória de aluno pesquisador, no Ensino Médio, a definição para se tornar um professor, um multiplicador e, depois, um orientador de projetos de pesquisa?

Faz 25 anos que eu entrei num laboratório e sempre tive o pé muito dentro da indústria. Então, quando me formei em Química em 1999, e no ano 2000, falava-se muito que o mercado da Biotecnologia estava muito eminente e que faltavam químicos nesta área.

Como eu cheguei a ser professor? Foi por uma questão quase que de oportunidade, porque eu percebi que, realmente, faltavam químicos na área de Biotecnologia; então, como tinha a vontade de conhecer essa área, fiz meu mestrado. A partir daí, segui toda a minha carreira, vamos dizer assim, acadêmica fora da indústria já, mas com a vantagem de ter passado pela indústria eu diria, porque o que se aprende na indústria é essa “coisa mais aplicada”, visão que se deve manter, apesar das pesquisas básicas serem muito importantes.

Depois segui para o doutorado e, no meu retorno ao Brasil, surgiu a oportunidade de trabalhar na UFRGS, fiz o concurso e entrei. Estou extremamente realizado com o que eu faço e acho que a passagem pela indústria foi importante, mas acho que tinha que ser mesmo é o que eu sou hoje, é assim que me sinto realizado profissional e pessoalmente com tudo o que eu faço.

 

Que recado você deixaria para os jovens pesquisadores de Ensino Médio ou início de graduação, e para os professores?

Para os estudantes, eu vejo assim: não percam as oportunidades, pois elas, normalmente, não passam duas vezes. Se está parecendo que é bom, vai porque vai ser bom; se está parecendo que é ruim não vai porque, provavelmente, vai ser ruim mesmo. Além disso, sejam multidisciplinares, no sentido de conhecer todas as áreas que têm relação com o seu trabalho, conversem com as pessoas, não fiquem restritos a saber coisas muito detalhadas, muito específicas. Isso é muito importante hoje, e isso se vê até pelas agências de fomento no país que apoiam essencialmente projetos multidisciplinares.

Para os professores, que têm um papel importantíssimo, duas coisas bem relevantes: estimular que seus alunos façam pesquisa e que façam pesquisa com metodologia. Isso a gente aprende aqui na Liberato, isso é fundamental. Estimular que seus alunos leiam e exponham suas ideias de uma forma sistemática, eventualmente já na forma de artigo científico. Eu acho que o mais importante é estimular muito os alunos a serem sistemáticos, a terem metodologia, postura. Hoje a gente vê muita dificuldade com a questão da postura em sala de aula, postura em ambientes. A impressão é que está tudo muito fácil, e as pessoas subestimam a informação, elas acham que sabem tudo… mostrar as dificuldades, esse é o papel do professor. Até um certo momento, temos que pegar na mão do aluno, mesmo;  depois de um certo momento, temos que deixar ele ir  e aí tu tens que dizer pra ele assim: “ó, agora é contigo, tu tens que fazer a tua vida e é a tua carreira, se tu não buscares, ninguém vai buscar por ti, né?”.

 

Se pudesse também falar sobre o papel do professor orientador nesse processo e da escola como um todo, de que estrutura a escola dispunha, o que se construiu, e como é que se buscaram as alternativas para o projeto acontecer e ter o sucesso que teve?

Foram vários fatores, e é onde começa o “fator Liberato”, como eu digo, que é a inserção dos professores na indústria, de conhecer pessoas da indústria, e uma certa facilidade eu tinha porque eu trabalhava numa indústria como estagiário, e isso ajudou um pouquinho, mas fizemos experimentos para todo lado aqui na região. Então, a gente foi na própria empresa onde estagiava, que é aqui em Novo Hamburgo, e em outras empresas de borracha em São Leopoldo.  A professora Dalva Inês de Souza era quem fazia esse meio de campo. Ela sempre foi do tipo “linha dura”, mas que sabia ser “linha dura”, sabia cobrar e sabia nos deixar livres, para fazer os trabalhos no momento em que a gente achava, a gente errou muito também. Eu tenho certeza de que muita coisa ela deve ter nos deixado errar para ver, para aprender, e é com isso que a gente cresce. Ainda hoje eu falo, ali na UFRGS, do “fator Liberato”, que é o fator diferencial da grande maioria dos alunos que chegam para nós hoje da Liberato. Eles têm essa noção, eles sabem que não é tão fácil procurar uma coisa, eles sabem que, se precisarem telefonar, eles não vão ficar com vergonha, vão ligar… pegam o telefone e ligam, entendeu? Essa iniciativa vem da orientação, não só da Dalva, é lógico, mas de todos os professores.

 

Participação na ISEF

Bom, a participação na ISEF foi quase uma universidade em dez dias, vamos dizer assim, porque não é somente uma participação, é o convívio num evento daqueles que, acho que tinha em torno de mil trabalhos…

Uma coisa muito legal que aconteceu, principalmente pelo contexto, todo mundo muito jovem, todo mundo inspirado, querendo mostrar seus trabalhos, é que ninguém estava nem um pouco preocupado se nós íamos ganhar ou não, nós queríamos era participar, conhecer gente, ter aquela oportunidade, que foi ímpar.

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