Anos atrás a profissão de professor era confundida com vocação. O tempo passou e essa ideia foi desmistificada. Mesmo assim, ainda resta um tantinho desta concepção em mim e no meu trabalho como professora de Língua Portuguesa em uma instituição de formação técnica. Nesta perspectiva, penso em possíveis escolhas a serem feitas. Uma delas é a série para atuar.
Ser professora de 1ª Série é uma escolha com o sabor do desafio esperado na aventura de educar. Isto porque, para aqueles que chegam até nós, tudo é novo, pessoas, espaços, modo de estudar. Alguns vêm de uma realidade de centenas, para conviver em um espaço de milhares. E esta multiplicação não para na questão das pessoas, mas está presente em todos os aspectos de sua vida como estudante e ao chegarem para nós, estes iniciantes, “bixos”, calouros… pensamos em como será a nossa trajetória como seus professores. Refletimos sobre isso, porque, mais do que passar conteúdo, precisamos estabelecer com eles o como estudar, o como conviver com tudo o que lhes é apresentado. E, a preocupação de promover hábitos de estudo e de convivência com as exigências que o ensino técnico traz é, ao meu ver, o papel do professor desta série.
Porém, não é só isso. É o adaptar-se na subdivisão presente na Fundação Liberato. Estamos numa escola diurna com uma realidade de quatro cursos. Para o ingresso na escola, os alunos passam por uma seleção e durante a mesma assinalam sua escolha entre Química, Eletrotécnica, Mecânica ou Eletrônica. Assinalam, com ou sem referências, o curso com o qual mais se identificam, também marcam outro como segunda opção. Passada esta etapa, a vaga garantida para a primeira ou segunda opção, há o ingresso. Primeiro dia de aula e a insegurança, que já existia, aumenta. O aluno chega. Um ou outro conhecido na van, ônibus, até na turma. De resto, muita novidade. Há mitos criados pelos veteranos que os calouros vão aos poucos desmistificando ou assimilando como verdades. É a cultura Liberato sendo introduzida. Mesmo com as dicas e falas de quem já passou por tudo isso, não há o preparo para o que está por vir. O hábito e o modo de estudo são cruciais para que este aluno consiga vencer esta etapa. Como se encaixar nesta realidade e suas exigências?
Podemos, como adultos, admitir que são jovens demais para decidir o rumo de estudos e possível carreira. Há também a possibilidade de nem ser ele, o estudante, que tenha feito a escolha pela Liberato, mas a família. Claro que, na melhor das intenções, prevendo oportunidades futuras, vinculadas à formação técnica para o adolescente, que hoje, inexperiente, pode não ter uma real compreensão do que fazer ou escolher para o seu futuro.
Ainda há o perfil de curso, que prevê também um perfil de aluno e este precisa compreender isso e procurar se sintonizar. É possível, para nós educadores, até dizermos que há quatro escolas distintas funcionando paralelamente na instituição. Cada qual com necessidades e pré-requisitos necessários ao técnico que deseja formar. Ao aluno também cabe perceber neste primeiro ano “onde está se metendo” e se pode conviver com uma carga intensa de atividades e estudos, conviver com os erros e os acertos que virão com o enfrentamento das exigências que seu curso traz.
Quando recebemos os alunos pensamos que a educação mudou, que os alunos vêm de realidades educacionais muito distintas. Percebemos que os estudantes parecem pouco focados, dispersos e ansiosos. E, aos poucos, nós professores constatamos que eles têm este ritmo devido à intensa estimulação que a vida contemporânea oferece a eles. Na verdade a sociedade mudou e, junto com ela, as relações entre as pessoas com a velocidade da vinculação de informações pela democratização de seu acesso. Então, notamos que apenas a percepção deles é diferente da nossa. Há uma grande diferença entre descobrir aos poucos este mundo de possibilidades que a tecnologia traz e outra é nascer imerso nela e conviver de perto com coisas que, nós, adultos ainda estamos nos adaptando. É só ver o desespero dos mestres quando são feitas atualizações nos computadores da sala de estudos, para percebermos claramente esta diferença.
Nossas aulas contemplam nosso imaginário de adultos, já solidificado e que aprende algo por vez. E, na preparação das aulas de língua portuguesa, por exemplo, refletimos: como lidar com aqueles que já têm o mundo “na palma da mão”, que podem ouvir a música preferida a qualquer hora e lugar e, que para eles a realidade não precisa ser palpável, pode até ter várias dimensões e continuar sendo virtual? É claro que o aluno está acostumado a manter-se conectado com a tecnologia. Reconhece os suportes e sua aplicação, principalmente para o social. Nós, professores da cultura geral, estamos nos adaptando às mudanças. Acredito que seja importante, para os mestres, reconhecer e utilizar estes elementos que são capazes de auxiliar nossas turmas nos estudos.
Mesmo assim, sabemos que há uma consciência crescente sobre as mídias e a comunicação instantânea, que também afasta as pessoas do convívio real. O desafio é humanizar, tocar, conquistar e possibilitar a reflexão de que tudo que nos cerca é tecnologia, mas que, cada qual, em sua especificidade, poderá entender, interagir e até modificá-la, à medida que atuar com ela de maneira consciente. É preciso, no “instante do momento presente”, “curtir” o olhar no olho do outro e, em parceria com este, enxergar a si e as possibilidades de usufruir o que temos, mas também, “cutucar” e instigar a possibilidade de criar e recriar o mundo em que vivemos.
Por fim, acredito que, ao professor de 1ª série cabe, alertar, sugerir, cobrar, incentivar, estar presente, ser amigo e rigoroso ao mesmo tempo. Tudo isso, mesmo que não tenha nada a ver com vocação (ou será que lá no fundo tem?), considero essencial para o seu sucesso. Sucesso do profissional do ensino e daquele que está sendo introduzido na formação técnica.