Trauma

    Certo dia, daqueles bem quentes do Rio Grande do Sul, entrou uma menina na sala do analista:

            – Olá, analista!

            – Mas olha só! Uma guria mais nova que minha alpargata se consultando! Pois desembucha.

            – Bem, tá quase no fim do meu nono ano e eu não sei o que faço ano que vem… tô pensando em ir pra Fundação Liberato…

            O analista, espantado, respondeu à moça:

            – Se tu tá pronta pra sofrer que nem cachorro em dia de churrasco, te manda pra Liberato agora!

            A menina ficou boquiaberta e, então, para amenizar a tensão, o analista disse:

            – Mas olha só, guria… se tu te esforçar durante as aulas, tu sai de lá empregada e com futuro de mulher que se casou com milionário! Porém, te orienta! Se tu quiser futuro de madame, vai ter que ralar como se fosse professora do Brasil!

            A menina olhava, completamente sem reação, para aquele louco com que ela resolvera se consultar. Ouvindo de fora da salinha, Lindaura percebeu o perturbante silêncio da jovem paciente e entrou:

            – Minha querida, a Liberato é uma escola maravilhosa, estou vendo teu interesse e, se eu fosse tu, me mandava pra lá agora mesmo!

            Depois de mandar sua recepcionista “catar coquinho na esquina”, o tal analista de Bagé olhou para a indecisa jovem e disse:

            – Fui com a tua cara, guriazinha. Vai pra Liberato mesmo… vou gostar de te ver vindo aqui toda semana pedindo conselhos pra se livrar daqueles guris trovadores que têm lá! Só não te esquece que tu vai ter que queimar todos esses teus neurônios pra aguentar a barra… e, se tu tirar 2 numa prova, não quero que caia um pingo de lágrima desse teu olho, pois gaúcho de verdade não chora!

            A menina ficou com uma expressão de espanto inigualável, se retirou da salinha e foi embora.

            Há rumores de que a menina está lá, estudando Eletrônica na Fundação Liberato, mas, quando perguntam ao analista sua opinião sobre o caso, ele prontamente responde:

            – Bem capaz, tchê! Aquela guriazinha continuou foi naquela escola dela! Duvido que ela tenha escolhido sofrer que nem mãe de criança que vive pedindo chocolate!

 

REFERÊNCIA:

VERISSIMO, Luis Fernando. Todas as histórias do analista de Bagé. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 

Gabriela Pacheco

Gabriela Pacheco Aluna do Curso Técnico de Eletrônica Fundação Liberato

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