Docência Compartilhada na Educação Profissional: uma experiência no curso técnico subsequente

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O Curso Técnico de Informática para Internet (TII) é um dos mais recentes dos cursos oferecidos pela Fundação Liberato.  A primeira turma teve suas aulas no primeiro semestre de 2012. Nesse curso, tem ocorrido, desde 2014, o que se observou, na literatura acadêmica, chamar-se docência compartilhada. Conforme a literatura da área, esse tipo de prática diz respeito ao trabalho que dois professores, simultaneamente, realizam em sala de aula, no mesmo ambiente, em parceria, a fim de oportunizar que o processo ensino-aprendizagem ocorra de forma a impulsionar os conhecimentos dos alunos (FERNANDES, TITTON, 2008).

A literatura da área aponta para experiências dessa natureza em escolas de ensino fundamental, predominantemente nos anos iniciais, nas quais, em muitas vezes, o processo se implanta em função de alunos chamados de inclusão, em muitos casos, com deficiência. (CARAPEÇOS, 2015; TRAVERSINI et al, 2012; KINOSHITA, 2009). Foi possível, também, encontrar relato no que diz respeito a essa forma de atuação docente na educação infantil (MARTINS FILHO, 2011). Em educação a distância, aparecem relatos no que diz respeito à tutoria e à organização do trabalho de tutores ou docentes de turmas da mesma disciplina, via ambiente virtual (OLIVEIRA et al, 2014; OLIVEIRA, MILL e CAMARGO, 2009). Quando ocorrem relatos que apontam para a docência compartilhada no ensino superior, em geral são ações que procuram apontar, na graduação, como ocorreu a docência compartilhada na escola de ensino fundamental.

Ainda no que diz respeito à docência compartilhada, a encontramos também como forma de suprir a carga horária de professores sem regência ou sem ‘vaga’ na própria área de docência, como disposto na portaria 6653/2014, da rede municipal de São Paulo. Neste caso, a docência compartilhada dá-se na forma de orientações de projetos e é um ‘arranjo’ para reorganizar professores que ficaram com carga horária incompleta, conforme é possível depreender a partir da leitura da referida portaria (art. 7º, 8º e 12).

Na própria Fundação Liberato, ocorrem, nos cursos em nível médio integrado, disciplinas ministradas por mais de um docente, com o trabalho simultâneo de docentes, mas com os alunos da turma organizados em blocos, isto é, os discentes da turma, no mesmo horário, dirigem-se para ambientes diferentes, a fim de ter aula de determinado componente. Enfim, numa primeira pesquisa, não encontramos muitas informações no que diz respeito à docência compartilhada no ensino médio subsequente, como é o caso do curso de TII.

A experiência em questão diz respeito à disciplina de Comunicação e Semiótica do curso já citado. Para que a docência compartilhada ocorresse, a disciplina passou a ser planejada pelas duas professoras da turma, Vívian Boldt Guazzelli Lisbôa, da área das Ciências da Computação, e Lucrécia Raquel Fuhrmann, da área da Comunicação – Língua Portuguesa. Isso ocorreu a partir da proposição do coordenador do curso, à época o professor André Lawisch.

Após esse planejamento coletivo, cada aula foi estruturada de modo que uma das professoras tornou-se responsável por organizar e ministrar determinado conteúdo, relacionado à sua área de formação/atuação. A outra docente permanece em sala de aula para, a partir do desenvolver da aula, relacionar os conteúdos à sua área, fazendo os links que são adequados ou necessários para que o tema possa ser compreendido de forma mais completa possível. Assim, as atividades são planejadas para que sejam contempladas as habilidades relativas às duas áreas do conhecimento e a avaliação é feita de forma conjunta, pois as duas professoras avaliam ao mesmo tempo, em conjunto, a produção dos alunos. Essa prática permite retornar ao planejamento e perceber, se necessário, que pontos precisam ser melhor abordados, que conteúdos precisam ser acrescentados, enfim, de que forma organizar o rumo que a disciplina tomará em cada semestre.

O quadro abaixo, elaborado pelas autoras com base no plano de curso (FUNDAÇÂO, 2011), permite observar as relações desenvolvidas entre as bases tecnológicas para o componente curricular e as áreas de Comunicação e Semiótica e Ciências da Computação:

Quadro 1. Bases tecnológicas da disciplina de Comunicação e Semiótica

Comunicação e Semiótica Bases tecnológicas Informática
Linguagem verbal, sonora, visual Conceito de Comunicação e Tipos de Linguagem Linguagens de programação
Hipertexto Interação entre as diferentes linguagens nos textos complexos Hipermídia
Classificação dos signos Semiótica pragmática de Peirce Efeitos dos signos no processo de leitura e interpretação Semiótica aplicada à interface web
Aplicação à comunicação semiótica Princípios de percepçãoGestalt Aplicação à comunicação digital
Conceito de leitura hipertextual Leitura/Desenvolvimento de interface web IHC – Teoria da Interação Humano Computador
Tipos de leitor Perfil cognitivo-semiótico Internautas/usuários de software

Fonte: As autoras, 2015.

Tardif (2014) ao abordar os saberes docentes refere que os mesmos dependem das condições nas quais o trabalho se realiza, da personalidade dos professores, e são consolidados no exercício da prática profissional, ou seja, brotam da experiência e são por ela validados, numa relação entre o que os professores são (expectativas, conhecimentos) e o que fazem. Neste sentido, a prática relatada proporciona apoio mútuo entre as docentes, no desenvolvimento dos saberes dos conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, e na consolidação das práticas propostas na disciplina, validadas através da experiência conjunta.

Observou-se ao longo das aulas que, ao contrário do que poderia se ter pensado, os alunos organizam-se de modo a perceber as relações que são feitas entre as duas áreas.  O conteúdo desenvolvido fica mais rico, pois as relações estabelecidas permitem que sejam observados os pontos de convergência de cada área, bem como de que forma ocorrem as eventuais divergências. São apontados como aspectos positivos na avaliação dos alunos[1] que “Os conteúdos teóricos se completam pela boa comunicação e interação de vocês” e há ”Boa relação das duas áreas na parte teórica”.

Do ponto de vista das docentes, a experiência tem se mostrado bastante inspiradora, pois, além de possibilitar o planejamento coletivo e a troca de experiências, favorece o crescimento profissional, a partir da oportunidade de apropriar-se de conceitos de uma área do conhecimento que, à primeira vista, pode não parecer tão familiar. Dessa forma, duas profissionais atendem à diversidade de um mesmo componente curricular, por este ser tão variado. Pode-se dizer que o que torna esta experiência muito significativa é o compartilhamento do processo educacional, isto é, o compartilhar vai para além da aula, pois são compartilhados a formação específica de cada docente, o planejamento para o componente, a execução da aula, que ocorre simultaneamente, e a avaliação do processo, tanto discente quanto docente.

Nóvoa (2002, apud OLIVEIRA, MILL e RIBEIRO, 2009) expressa que “as características pessoais de cada professor têm forte influência na forma como enfrentam as dificuldades”. Podemos pensar que, neste trabalho relatado, compartilhar o mesmo espaço possibilita que as eventuais dificuldades, assim como as potencialidades de cada discente – e das docentes – sejam vistas como oportunidades de tomada de decisão para a melhor organização da disciplina e para a contribuição que esta pode trazer à formação do aluno e, consequentemente, à organização do curso de TII.

Referências:

CARAPEÇOS, Nathalia. Escola em São Leopoldo testa projeto com dois professores em aula. Porto Alegre: ZH na Escola. 20 Abr. 2015 Disponível em <http:// zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/educacao/noticia/2015/04/escola-municipal-de-sao-leopoldo-testa-projeto-com-dois-professores-em-aula-4743363.html> Acesso em 21 Abr. 2015.

FERNANDES, Denise Armani Nery; TITTON, Maria Beatriz Paupério. Docência compartilhada: o desafio de compartilhar. In: Rede Românticos Conspiradores: Discussão da Carta de Princípios. 06 Ago. 2009 Disponível em: <http://rc-sp.forums-free.com/docencia-compartilhada-o-desafio-de-compartilhar-t11.html> Acesso em 18 Mar. 2015.

FUNDAÇÃO Escola Técnica Liberato Salzano Vieira Da Cunha. Plano de curso do Curso Técnico de Informática para Internet. Novo Hamburgo: Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, 2011. [texto digitado]

KINOSHITA, Julia Harue. Docência Compartilhada: dispositivo pedagógico para acolher as diferenças. Trabalho de Conclusão de Especialização em Educação Especial e Processos Inclusivos. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação, 2009. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17909. Acesso em 26 Abr. 2015.

MARTINS FILHO, Altino. Docência Compartilhada na Educação Infantil: crianças e adultos em diálogo no cotidiano da escola Webartigos. 29 Abr.2011 http://www.webartigos.com/artigos/docencia-compartilhada-na-educacao-infantil-criancas-e-adultos-em-dialogo-no-cotidiano-da-escola/64963/#ixzz3YSxXhzLc Acesso em 27 Abr. 2015.

OLIVEIRA, Aldo Sena de; BRANCO Natália Bruzamarello Caon; BRITO Marcos Aires de; SOUZA Tereza Cristina Rozone de. Relato sobre Docência Compartilhada em Educação a Distância. Química Nova na Escola. São Paulo-SP, BR. Vol. 36, N° 1, p. 37-43, FEVEREIRO 2014 Disponível em http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc36_1/07-RSA-76-11.pdf. Acesso em 26 Abr. 2015.

OLIVEIRA, MARCIA Rozenfeld Gomes de; MILL, Daniel; RIBEIRO, Luis Roberto de Camargo. A Gestão da Sala de Aula Virtual e os Novos Saberes para a Docência na Modalidade de Educação a Distância. IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária da América do Sul. Florianópolis 25 a 27 de Nov 2009. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/35862> Acesso em: 26 Abr. 2015.

SANTOS, Gabriela Derlam; KNECHT, Mariana Lima. Docência compartilhada no ensino de história nos anos iniciais do ensino fundamental em uma Escola Aberta. São Leopoldo: UNISINOS,  Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial, páginas 1188-1196. Disponível em <http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/265/218>. Acesso em: 26 Abr. 2015.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

TRAVERSINI Clarice Salete; XAVIER Maria Luisa Merino de Freitas; RODRIGUES, Maria Bernadette Castro; DALLA ZEN, Maria Isabel Habkcost; SOUZA, Nádia Geisa Silveira de. Processos de Inclusão e Docência Compartilhada no III Ciclo. Educação em Revista: Belo Horizonte, v.28, n.02, jun. 2012 p.285-308.  Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/edur/v28n2/a13v28n2.pdf>. Acesso em: 18 Mar. 2015.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Portaria nº 6.653, de 14 de dezembro de 2014. Dispõe sobre o processo inicial de escolha/atribuição de turnos e de classes/blocos/aulas aos professores da rede municipal.  Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, 05 Dez. 2014. Disponível em <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/8257.pdf>. Acesso em 26 Abr. 2015.

[1] Conforme pesquisa informal feita pelas docentes com alunos que cursaram a disciplina em semestres anteriores.

Lucrécia Raquel Fuhrmann e Vívian Boldt Guazzelli Lisbôa

Lucrécia Raquel Fuhrmann e
Vívian Boldt Guazzelli Lisbôa

 

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