O mundo do trabalho: entrevista com a Economista Lucia dos Santos Garcia

Lucia dos Santos Garcia

Lucia dos Santos Garcia

Em 2015, o primeiro trimestre da disciplina de Sociologia, no 4º ano dos quatro cursos diurnos da Fundação Liberato, foi dedicado ao estudo do mundo do trabalho. Vários aspectos foram abordados através de leituras e debates, encerrando-se com uma palestra e uma entrevista com a Economista Lucia dos Santos Garcia, coordenadora nacional da Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Gaúcha, formada pela UFRGS, Lucia atua no DIEESE desde 1994 e é uma das principais referências nessa área no país. Os alunos participaram da elaboração da entrevista, contribuindo com a formulação de diversas questões, dentre as quais foram selecionadas as que seguem.

Boa leitura!

Maira Graciela Daniel (Socióloga, Mestre em Sociologia pela UFRGS e
professora na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha).

Raquel Vieira Sebastiani (Economista, Mestre em Sociologia pela UFRGS e
professora na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha).

 

1. Considerando que o processo de globalização gera implicações diretamente sobre questões nacionais de trabalho, a dinâmica interna ainda é importante para analisar a realidade do país?

Entendo que sim, a Nação ainda é uma dimensão política e economicamente relevante.

É certo que o capitalismo já nasceu internacionalista, se considerarmos que, da fase mercantilista, resultou a acumulação primitiva que viabilizou os primeiros impulsos industriais. Ainda é necessário lembrar que a mundialização fora muito discutida na virada dos séculos XIX para o XX, antes de voltar ao centro do debate nos anos de 1980 e 1990 com a revolução microeletrônica e da comunicação.

Nesse revival, o conservadorismo deu o tom do que se convencionou chamar globalização, um processo que preconizou a desregulamentação e o recuo da presença do Estado Nacional, a fim de derrubar barreiras que impedissem ou limitassem a livre circulação de ativos financeiros e de produtos. As fronteiras nacionais deveriam ser permeáveis para responder ao desdobramento natural da concorrência capitalista, algo inexorável.

Na verdade, essa  liberdade foi e é necessidade para o capital financeiro em constante valorização e foi tão agressiva que desencadeou um movimento defensivo de formação de blocos econômicos nacionais –  União Europeia, Alca, Mercosul. Ou seja, as nações/estados buscaram unir forças para resistir e traçar políticas monetárias e fiscais.  O impressionante nisso tudo é que o único recurso que, em momento algum, teve liberdade para circular entre fronteiras foi o trabalho.

Quando a liberalização financeira começou a fazer água, entre 2007 e 2008, as políticas econômicas de cunho nacional retomaram seu lugar. É sempre bom lembrar, o que de fato permitiu ao Brasil sair ileso da primeira fase da crise financeira foi a política econômica do governo federal.

2. Qual é o efeito a longo prazo da política econômica adotada pelo Brasil nos últimos tempos e qual é o impacto social gerado pela mesma, tanto no presente quanto no futuro?

A política econômica adotada pelo governo brasileiro, no período pós-Lula, apresenta três momentos: a fase Antônio Palocci, caracterizada pela continuidade de princípios em relação ao Governo FHC; seguida daquela que marca o auge da gestão petista, sob o comando de Guido Mantega; e, finalmente, a situação atual em que Joaquim Levy procura dar um tom novamente ortodoxo ao gasto público e à gestão monetária.

A rigor, em todo esse percurso não se abandonou um modelo de política baseado no estabelecimento de metas para inflação, que tem no manejo da taxa de juros a ferramenta essencial para o controle de preços. Uma situação que acarreta a elevação dos encargos do orçamento governamental com dívida pública, que, para garantir a capacidade de seu pagamento, acaba por estipular metas também de superávit primário. O que distinguiu o período Lula-Mantega, então, foi a construção de ações de matiz heterodoxa ao lado daquelas que perduram desde 1999.

Foi, assim, iniciada uma política de rendas, que tem a valorização do salário mínimo como centro, e é auxiliada por mecanismos de transferência de renda, em programas do tipo Bolsa Família, para debelar a pobreza extrema. O emprego e a produção nacional foram estimulados através de renúncia fiscal em diversos segmentos (automobilístico, mobiliário, eletrodomésticos). Estímulos de vulto foram dados para a construção, tanto com investimento direto em obras de infraestrutura (Programas de Aceleração do Crescimento – PAC I e II), quanto para a habitação (Minha Casa, Minha Vida).  O crédito ao consumidor foi facilitado e nunca o BNDES concedeu tantos empréstimos ao setor produtivo. Por fim, a organização da exploração do Pré-sal em benefício das empresas nacionais completou um pacote de proteção ao emprego e remuneração dos brasileiros, protegendo o país da grande crise do capital financeiro que está devastando a classe trabalhadora nos países ditos desenvolvidos – Europa e EUA.

Todo esse ímpeto distributivo associado ao controle dos juros, porém, como estamos vendo/assistindo pela TV e pelos grandes jornais e semanários, irritou severamente o segmento rentista (capital financeiro). Por outro lado, o governo foi permissivo e financiou fortemente o setor produtivo sem exigir garantias em relação a investimentos e manutenção de emprego no médio prazo. Uma limitação inerente ao perfil/limite do grupo no poder que desenha políticas de cunho popular, mas sob as amarras da coalisão com segmentos tradicionalmente elitistas.

Assim, se permanecemos protegidos até o momento, temos para nosso presente e futuro o esgarçamento da aliança política que dá suporte ao Governo Federal, o antagonismo de interesse aflorou, está exposto. A guinada à direita, no campo da política econômica, com Levy nesse segundo mandato de Dilma se orienta por abrir um novo campo para recomposição dessa aliança. Algo nada fácil, pois o que quer é a convivência entre a distribuição e esse leão ferido (capital financeiro): é como se alguém dissesse: “olha, é possível você ter seu quinhão, enquanto vamos aqui distribuindo um mínimo para nossa gente!” A questão é: será que é possível essa conciliação? Será que o leão ferido nos admite (trabalhadores) em condição de maior empoderamento?

3. Sabendo que a taxa de desemprego caiu muito nos últimos anos e diante do atual quadro da economia brasileira, é possível prever o comportamento da taxa de desemprego nos próximos anos? Com a situação que o Brasil está passando atualmente, há notícias de muitas empresas demitindo. Isso é algo preocupante para nós que vamos entrar no mercado de trabalho agora. Que medidas você acha que deveriam ser tomadas?

É possível traçar alguns cenários para o desemprego no Brasil. Penso que, em 2015, o ápice, por exemplo, ocorrerá em julho e não teremos uma taxa muito mais elevada do que a registrada em março[1]. Ou seja, o crescimento do desemprego ocorrerá, mas será mais lento que em outras fases de nossa história recente. Não acredito que voltemos ao patamar dos 20% da PEA (População Economicamente Ativa), registrados em outubro de 1999, quando o vale do sapato chegou ao fundo do poço!

Mas também penso que o desemprego se elevará, em doses homeopáticas, até o final de 2016, ou seja, metade do mandato da Presidenta Dilma.  Existe um novo teto, entretanto, pois os trabalhadores não suportarão que os anos 90 se repitam. Hoje há uma indignação entre trabalhadores, embora com muita confusão. Essa intolerância, tenho esperança, será canalizada para a luta de preservação de direitos.

Os jovens, de 16 a 29 anos, já representam hoje 42% dos desempregados. Sobretudo, aqueles na faixa etária entre 18 e 24 anos são os mais penalizados no momento da obtenção do trabalho.  Quando o desemprego se eleva, também são os primeiros a sofrer com demissões e aprofundamento de dificuldades nos processos seletivos.

O que o jovem deve fazer? No plano individual, deve se preparar muito bem para o ingresso na vida profissional – informando-se, escolhendo o ofício que o realize, pois o trabalho tem de ser significativo para a construção da identidade de cada um – não há como ser feliz apenas olhando para o mercado de trabalho. Já em uma perspectiva coletiva – a juventude deve se organizar para lutar por reconhecimento público e garantir seu lugar como sujeito de direitos e, por outro lado, também para refletir sobre o seu papel político-econômico e social.

4. Com relação ao mercado de trabalho, quais áreas têm sofrido maior aumento e maior redução no número de vagas? Nas mesmas, qual a influência da variável sexo? Existem áreas nas quais as mulheres sofrem uma maior discriminação?

Atualmente, há uma redução persistente no número de postos de trabalho na construção civil e no emprego doméstico, enquanto, nos serviços, observamos uma oscilação negativa. Já a indústria voltou a contratar, provavelmente em movimento resultante da desvalorização cambial e de efeitos sazonais, e o comércio vem seguindo estagnado. No geral, ainda não se percebe um quadro nítido de piora no mercado de trabalho nacional, exceção feita à construção civil.

A situação das mulheres pode ser, com muita brevidade, descrita da seguinte forma – se inserem estruturalmente de modo desvantajoso, sendo preteridas nas seleções, ocupando cargos de menor prestígio e reconhecimento e recebendo remunerações sempre inferiores aos homens. Porém, nos últimos anos, elas têm sido beneficiadas pelo crescimento econômico e política expansionista dos serviços de saúde e educação.  Além disso, por força do atuante movimento de mulheres, a sociedade vem se sensibilizando para o tema da discriminação de gênero, o que está, ainda que timidamente, alcançando o mundo do trabalho.  Ou seja, há maior aceitação da presença feminina nos ditos guetos masculinos – construção civil,  metalurgia, mecânica, petróleo e gás, etc. A percepção estatística disso, contudo, ainda é difícil.

Mas, no geral, deve-se entender que a discriminação feminina é de ordem alocativa.

5. Atualmente, a economia brasileira encontra-se estagnada, e a previsão não é animadora para os próximos anos. Consequentemente, há reflexos na oferta de empregos. Nessa perspectiva, qual é a expectativa com relação à participação no mercado de trabalho da população feminina e da população negra?

Pois bem, temos a sorte de uma economia estagnada em situação melhor que muitos outros países. E, realmente, a melhor perspectiva para 2015 e 2016 é que estabilizemos assim como estamos.

Ainda não verificamos a chegada deste quadro ao mercado de trabalho, o que coloca desde já uma pulga em nossa camisola, pois, se há elementos reais na situação atual do país, também há uma potencialização midiática considerável.

Se confirmados os piores presságios, entretanto, sem dúvida, mulheres, negros e jovens serão os mais atingidos pelo desemprego e precarização do trabalho.

6. Por que ainda hoje existe desigualdade em função do gênero no mercado de trabalho? Por que, em algumas entrevistas de emprego, ocorre a discriminação, tanto pela homossexualidade quanto com relação a tatuagens ou piercings

Existe desigualdade de gênero no mundo do trabalho, porque essa discriminação está no mundo. O mercado de trabalho se apropria, valora e amplia essas diferenças, porque isso é funcional para a contenção dos níveis salariais. Como? Se existe um entendimento de que as mulheres seriam menos dedicadas ou improdutivas que os homens e que, além disso, determinadas funções seriam tipicamente femininas, essas funções, via de regra, serão aquelas em que os salários são mais restritos. Quanto mais espraiadas essas funções estiverem no tecido produtivo, mais contribuem para que os salários médios de todos os trabalhadores também sejam limitados.

Quanto à discriminação por orientação sexual ou devido à presença de signos como tatuagens e piercings, penso que se inserem na lógica da comunicação e linguagem. Mas essas restrições tendem a desaparecer porque a chamada “atitude” também já se tornou mercadoria!

7. Por que a lenta ampliação no emprego industrial não tem causado impacto negativo sobre os rendimentos médios?

 Bem, uma análise de rendimento deve ser cautelosa. Há ramos que, de fato, promoveram elevações salariais relevantes, impulsionados pela demanda de profissionais especializados em um momento de arranque da economia nacional (2005-2011). Em outros, o rendimento médio ficou aparentemente estagnado, porque houve uma incorporação muito acentuada de trabalhadores na base da pirâmide salarial, ou seja, aumentou mais o emprego do que o rendimento.  E há, ainda, alguns segmentos industriais que, de maneira muito seletiva, promovem desmedidamente a rotatividade como meio de restringir salários – isso faz com que o emprego exista, por um curto período e  com baixíssimos níveis de remuneração.

Isso tudo pelo lado da contratação, ou seja, dos empregadores. Mas não podemos desconsiderar que houve um empoderamento dos trabalhadores nesse período, crescimento econômico e uma política de rendas, centrada na valorização do salário mínimo e pisos. Dessa forma, temos de levar em conta todos os elementos que incidem sobre a sustentação dos níveis médios de rendimento, mesmo em um ambiente desfavorável à indústria pelo lado do câmbio.

8. Após 2003, com o surgimento do programa Bolsa Família, houve uma diminuição das taxas de pessoas em situação de miséria. Esse fato teve algum impacto considerável nas taxas de emprego e desemprego? De que maneira?

O programa de transferência de renda no Brasil, à semelhança das políticas europeias de manutenção do poder de consumo, foi formatado para garantir a subsistência familiar. Isso é definido por uma linha monetária que, atualmente, corresponde a R$ 170,00/mês/indivíduo.  Nesse padrão, de valores muito modestos, apenas aqueles que realmente  não deveriam estar no mercado de trabalho (crianças,  adolescentes, mães de crianças na primeira infância) se retiram da força de trabalho.

Por outro lado, em determinadas comunidades, os recursos circulantes por conta dos programas de transferência geram, por efeito multiplicador da renda, o aquecimento do mercado local, tendo por consequência final a criação de novas oportunidades de trabalho.

Isso é bastante nítido no semiárido nordestino: tem-se a redução do desemprego pela restrição da força de trabalho e pela geração de postos de trabalho.

9. No Brasil, é estritamente necessário ter um diploma de curso superior para se garantir no mercado de trabalho ou um curso técnico já dá essa garantia?

 No Brasil, estamos lentamente superando o reinado do bacharelado. Na medida em que possamos avançar para o desenho de uma política industrial, esse espaço do ensino técnico, ou seja, da especialização técnica vai se tornando nítido. Por quê? Em razão de uma necessidade produtiva: quando vemos a Alemanha, a França, nós vemos o exemplo disso. Portanto, é necessário apostar em uma economia de crescimento, na qual a política e a gestão econômica consigam se desvencilhar  dos entraves reais e imaginários que assombram o Brasil.

10. Caso aprovada, a redução da maioridade penal tenderia a influenciar a taxa de desemprego? Em caso positivo, de que maneira?

A aprovação da redução da maioridade penal seria uma tragédia, pois expõe uma postura de desistência do Estado e da sociedade em relação à juventude e, por conseguinte, ao futuro do nosso país. É uma proposição simplista que responsabiliza um segmento sabidamente abandonado a um caminho sem volta.

Esses jovens, antes de tudo, constituem uma população vulnerável ao crime, porque têm pouco acesso às oportunidades de educação e iniciativas de inserção produtiva; em geral, nasceram ou foram criados em áreas urbanas degradadas e de grande exposição à criminalidade.  Quando se pensa que delitos de menor vulto podem jogá-los em penitenciárias, que diferem muito pouco de calabouços medievais, a resultante é que perdemos força criativa, energia para o trabalho e geração de produção e riqueza.

O mercado de trabalho não se beneficia disso! Punições dessa ordem tornam nossa sociedade rancorosa e perdida.

11. Hoje em dia, com as empresas de tecnologia tendo cada vez menos funcionários, o que muda para aqueles que buscam emprego? É possível que mais pessoas fiquem desempregadas ou que surjam mais empresas?

A mudança tecnológica está na essência do capitalismo. E essa questão – emprego e substituição tecnológica – já angustiava o grande economista inglês David Ricardo, lá por volta de 1815/1817.

O que se verifica na trajetória desse fenômeno é que: a) o avanço técnico ou das forças produtivas decorre da concorrência que as empresas empreendem para se manterem no mercado; b) a tecnologia substitui trabalhadores por máquinas; c) em decorrência do avanço técnico, há reformatação de carreiras profissionais, desaparecimento de ofícios e surgimento de novos tipos de trabalho; d) que o trabalhador isolado não é capaz de barrar esse processo, tendendo a se submeter a ele; e; finalmente: o avanço técnico enfrenta marchas e contramarchas, sendo limitado não apenas por interdições sociais, como pelas contradições que produz ao próprio capitalismo.

Então, o que se vê hoje, é algo que sempre ocorreu. Nos dias atuais, convivemos com  desempregados tecnológicos oriundos dos bancos e do polo petroquímico, por exemplo, mas já tivemos os motorneiros de bondes, os afiadores de facas, etc. E, quem busca trabalho, já se conduz por uma nova base técnica – a tecnologia mobile faz parte do dia a dia dos adolescentes e jovens, por exemplo.

Por fim, o destino capitalista é de redução do trabalho e concentração empresarial.

12. A realização de mudanças nas metodologias das pesquisas de emprego que afetam a taxa de desemprego podem também influenciar o contexto político do país? Existe a possibilidade de os atuais métodos deixarem de incluir parcela da população desempregada, gerando uma taxa inferior da real? A não inclusão da geração “nem-nem” (nem trabalha, nem estuda) gera distorções na taxa de desemprego?

O desemprego é um fenômeno social real e independente de nossa vontade, enquanto as metodologias desenvolvidas para aferi-lo constituem tentativas de apreensão de uma realidade posta. A partir dessa constatação de que existe uma distinção entre o resultado material das relações econômicas (o desemprego) e a forma como intelectualmente percebemos os movimentos da economia e seus problemas (como o desemprego) é que podemos prosseguir com esta conversa.

Afinal, com o resultado de uma metodologia de medida do desemprego, poderemos construir interpretações do que ocorre e fazer algo que é muito peculiar da ciência econômica – traçar intervenções para essa realidade. Isso ocorre, porque a Economia é interpretativa e normativa – pode-se dizer, nesse sentido, que o conhecimento é produzido, nessa ciência, com a clara intencionalidade de transformação.

As diferenças metodológicas de medição do desemprego, entretanto, não se referem à subtração de grupos populacionais da investigação. O próprio conceito NEM-NEM tem origem em dados de pesquisas de mercado de trabalho, pois para, literalmente, aferir  o segmento que “não trabalha, não procura trabalho e não estuda”, é preciso averiguar as condições de trabalho e estudo de toda a população.

13. Qual tende a ser o impacto do Projeto de Lei 4330 na sociedade e na economia brasileira? Qual é a diferença dos trabalhadores contratados pela empresa com relação aos trabalhadores terceirizados? Em sua opinião, o que representa essa lei na história dos direitos trabalhistas no Brasil? De que maneira, a sua aprovação pode influenciar o ingresso no mercado de trabalho de novos profissionais técnicos?

Poderíamos ter uma entrevista apenas para esta questão, tal a relevância do tema e a complexidade que envolve. Mas vamos lá.

Começarei pela relação entre terceiros (emprego subcontratado) com o empregado direto e protegido pela legislação trabalhista e contratação coletiva, pois aqui temos uma nítida distinção entre a periferia e o núcleo da força de trabalho de uma unidade de produção ou prestação de serviço. O núcleo é estável, muitas vezes, conta com uma carreira planejada (Plano de Cargos e Salários), é  melhor remunerado, tem acesso a benefícios que impactam seu poder aquisitivo (auxílios para alimentação, transporte, saúde e estímulos à educação)  e é foco das iniciativas de aperfeiçoamento técnico. Já os terceirizados permanecem no posto de trabalho por pouco tempo (em geral, até 12 meses), não contam com a proteção sindical (negociação coletiva), tem salários menores (em média – 31%), não contam com benefícios, apenas com o mínimo previsto em lei, e, por serem descartáveis, não são treinados ou qualificados. Além disso, esses terceiros frequentemente são enganados por empresas que abrem e fecham, ou trocam Cnpj, deixando de receber verbas rescisórias em falências e dissoluções empresariais. Segundo a Associação dos Magistrados do Trabalho – 70% das ações trabalhistas no Brasil envolvem trabalho terceirizado.

Hoje tudo isso ocorre no Brasil enquanto a terceirização é restrita a um conjunto específico de atividades, imaginemos, se for aberta a possibilidade de terceirizar toda e qualquer atividade econômica?

O impacto que teremos no Brasil pode ser dimensionado pelo seguinte: a Consolidação das Leis do Trabalho (sistematização realizada em 1942) foi fundamental para o ordenamento da sociedade que hoje temos, definindo uma carta de direitos fundamentais para a classe trabalhadora, o que viabilizou ao empresariado também um horizonte para a industrialização e a modernidade do país. Ou seja, precisamos de regras que norteiem uma convivência possível entre capital e trabalho.

Com relação ao conhecimento e aperfeiçoamento técnico, a PL 4330 nos coloca uma espada sobre a cabeça, uma vez que a nação deverá redimensionar o que é empresa (qual o espaço de atuação da unidade produtiva) e qual o trabalhador relevante para a produção (o núcleo).

Um exemplo do desastre da terceirização pode ser visto a olho nu no México, que optou pelo predomínio das “maquiladoras” e inserção subordinada à ALCA, comandada pelos USA. Lá o efeito desruptivo foi total – como se sabe, restam poucas alternativas aos jovens daquele país.

14. Que conselho pode ser dado aos jovens que estão entrando no mercado de trabalho?

O conselho é: estudem, tornem-se cidadãos relevantes em suas comunidades e escolham caminhos que os realizem e façam sentido para o conjunto de valores que levarão consigo, quando deixarem a Liberato Salzano.

Procurem a felicidade, lembrando que a vida não é redutível à economia e ao trabalho.

Busquem a companhia solidaria de outros semelhantes a vocês e construam, coletivamente, alternativas para os problemas que estarão em seus caminhos. Assim, crescerão individualmente e contribuirão para o avanço de sua comunidade. Nada é mais relevante que isso.

Autores das perguntas:
1 – Brayan Göttert e Matias Freiberger (3423); 2 – Mateus Land e Pietra Quaresma Balparda (2411); 3 – José Carlos Bondan Schorr e Leonardo Bier (3411), Gabriela Selau, Luísa Ilha e Nicole Andelieri (2412); 4 – Natália de Oliveira Martins e Pietra Fritsch de Araújo (3411), Emily Miguel Flores e Tayná Aparecida Kieser (3412); 5 – Arthur Luiz Klein e Marcelo Dilkin (4411); 6 – Brenda Salomão Camargo, Elisandra Torma Rocha e Luísa Antoni da Rocha (4422), Alana Corrêa, Eduardo Cypriano, Juliana Steffen (2412); 7 – Bárbara Caroline Algayer Soares e Patrick Sprenger Trindade (3423); 8 – Robson Regra Koch e Stéphanie Eduarda Venites de Souza (3423); 9 – Vinícius Moder Guimarães e Lucas Vanduir Spaniol (4423); 10 – Júnior Filipe Kanitz (3411); 11 – Renata da Costa Dias e Victor dos Reis Wolffenbuttel (2411); 12 – Jaqueline Dahmer Steffenon, Lucas Sulzbacher, Marcelo Raymann Júnior, Arthur Kassick Ferreira e Marwan Machado Khalil (4411); 13 – Bruna Schner, Charles T. V. Hagemann, Vivian M. Luiz (2423), Matheus Luis da Cruz, Bernardo Lassen, Josué Hoffmeister de Azevedo, Timóteo Kister Monteiro(1411), Affonso Calsing Ribeiro, Kevin Ceccon Seifert, Bruno Konrath Schmidt e Luan Myque da Silva Figueira (3412), Gabriel Augusto Haupt e Felipe Chaves da Silva (4422); 14 – Matheus Andrei Roso Malaquias e Rômulo Augusto Castro Dias (3412), Jossel Júnior Oliveira Alves e Juliano Schons (3423).

[1] 7,9% pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE/Brasil) ou 6,2% pela Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (DIEESE/RMPA) – poderá chegar a 9,0% no Brasil, segundo o IBGE, 13% nas áreas metropolitanas, conforme o DIEESE e 7,0% na RMPA, pelo DIEESE-FEE.

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