Conto: Ascensão

A queda foi imortal. Acolheu-o um frio sólido e profundo, escuro e impiedoso. O impacto da aterrissagem foi um soco seco e surdo, sem ressonância, seguido de longo adormecimento. Um recuo oco de tronco carcomido e podre: ‘Hollow Men’. O sono foi como o frio, sem fim e negro. A primeira visão, ao retornar, foi a solidão. Não há ninguém no fundo de um poço que não tenha como única companhia o vazio da solidão. Uma escolha, ou não, e o futuro todo se engendraria em combinações aleatórias e consecutivas: ‘Ou Isto Ou Aquilo’. Decidiu correr o risco de nova queda, agarrando-se às saliências e reentrâncias das paredes escorregadias. Com dificuldade, conseguiu – não sem antes ter experimentado mais uma ou duas recaídas desimportantes – chegar à boca do túnel, à entrada, ou à saída?, de sua caverna. Onde será o início de tudo? E o fim, onde será? A exaustão e a debilidade obrigaram-no a, momentaneamente, desistir. Adormeceu novamente. Desta vez, sonhou: uma travessia notívaga em deserto banhado pela luminosidade prateada de lua cheia com rajadas de areia a penetrar, poro por poro, a alma cansada e sedenta, tanto de água quanto de companhia. A única imagem era a silhueta tremeluzente de uma carcaça de navio escuro e antigo, ao longe, muito longe, cujo vapor fumegante velava, por vezes, a claridade lunar. Filtro sombrio, refletindo contrastes em movimento. Um navio ancorado na areia, provando a incoerência da vida. Ele, o sujeito, arrastava-se, sem conseguir, no entanto, diminuir a distância entre si e a embarcação. A realização do sonho é uma busca infinita e constante. Alcançar o navio tornou-se seu eterno desafio. Quanto mais perto, mais longe e, cada vez que se aproximava e a escada de quebra-peito era lançada de uma altura infinita ao mar de areia, raios de luz matutina desfaziam o sonho. Sabe-se, contudo, que se cai para que se levante. Queda em poço tomado por vampiros ladrões de destinos: ‘Batman’. O destino está lá no alto, portanto, é preciso buscá-lo. Ele acordou e, como que com visão de albino, espremeu as vistas, opondo-as ao sol, sofregamente, esfregando-as, até que, uma sombra maternal permitiu que as mantivesse abertas, acostumando-as à realidade recente de que jamais se dera conta. Uma segunda chance, uma nova vida e um navio ao longe, muito longe. Continuou a busca, tateando o mundo interior e a vida lá fora. Nada, jamais, seria o que dantes fora. Mas não sabia. Como todos, não sabia o que fazia. Seria perdoado pelo acontecimento da queda ou será que jamais o reconheceriam? O que fora brotava, agora, sem muita consciência, travestido de novidade, porém, maculado, para todo o sempre, pelo anterior. Pecara antes. O que doeria depois? Após a queda, o vazio passaria a ser preenchido lenta e surpreendentemente por um mundo novo, do qual seria protagonista e espectador. Pensa-se que a vida continua sempre a mesma, que se é sempre aquilo que originalmente se foi, mas é mentira, vida acaba a cada instante, dando luz, constantemente, ao novo, adicionado de tempo, de história, de humanidade. De vida! A batalha travada contra si mesmo é a mais devastadora, profunda e impiedosa. Um navio a cada instante e o destino no infinito a sinalizar com a necessidade da busca. As nuvens, lá no céu, não se cansam de passar…

Jorge Luíz Gouveia Amaral Professor de Língua Inglesa Fundação Liberato

Jorge Luíz Gouveia Amaral
Professor de Língua Inglesa
Fundação Liberato

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *