Entrevista com Wrana Panizzi

O grande cientista, o bom cientista é aquele que é capaz de pensar, de saber por que o conhecimento é produzido, que sabe para que pesquisar, o que fazer com o conhecimento, para que sociedade…”

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Graduada em Filosofia, bacharel em Direito, mestre em Planejamento Urbano e Regional, doutora em Urbanismo e Ciências Sociais pela Universidade de Paris, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foi reitora por dois mandatos (1996-2004), vice-presidente do CNPq (2007-2011) são alguns dos tantos títulos e atividades que exerceu e exerce Wrana Panizzi, uma mulher dinâmica e atuante na sociedade em que vive.

Mas, antes de ser reconhecida pelos seus títulos, artigos e livros publicados e prêmios recebidos, ela nos sensibiliza quando diz que gosta mesmo é de ser apresentada como Professora.

Nesta entrevista, realizada no dia 27 de agosto, na Faculdade de Arquitetura, na UFRGS, ela nos falou sobre a adolescência e o Ensino Médio em Passo Fundo, as aulas de Filosofia, o despertar para a pesquisa, as influências que sofreu, o que pensa sobre o estímulo à pesquisa científica nas universidades e nos organismos de fomento e, como não poderia deixar de ser, comentou sobre as Feiras Científicas de que participou, principalmente a MOSTRATEC, deixando uma mensagem bem estimulante aos jovens pesquisadores.

Conversaram com ela os professores Irineu Ronconi Jr., Mirela Stoll e Carmem Beltrame, representando a Expressão Digital, numa manhã de uma segunda-feira cinzenta que se transfigurou ao som de suas palavras e ganhou brilho através das lentes de Francisco Machado.

A adolescência, o colégio e as aulas de Ciências e Filosofia

Como e quando iniciou a pesquisa na tua vida? Como despertar o jovem para a pesquisa? Como a escola pode fazer com que a pesquisa seja prazerosa, com que o método não sufoque a criatividade?

Eu vou falar um pouco da minha experiência.

Eu só tenho um irmão, e nós dois tivemos a grande felicidade de encontrar, cada um em sua área de interesse, professores que nos motivaram. Hoje o meu irmão é pesquisador da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). É um pesquisador reconhecido, agora ele está em Seul.

Mas nós começamos antes da universidade. Eu tive um professor de introdução à Filosofia, que me incentivou bastante. Esses professores foram capazes de nos motivar a conhecer melhor o Brasil, mas conhecer o Brasil a partir da nossa realidade e isso é uma coisa interessante.

Então, nós fomos conhecendo e trabalhando. Nós éramos provocados a trabalhar, para conhecer melhor a região do alto Uruguai e do planalto. Eu era de um curso secundário e depois fui para a Filosofia e aí a gente convivia depois com estudantes (o que se prolongou ao longo da universidade) que eram cada um de um curso diferente. Não tinha aquela “coisa separada” de curso.

Fizemos um trabalho sobre as transformações daquela região do planalto central e do alto Uruguai com a introdução do trigo e a substituição junto com a soja e as transformações das pequenas propriedades.

No sábado e domingo, íamos para participar desta pesquisa em que a gente aprendeu melhor as questões de instrumentos. Aí, quando a gente chegou à aula de metodologia científica, no primeiro ano da universidade, já sabia quando falavam em instrumento, no problema, no método, nos instrumentos da pesquisa, enfim.

Nós estudamos e fizemos o curso, aprendendo através daquilo que o professor nos ensinava e daquilo que o professor pesquisava ou nos ensinava a pesquisar. É por isso que eu acabei entrando nos serviços urbanos. A mim, me motivava muito a questão da cidade, do processo de urbanização, essa transformação que provocava o êxodo… o fascínio que a cidade exercia.

Essa linha de pesquisa do urbano começou no Ensino Médio, através da questão rural. Bom, a região está se transformando, porque as pessoas estão vindo para a cidade e a cidade está ficando mais inchada, está ficando maior. As oportunidades com a criação da universidade também provoca a motivação das pessoas para cá.

Os professores de História, Geografia… iam colocando na gente esse tipo de preocupação e ensinavam também uma noção de economia, ensinando como é que a família administrava sua pequena propriedade, o pequeno negócio…

E a outra coisa que me motivou para querer conhecer alguma coisa que ia para além dos livros, era a leitura de jornal. Eu aprendi a ler jornal na minha casa com a minha mãe de modo especial, líamos o jornal do dia, o Correio do Povo, lá no interior, de noite…

Eu lia o Jornal do Brasil, do tempo em que a condessa Pereira Carneiro era diretora. E chegavam 5 jornais em Passo Fundo. Um era do reitor, outro do bispo, outro do juiz, e outro de um professor, que era um economista famoso. E o 5º exemplar era meu, que eu comprava junto com meu colega da Agronomia.

O meu maior sonho era ter uma banca de revista! Era uma época de discussão, em que os diretórios acadêmicos faziam política, mas não eram vinculados aos partidos. Hoje, infelizmente, a Universidade se despolitizou e se partidarizou e, com isso, ela perdeu o sentido crítico, essa coisa mais cultural.

Lia também o Pasquim, de Tarso de Castro, e histórias em quadrinhos… eu lembro até hoje quando eu ganhei a primeira Luluzinha. […] Eu gosto mais da Mafalda, claro, mas…

Eu não sou uma pesquisadora como os “doutos”. Os “doutos” adoram aquela coisa, “quantos artigos escreveu?”. O currículo Lattes é importante, mas você não pode escrever só para O Currículo Lattes, você não pode publicar só para isso.

A minha experiência foi essa. Ela foi importante? Sim, foi importantíssima.

Pesquisa no ensino médio

O que a gente quer com um projeto pedagógico, acadêmico, no Ensino Médio? A gente tem que ensinar para as pessoas… as pessoas precisam desenvolver competências de diferentes tipos: científicas, metodológicas, técnicas, saber manusear, montar um projeto acadêmico, etc. Mas têm que ter habilidades para saber como negociar e como montar aquele projeto, pois ele tem um contexto, o contexto da cidade, um contexto social,  enfim…

Além das competências e das habilidades, ensinar a pensar. E ensinar a pensar é questão metodológica, pois faz parte do método você aprender a pensar. Então, você consegue ser metodológico, quando você é capaz de pensar. E isso você não ensina stricto sensu, você tem que ir dando oportunidades. Você tem que apostar um pouco, porque se a gente quer isso, a gente ensina o que é método, o que é método científico… tese, antítese, síntese. Mas as pessoas não vão aprender isso, se elas não vivenciarem.

Eu fui a várias feiras e a salões de iniciação científica e tecnológica lá no interior, inclusive lá em Manaus, de várias escolas de Ensino Médio e vi trabalhos maravilhosos feitos por aqueles alunos pequenos. Eles se enfeitavam, se arrumavam depois para apresentar o resultado do seu trabalho.

Mas eu acho que, às vezes, nesses salões de iniciação científica, o professor fica muito preocupado em “explicar o método, explicar o desenvolvimento metodológico, os objetivos…”. Tudo isso é importante, mas isso passa a ser uma coisa que conta depois. Primeiro o “despertar”, depois a metodologia.

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Eu fui professora de metodologia científica. É preciso mostrar para as pessoas quando se dá a grande transformação, quando o mundo efetivamente se transforma. Para depois também entender o que é tese, antítese, síntese, etc…

A Ciência e o período universitário

Minha passagem pela universidade foi um período muito rico para mim e, sinceramente, acho que para a Universidade também. Claro que com erros e acertos. Era um período difícil. Naquela época, a gente não tinha dinheiro. E hoje nós temos dinheiro, mas me parece que falta uma maior clareza de um projeto pedagógico acadêmico-universitário que leve em conta o sentido da instituição educacional. Hoje nós temos um pragmatismo muito rápido. As pessoas têm que encontrar um lugar no mundo do trabalho.

Como dizem alguns, “o que vale é o diploma, depois eu me preparo”. Triste da universidade em que os alunos acham que vão pegar o diploma e depois vão aprendendo. Eles vão ter que, depois, continuar aprendendo, sim, e vão ter que ter um pouco mais desse aprendizado mais amplo. Então, acho que é o que está faltando hoje. A universidade está deixando de pensar, aliás como a sociedade brasileira.

E o problema é o seguinte: nós temos que pensar com nosso aluno: “para que estudar?, o que fazer com o seu estudo? para que sociedade? para que formar profissionais?, para fazerem o quê? para que produzir conhecimento?”.  A universidade tem que discutir essas outras coisas, ela tem que saber qual é o projeto do país, como é que nos inserimos. É aquilo que eu aprendi lá em Passo Fundo, com um professor que lia, que nos provocava a ler. Por exemplo, ele provocou a ler o meu irmão, que é da área das “hard sciences”, e eu e outros tantos. A gente lia com eles, por exemplo, os russos, os irmãos Karamazov,  o nosso Machado de Assis.

Eu tinha um outro professor de Filosofia que dizia:  Não queiram conhecer todos os autores, aprofundem-se bem num autor e comecem a olhar os outros em relação a este. É a experiência que eu tive quando fui para a França. Não adiantava ler todos os livros da França ou do Brasil. Quando eu fui para a França, fui bem mais capaz de entender o Brasil, pois podia olhar ele de lá. Olhava a partir da experiência vivida lá. E aqui começava a ver esta sociedade que não é tão perfeita como nossa visão colonialista nos dava. Enfim, aos poucos tu começas a estabelecer um sentido crítico, eu acho que nós estamos perdendo a capacidade de indignação. Essa história do “politicamente correto” é a maior praga que tem (risos de todos), pois ela nos acaba com o espírito crítico.

Por isso, eu acho que é bastante sofrido, bastante difícil ver as coisas e não querer perder a indignação, e você ver certa hipocrisia reinante, e reinante em todos os lugares: na política, no mundo empresarial, lá na periferia…

Esses dias, eu reli o livro da Maria Carolina de Jesus, aquela catadora de papel que depois vira escritora e que vai no seu diário contando a história toda e vai contando da hipocrisia que reina entre seus pares, seus vizinhos, que estão na mesma situação, o olhar de falso contentamento quando alguém progride. E mais, essa coisa do politicamente correto que para tudo tu tens que dizer que achas que está tudo bom, achas que qualquer coligação serve (para não dizer outra coisa). Tu achas que qualquer aliança serve, e serve no mundo acadêmico, no mundo político, político-partidário, tudo. Todo mundo está indignado, mas ninguém consegue dizer ou todo mundo fica com receio de dizer, até porque as pessoas não querem ouvir por que isso te incomoda e aí você tem que se posicionar…

Relação Ciência e Filosofia

Eu acho o seguinte: se você não juntar as humanidades  e as chamadas “hard sciences” ou a ciência enquanto rigor científico, teórico, metodológico, da razão que ilumina, digamos assim… mas é o rigor da sensibilidade que vai te responder para que serve tudo isso. Então, para que serve? Para que fazer? Por quê? A Filosofia vai te trazer sempre isso, e não é por acaso que hoje tem gente que volta a querer estudar Filosofia ou que volta, não só porque sobrou vaga no curso.

E veja você o seguinte: eu mais pude discutir vida de universidade, e vida de universidade no sentido de papel da universidade, de comprometimento social, com algumas pessoas que não eram da área das humanas, mas que tinham uma visão das ciências humanas e eram capazes de ler outras coisas. Mas tem que ver que o problema, muitas vezes é que, como o conhecimento sempre foi, mas é, especialmente na sociedade contemporânea, um bem maior e é um bem social, mas é um bem econômico, eu acho que as pessoas acabam se deixando levar pela soberba, certo! E a soberba é uma coisa danada… ; porque o bom cientista e o bom conhecedor é aquele que cada vez mais desenvolve a simplicidade, aquela ideia que você tem que aprender muito mais. Mas eu acho que é a grande crise que vive o mundo contemporâneo, vivemos uma grande crise de valores. Tem crise econômica? Tem, mas não é por falta de riqueza no mundo, o mundo é um mundo rico, com crise econômica. É bonito você falar em igualdade, mas todos os instrumentos aprofundam o teu distanciamento, é bonito falar em respeito, mas as pessoas não aceitam, o partido não aceita quem pensa diferente, os governantes não gostam de ser criticados, os reitores não gostam de ter contraposição, os professores não gostam e aí formam-se os grupos, que tem que ter grupos que pensam diferentes, porque Universidade, a Instituição Educacional é também o  lugar de polêmicas. E é engraçado que cada vez mais está sendo o lugar que é politicamente correto, e daí a chatice (risos) das reuniões do departamento dos conselhos universitários, porque deixaram de ser essas instâncias em que se discutem coisas de mais longo prazo, as coisas não se discutem mais no Brasil. A gente discutia, tem tanta coisa acontecendo no Brasil, boas, mas outras tantas que deveriam ser repensadas. Antes a gente discutia projetos para Brasil, hoje não… e até porque as pessoas têm medo de se posicionar, e acho que a crise maior que agente está vivendo é isso.

Falando um pouco sobre a minha experiência no CNPq

Eu acho que foi uma experiência muito rica, mas sobre alguns aspectos também é um pouco, “deu!” Porque ainda temos uma burocratização muito grande na presidência, uma burocratização muito grande das instâncias que elaboram e que executam as políticas de pesquisa. Então, há um enorme distanciamento em relação a isso com a sociedade, em que pese dizer que, se a sociedade atingiu os graus que atingiu hoje é porque temos desenvolvimento cientifico e tecnológico, sim, mas que é pouco discutido do ponto de vista de uma estratégia, inclusive do desenvolvimento nacional, que não se discute só entre os “doutos”, mas que se discute com o conjunto das diferentes representações, dos diferentes segmentos da sociedade. As próprias representações da sociedade nesses conselhos são representações que estão ainda muito vinculadas a grandes corporações, nós ainda trabalhamos com esta visão compartimentalizada,  desde a ideia das filosofias e humanidades de um lado, as “hard sciences” do outro e as representações lidam e trabalham com isso. Temos que ser excelentes na Física, Química, Sociologia, Antropologia, Matemática, Educação Física, sei lá em tudo. É ter, então,  excelência sem excludência de áreas. Então, eu acho que a minha experiência no CNPq foi muito positiva porque me deu, primeiro, uma visão muito mais nacional; segundo, por ela ter me dado uma visão melhor da política científica tecnológica, me deu uma visão do conjunto dos agentes e atores. Quer dizer, o papel que tem a Academia Brasileira de Ciências, o papel que tem a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que foram inclusive papéis muito mais fortes em alguns momentos, do ponto de vista de perspectiva de futuro, nos tempos da ditadura e outros tempos, eram políticas mais incorretas, e agora a coisa ficou muito politicamente correta. E eu acho que isso não é bom. Acho que ainda há uma separação entre a universidade, o CNPq e a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pois eles se vinculam profundamente à pós-graduação, à graduação também, mas muito mais à pós-graduação. E aí tem toda essa discussão, nós temos que incentivar esses grupos, porque são eles que preparam os professores, mas o problema é que, quando você tem os instrumentos de avaliação de aferir a qualidade do trabalho dos pesquisadores, do papel dos pesquisadores e tudo mais, você vê muito pouco daquilo que foi feito para melhorar o ensino. Tudo bem, vamos investir em professores, pesquisadores de alto nível na área de educação… e a educação não é só da área da Pedagogia, da Educação Física, Química, Biologia, Matemática… Ver como é que aquele rigor, ou aquele avanço, aquele brilho, aquele reconhecimento do conhecimento científico ou da produção científica dessas áreas, se reflete na formação de professores do Ensino Médio.

Como é que a Universidade se debruça sobre isso? Como uma questão que lhe diz respeito também, porque isso qualifica também o seu aluno. Eu acho que essas instituições, CNPq , CAPES e FINEP, tinham, sim, que ter uma preocupação maior com a graduação e com o ensino médio e com a formação dos professores.  E isso acontece. Agora bem recentemente, a CAPES criou o BID (Bolsa de iniciação à docência), o CNPq tem a sua tradição em iniciação científica e depois associado a isso tem o PIBID (Programa institucional de bolsa de iniciação à docência) tecnológico. Como as fundações, ela criou também o PIBIC (Programa institucional de bolsas de iniciação científica), e agora isso precisa ser acompanhado. Nós conseguimos realizar na SBPC de dois anos atrás, a primeira reunião com os coordenadores de PIBIC do Brasil. Mas isso ficou como uma atividade menor. Por que  os cientistas, os grandes pesquisadores não vão lá? Eu vivi lá também e tive a honra de poder coordenar o Programa de iniciação científica no CNPq. Foi a primeira vez, e talvez por quê? Me desculpe a franqueza, talvez porque eu seja mulher, talvez porque eu seja uma professora que tem orgulho de ser professora e nunca me apresento como “pesquisadora”. Apresento-me como Professora. Vivenciei a iniciação científica e isso me permitiu percorrer o Brasil de norte a sul, e estive num Brasil mais profundo. Eu estive em Cáceres, num Programa de iniciação científica que era maravilhoso,  eu aprendi muito, no interior do Amazonas, lá em São Gabriel da Cachoeira, lá em Juazeiro do Norte… na USP,  no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, nas universidades de iniciação científica e assistindo à apresentação dos trabalhos. Acho que os professores, inclusive, tinham que incentivar os alunos e, se querem saber melhor quando é um problema, um objeto de estudo, têm que olhar e ver trabalhos feitos pelos outros.

A importância dos editais de estímulo a feiras de ciências

Eu deixo um recado para aqueles que estão no CNPq, para os professores que gostam muito de estar nos comitês assessores da discussão das bolsas, que têm que depois participar das feiras, dos salões de iniciação: ver os trabalhos maravilhosos que estão sendo feitos. Isso tem que ser incorporado como atividade não de menor importância na vida das instituições e da universidade. Um professor, às vezes, vê o trabalho do seu aluno e só… Tem que olhar o dos outros alunos também.

Qual a sua opinião sobre o nosso Ensino Fundamental, Médio e Técnico?

Eu acho que nós ainda vivemos um esgotamento dos nossos projetos pedagógicos. Eu diria pedagógicos-acadêmicos. Há uma separação muito grande das disciplinas, eu participei agora recentemente de um grande encontro de professores. Nós, professores, precisamos mudar a nossa cabeça e, para mudar a nossa cabeça, temos que ser mais valorizados do ponto de vista da qualificação e do ponto de vista inclusive da remuneração e aí estou falando em vários níveis. Você vê o orgulho que as pessoas tinham de dizer que eram professoras e que davam aula, eu vivi isso com minha mãe e suas colegas, outras tantas professoras. Hoje eu me lembro das minhas professoras do ensino chamado primário. Eu fui professora primária, eu sou antiga, fiz escola normal também; esses dias, eu encontrei os diários de aula da minha mãe de 92 anos. A gente tinha que fazer os diários de aula, tinha que discutir e fazer aquelas reuniões pedagógicas. Não sei como é que agora fica, mas tem que haver um maior entusiasmo dos professores pela discussão também disso. Eu não sei como, mas essa discussão de reunir o professor, o pai e se juntar com os alunos. E mais professor não é pai, e nem tio nem tia, e tio e tia e pai e mãe não são professores. É um trabalho que se complementa muito. É educação.

Eu, por exemplo, estou indignada aqui na minha universidade, onde está escrito “Bem-vindo, alunos!”, como se todos fossem. Deveria ser “Bem-vindo, estudantes!”, porque estudante é alguém que vai sempre ser estudante, que não vai só aprender com os professores. Então, eu acho que a gente está precisando de uma boa reforma, não dessas de “põe mais disciplinas ou menos disciplinas”. Outra, uma boa avaliação que não seja tão baseada em coisas quantitativas como essas existentes. Uma valorização do ator professor e da Instituição Escola, a Instituição Educacional. A universidade é uma instituição, a escola técnica é uma instituição, a escola média, a escola primária é uma instituição e você tem orgulho da escola com este espaço que permite tudo isso.

Não é possível nós termos esta avaliação no Ensino Médio, aqui no Rio Grande do Sul, e não termos uma grande discussão, as universidades que se reúnam e façam um chamamento junto com as secretarias e tudo mais. Isso é um projeto do estado, é um projeto da sociedade, é um projeto das instituições.

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Conhecedora da Mostratec, quais são suas impressões sobre a feira?

Primeiro, eu posso dizer o seguinte: eu tenho a melhor das impressões. Como disse, participei desses salões de iniciação, e neste da Mostratec eu vejo o quê? Que lá se tem uma noção, sensação de uma coisa bem profissional, tratada com respeito. Ela é profissional, porque é tratada com respeito, organizada.  Quando lá estive, vi aqueles estudantes que queriam mostrar o seu trabalho. Eles se arrumam, se preparam para tal.

Eu fiquei um pouco decepcionada em algumas feiras, não estou dizendo na Mostratec necessariamente, é que eu via muito mais os estudantes do que os professores. Esse é um problema muito sério.  Esse incentivo é muito importante. Eu via o orgulho, o entusiasmo com que eles estavam apresentando, e eu acho que essa valorização é importantíssima, e mais, eu acho que a Universidade deveria meio que parar as outras coisas. Vamos lá todo mundo, os alunos têm que ver o que os seus colegas estão apresentando, como é que apresentaram, avançaram ou não. Então, vejo muito entusiasmo, e isso tem uma repercussão social muito grande. As pessoas de fora que vão, que devem ser chamadas para isso, se impressionam muito, porque elas não têm a mínima noção. Inclusive eu vi lá no interior, em Tocantins (Palmas), e eles juntaram estudantes de todas as escolas médias. Aí, então, o que acontecia? Eles estavam apresentando para essas pessoas, e eram pessoas que vinham lá do grande interior e os pais vieram juntos para mostrar, para ver. Aqui na Mostratec também, os pais vão lá, porque eles estão orgulhosos de ver os filhos apresentando.

A ciência no Brasil e perspectivas para o futuro

Bom! Eu acho que nós temos que ter mais recursos, porque tivemos um corte bastante grande agora nos recursos, né? A ciência no Brasil está muito bem, mas não só pelos números, porque nós temos que medir por outras formas também. Cada vez que a gente vai medir, a gente vê aqueles gráficos que CAPES e CNPq mostram: produzimos tantos papers por pesquisador, as áreas que produzem mais, crescemos tantos % … Tudo bem, isso é importante, claro que os números também falam, mas acho que a nossa produção tem que ser medida para além disso. Tem que ser medida, inclusive, pela respeitabilidade que a gente possa ter perante diferentes segmentos da sociedade. Ah! Nós temos que formar doutores, porque a Suíça forma não sei quantos doutores por 100 habitantes ou 1000 habitantes e nós não formamos nem 1/3, 1/4 ou 1/5 do que esses países. Bom, primeiro não sei se a gente quer ser a Suíça (risos). Para mim, eu acho que o critério maior que temos que responder é: que país nós queremos ser? Certamente, o país que nós queremos ser vai precisar de conhecimento, e de doutores, mas não é um doutor porque se formou doutor; é alguém que tem acesso à produção do conhecimento. Então, se nós formarmos muito bons técnicos, que saibam trabalhar, que não são apertadores de parafuso, mas que são capazes de produzir o parafuso ou a máquina que aperta o parafuso, o significado de onde o parafuso vai… Então, eu acho que a Mostratec é uma feira exemplar. Precisa trabalhar essa perspectiva. Quando eu fui lá, vi repórteres, rádios daquela região e tudo mais, mas não do alto escalão. Vamos provocar essa nossa imprensa, Zero Hora, Correio do Povo, O Sul, para fazer com que eles, a grande imprensa, estejam lá.  Eu acho que tinha que ir um dia lá chamar o Lasier Martins, o presidente do CNPq para irem lá, ver e divulgar. Eu vou.

Chamar os deputados, os candidatos a prefeito. Até para dizer para o prefeito da cidade, escuta aqui, vocês tem uma das mais reconhecidas escolas técnicas. Por isso, os jornais tinham que dar maior valor, e não mandar o 14º menino. Chamar o governo do estado.

Se nós quisermos ter uma formação competente para além do aumento de nossos números, temos que mudar os nossos processos pedagógicos-acadêmicos e eles incluem a participação das pessoas na produção do conhecimento.

Mensagem para alunos do Ensino Médio/Técnico

Aproveitem todas as oportunidades que a Instituição lhes oferece. A gente não aprende só na sala de aula. E a sala de aula não é só a que tem o quadro negro que agora é branco e giz, e um professor. Nada substitui o professor, mas a sala de aula é o laboratório, é a escola, é participar do conjunto das atividades. Não importa se ganha nota ou não, se conta ou não conta. O importante é o aprendizado da vivência na escola o dia inteiro, aproveitem. É o melhor tempo, para os estudantes, posso dizer. E eu dizia hoje aos meus estudantes aqui na Arquitetura, nessa primeira aula do semestre, o seguinte: olha, muitas das coisas que a gente fala aqui e que os meus professores me falavam… eles nem sabem o quanto eu fui capaz hoje, mais tarde, de valorizar, de saber e o quanto a gente consegue olhar de forma diferente. E é por isso que a vida, a velhice não é um tempo mau, viver a vida é esse aprendizado constante e a gente vê melhor as coisas. O que pode nos angustiar agora, e me angustiava na época, hoje me dá uma imensa satisfação de poder ver melhor, e não que acabaram-se  as angústias, elas ficaram um pouco mais depuradas, porque angústias sempre há, graças a Deus, e sem as indagações, a gente fica mal.

Há lugar para todo mundo na sociedade contemporânea e no futuro, mas a pessoa tem lugar desde que a pessoa saiba o que quer fazer, goste do que faz. Tem que saber fazer alguma coisa e tudo isso não vem fácil. É processo, o emprego não chega rápido, o salário maior não chega rápido e a gente tem que ter essa visão de carreira, de vida de perspectiva, senão que graça tem? Que graça teria eu, com mais de 60 anos, se eu achasse que tudo já foi feito? Que não tivesse mais nada para fazer ou para querer ou para aprender ou para ganhar?

Vai nos visitar na Mostratec?

Sim, desde que me mandem o convite. Mas já me sinto convidada.

É isso?? Chega de falar! Chega de conversa!

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