A CRÔNICA EM SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

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No currículo da disciplina de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira das primeiras séries da Fundação Liberato, contempla-se o estudo do gênero textual crônica. Conforme  Martins e Hernandes (2010), a crônica é considerada um gênero híbrido, pois mistura um tanto de jornalista e um tanto de literatura. Nesse gênero, segundo elas, “um acontecimento é trabalhado com linguagem acessível, quase sempre coloquial, seguindo ou não a variedade de prestígio. […] Na crônica brasileira, é comum a presença do humor, muitas vezes ao lado de uma fina ironia.”

Tal gênero vem conquistando muitos leitores, talvez em função de sua simplicidade. A crônica caracteriza-se por ser um texto curto e leve. De acordo com o crítico Antônio Cândido (2003), “por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo dia.”

Exatamente por essa simplicidade que o gênero foi escolhido como primeira leitura para os alunos das turmas 4111, 4112 e 4124, do Curso Técnico de Eletrônica da Fundação Liberato. Foi solicitado que eles lessem uma coletânea de crônicas, em que se misturavam textos de renomados cronistas brasileiros, como Luís Fernando Verissimo, Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar, Fernando Sabino, Stanislaw Ponte Preta, Marcos Piangers e Rubem Penz, e textos produzidos por alunos da Fundação Liberato, vencedores do concurso Liberarte. Entre esses textos, estavam tanto crônicas argumentativas — em que o autor defende um determinado ponto de vista a respeito de um aspecto do cotidiano —, quanto crônicas narrativas — em que se apresentam personagens, que vivem ações ficcionais em determinados tempo e espaço, ações essas contadas por um narrador.

Além da atividade de leitura, foi solicitada uma produção textual, em que os alunos poderiam escolher produzir uma crônica narrativa ou uma crônica argumentativa. Na proposta argumentativa, eles deveriam escolher uma das temáticas abordadas pelos autores e escrever uma nova crônica, abordando esse assunto. Na proposta narrativa, foi feito um sorteio em cada uma das turmas, no qual foram listados personagens que apareciam nas crônicas que faziam parte do polígrafo. Os três personagens sorteados deveriam interagir em uma nova crônica, com suas características preservadas.

Seguem abaixo quatro textos, dois argumentativos e dois narrativos. As crônicas são dos alunos Júlia da Silva Colombo e Bruno Fraga, da turma 4112, que se inspiraram em crônicas de Martha Medeiros e Marcos Piangers. Já as narrativas são de Tobias Klein Steyer e Vinícius Schoen Freiry, da turma 4124. Essas últimas englobam os seguintes personagens de Luís Fernando Verissimo: Lírio, um homem que passa a vida toda passando por sucessivos enganos, da crônica “O homem trocado”; um homem que ainda faz xixi na cama; e o megalômano de Carazinho, estes últimos retirados de histórias de “O analista de Bagé”.

Daiana Campani Professora de Língua Portuguesa Fundação Liberato

Daiana Campani
Professora de Língua Portuguesa
Fundação Liberato

 

A falsa felicidade alheia

De onde surgiu a ideia de que ninguém pode saber sobre as nossas tristezas? Desde o que eu acho ser o sempre, as pessoas querem demonstrar somente a melhor parte de suas vidas, e tenho a impressão de que isso só vem se agravando cada vez mais.

Ninguém divulga nas redes sociais as dificuldades para pagar as contas no final do mês, nem as diversas brigas que ocorrem com o namorado que, aparentemente, é perfeito e só sabe agradar a parceira. Por isso, e por vários outros motivos, comparar a nossa felicidade à alheia não faz sentido – nem bem.

Ao observar a vida de alguém, podemos acabar desmerecendo a nossa, já que tudo vai parecer melhor e mais feliz para o outro. O outro, que só divulga à sociedade fatos selecionados sobre o seu cotidiano, pode parecer ser mais feliz devido ao seu corpo, que está dentro do padrão de beleza, à sua conta bancária, que está cheia, e ao fato de que todas as áreas da sua vida obedecem às regras que são consideradas “básicas, únicas e não adaptáveis”.

Sei que é difícil ter bastante autoestima e não se comparar aos outros, mas não é impossível. Devemos trabalhar nisso para conseguirmos evoluir. A nossa felicidade não depende de “status” social! Quem define a sua felicidade é você mesmo! Lembre-se: a felicidade deve ser o sentimento predominante durante a estrada chamada “vida”, a qual acaba em aprendizado.

Júlia da Silva Colombo - 4112

Júlia da Silva Colombo – 4112

 

A frieza da vida moderna

A todos é comum um bem precioso, o tempo. Todo mundo tem vinte e quatro horas por dia, isso é fato. Mas para alguns já não são vinte e quatro, talvez sejam vinte e duas, por causa do tempo de deslocamento de casa ao trabalho. Dessas vinte e duas horas, oito você dorme. Sobram quatorze. Oito horas no trabalho, sem contar o tempo para almoçar.

Quantas horas ainda sobram ou faltam para fechar vinte e quatro? Talvez não o suficiente para efetuar qualquer tarefa caseira e/ou estudar, cuidar de filhos, dar atenção à esposa ou dedicar um tempo a si próprio.

O corpo humano necessita de exercícios físicos para manter-se saudável, e isso também exige uma parcela de seu dia. Ligar para a família, conversar com amigos, socializar, em geral, é fundamental para nossa saúde mental. Porém, tudo que fazemos exige uma subtração da nossa cota diária de horas para gastar.

Ao final do dia, você se pergunta: “Valeu a pena? Será que eu não deveria ter feito menos ‘disso’ e mais ‘daquilo’?” Somos forçados a seguir um triângulo de escolhas; temos várias opções do que fazer em um dia, mas podemos escolher poucas, ou em alguns casos nos sentimos forçados a não poder escolher. Muitos veem-se de frente a um muro, sem saída, onde seu maior inimigo, mas também maior aliado, é ele, o tempo. Não nascemos sabendo controlá-lo, somos obrigados a aprender, caso contrário, ficamos para trás.

Deveríamos nascer com um manual de como administrar corretamente nossa vida. Mas, talvez, dessa forma, seria fácil demais e não existiria originalidade em cada um; seríamos pouco mais que robôs.

Bruno Fraga - 4112

Bruno Fraga – 4112

A briga

Em um dia normal, um homem com um simples caso de megalomania estava indo a um analista que conhecidos seus haviam lhe indicado — por algum motivo que ele não entendia, já que se achava perfeito. Chegando lá, ele se sentou do lado de um homem à espera de ser chamado também.

Impaciente com a demora, decidiu perguntar ao homem que estava sentado ao lado o porquê de ele estar ali, já que não havia nada a se fazer, e o moço respondeu:

—  Ah, estou com uns problemas com líquidos amarelados…

—  Alergia a algum suco? – perguntou.

—  O quê? Não, ahn… Deixa pra lá, mas e você? Qual o seu problema?

Indignado com tal pergunta, o megalomaníaco respondeu rudemente:

—  Problema??! Você sabe com quem está falando?! Eu sou a perfeição da natureza, Deus me moldou em primeira mão para representá-lo no mundo dos humanos, eu não tenho problemas!

Não tendo gostado do tom de voz do homem, mesmo que ele estivesse brincando ou não de se achar o máximo, respondeu:

—  Olha cara, eu tentei te explicar o meu problema, o mínimo que você poderia fazer é me dizer o seu.

—  Eu já te disse que não tenho problemas! Além de alérgico é surdo?!

—  Eu não tenho alergia nenhuma, cara! E por que você estaria aqui se não tem nenhum problema, senhor “perfeição da natureza”??

Depois desse último comentário, os dois não se aguentaram e começaram a brigar sério.

Brigaram tanto que um inocente homem, chamado Lírio, cuja vida muito azarada era, saiu de casa para ver o que, afinal de contas, estava ocorrendo. Chegando lá, viu, através das janelas de vidro, os dois homens discutindo e se empurrando. Perguntou, então, para uma pessoa próxima o porquê de eles estarem brigando. Ela falou que não sabia, mas que já havia chamado a polícia para garantir que aquilo não piorasse. Porém tal homem com falta de sorte sabia que a polícia geralmente demorava, então foi ele mesmo lá tentar parar a briga.

O que ele com certeza não esperava é que, ao abrir a porta, seria atingido por um “soco perdido” e desmaiaria. Quando o homem do líquido percebeu o que havia feito, não havia tempo de esperar o cara acordar para se desculpar: estava ouvindo uma sirene de polícia se aproximando. Saiu correndo pela porta, deixando o megalômano para trás, que gritava:

—  Isso! Corra de mim, seu verme!

Logo após disso, foi preso, junto com o Lírio, que a polícia achou que era o segundo homem envolvido na briga.

Tobias Klein Steyer – 4124

Tobias Klein Steyer – 4124

 

O primeiro erro

Lírio, o homem cuja vida é um engano, estava voltando a pé para “sua” casa. Estava se aproximando do seu destino, quando avistou algo parecido com um bolo de dinheiro, apenas com notas de cinquenta reais. Foi correndo pegar a pequena fortuna, quando um homem virou a esquina e olhou para Lírio e para o dinheiro. Os dois começaram a correr em direção ao dinheiro. Ambos chegaram na bolada e pararam.

— Bom dia — falou Lírio tentando parecer simpático — tudo bem com o senhor?

 — Não… quer dizer, sim! Não aconteceu nada ontem à noite, aquela casa com um colchão na frente não é minha.

— Do que você está falando, eu só perguntei se você estava bem… Espera, você fez xixi na cama?

Neste mesmo instante, o portão da casa na qual eles estavam em frente se abriu, e de lá saiu um homem falando:

 — Como assim você fez xixi na cama? — falou o megalômano  — Eu nunca fiz isso. Nem com um ano de idade.

— Como você conseguiu ouvir isso de dentro de sua casa?

— Eu tenho a melhor audição do mundo. Aliás, quem foi o imbecil que perdeu 1.250 reais na frente da minha casa?

— Não sabemos. — disse o Lírio.

— Ei, como você sabe quantos reais tem ali?

—Também sou ótimo em matemática. Bom… este dinheiro agora é meu.

—Quem disse? Eu fui o primeiro a ver ele.

— Está bem, vamos jogar no dois ou um.

Os três concordaram. Quem acabou ganhando foi o megalômano.

— Eu sabia que ganharia, sou o melhor jogador de dois ou um.

Ao pegar o bolo de dinheiro, viu que na verdade se tratava de uma daquelas publicidades que colocam a propaganda em um dinheiro falso.

— O quê? Eu errei? Eu nunca errei na minha vida. Ninguém pode saber disso. Parece que eu terei que matar vocês dois.

Vinícius Freiry - 4124

Vinícius Freiry – 4124

 

REFERÊNCIAS:

CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: Para gostar de ler: crônicas. Volume 5. São Paulo: Ática, 2003. p. 89-99.

HERNANDES, Roberta; MARTIN, Vima. Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2010.

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