Às vezes, mas só às vezes, eu me esqueço de dar-me conta daquilo que em meu íntimo eu sei. É uma coisa muito simples, que eu sei, e quando me lembro que sei tudo fica mais claro, suportável e até mesmo bonito. Me sinto consolado, em paz, e de certa forma feliz, na medida em que isso é possível.
É que a gente nasce sabendo, em nosso íntimo, de algumas coisas. Mas facilmente é educado, moldado, enquadrado, para esquecer o que já sabemos. Não que não seja importante aprender – é fundamental. Não que não seja importante ceder, se adequar e, às vezes, até mesmo se deixar levar… Aprendi que o amargo cura, que a dor ensina e até a alienação traz uma anestesia que, às vezes, é necessária. Mas que eu sei de alguma coisa, eu sei. Sei de uma coisa que ninguém me ensinou, trouxe comigo desde sabe-se lá quando ou onde…
Tenho um passatempo que se chama trabalho. A escola, que um dia foi a minha escola, é o lugar onde passo esse tempo. Olho ao redor, e está tudo ali. Quase como já era, há pouco mais de uma década. Ali estão os bancos, as pastas repousando, as apostilas ainda não lidas, o bom papo, as filosofias entre uma aula e outra… As apreensões, as expectativas, as preocupações, as piadas…
Os bancos que testemunham tantas incríveis histórias…
Os mesmos longos e imponentes corredores: “Vai pra Estância?” “Aula na Scharlau?” Tão longos eles são. Me engolem. Engolem-nos a todos.
Vim.
Vi.
Venci? (Não sei, mas acho que pelo menos empatei).
Saí.
Fui pra longe.
Voltei.
E foi quase como voltar no tempo, flertando com os tempos verbais. Voltou quem nunca havia-se ido inteiramente. Veio ser o que não seria. Vai ao passado para de lá ver o futuro – que é o presente onde se encontra.
Ando, olho ao redor, e está tudo ali: a sombra dos eucaliptos, aquele descampado ao lado, de um colorido único quando o sol se põe. Algumas viagens no pensamento continuam as mesmas. A idéia de pular aquela cerca, correr até cansar por aquele capim, atirar-me na relva rindo até perder o fôlego. Não há cena que melhor represente em mim a liberdade. Correr por aqueles campos… ali, lá longe… longa vida ao capim não capinado!
Está tudo ali, ao lado. As incertezas, as histórias, os dramas – exagerados como sempre quando o coração é adolescente. Me surpreendo imaginando ter ouvido as vozes dos meus próprios colegas… os ecos de tudo o que vivenciei… Às vezes, tenho vontade de dizer isso à rapaziada, mas me detenho. Pode parecer nostálgico. Não é. É só para ser uma alegria compartilhada. Dizer que aquele banco que hoje eles ocupam já testemunhou outras histórias tão incríveis e únicas como as que eles estão construindo hoje. Dizer que ali era minha turma que ficava, que a gente também tinha problemas, mas que tudo se resolvia. Dizer que até mesmo esse sorriso, esse de hoje que eles espalham por aí. Esse também era meu, também fui eu que ri por nada pelo menos algumas vezes e que tudo valeu e continua valendo… Mas nem sempre se é compreendido. Por isso, o silêncio contemplativo acaba sendo minha escolha…
Em meu íntimo eu sei. Gosto do que faço. Tecnicamente é trabalho, é aquele dia a dia a suportar. Mas há outra coisa também. É a escolha que eu fiz. Fiz a escolha de estar ali. E ali mesmo construir de novo meu caminho. Eu escolhi me olhar no espelho tendo a certeza de olhar para a pessoa mais feliz que meus olhos verão. Se ouvisse outras coisas, não meu íntimo, o descampado talvez não voltasse mais… E em meu íntimo, mesmo sem me dar conta, eu sei.
E não há coisa melhor que saber, lá daquele lugar de você, onde só você tem acesso, que você possui a maior riqueza que poderia possuir em sua existência: a capacidade de ser feliz com o que tem. Nada mais.