“[…] que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.” Manoel de Barros
Em tempos tão medonhos como estes de agora, quando defender causas como a garantia de igualdade social, o direito à educação pública de qualidade e o acesso à cultura e à arte parece ser coisa de quem não está torcendo pela prosperidade do país, falar em literatura e como ela pode produzir o encantamento necessário à vida é trabalho alicerçado na esperança e na permanência.
A literatura, apesar dos discursos que enaltecem outras áreas do conhecimento, em especial aquelas que embasam cursos mais rentáveis financeiramente, segue como instrumento de resistência para quem acredita que educação e cultura são os ingredientes básicos para o pleno desenvolvimento do ser humano. E isso se deve ao fato de a literatura, dentre tantas possibilidades, oportunizar ao indivíduo que ele se sinta parte de um todo, identifique-se como um ser único, diferente dos demais, mas pertencente a um grupo social.
O exercício de alteridade que o texto literário permite é libertador: ao ler os versos de um poema ou as linhas de um conto, crônica ou romance (citando apenas alguns gêneros mais contemplados nos planejamentos didáticos), o sujeito entra em contato com outras vivências e realidades e conhece outras formas de “estar no mundo”, novas possibilidades de viver o que o dia a dia nos traz, os desafios, alegrias e angústias de toda uma existência.
Harold Bloom, em sua obra Como e por que ler? (2001), defende uma “fórmula de leitura”: é preciso ler com o propósito de “encontrar algo que nos diga respeito, que possa ser utilizado como base para avaliar, refletir, que pareça ser fruto de uma natureza semelhante à nossa, e que seja livre da tirania do tempo”. A literatura, na solidão que sua atividade pressupõe, sugere ao leitor que ele se interrogue a respeito do que a natureza das personagens, por exemplo, lhe diz respeito: “até que ponto a minha realidade é diferente da vida retratada nas páginas lidas? E em que sentido ela é igual?”
Acredito que, assim, a literatura desempenha um dos seus papéis mais nobres: fazer com que possamos sair de nós mesmos para adentrar o universo do outro; que possamos entender a sua dor ou a sua redenção a partir da sensibilidade e da consciência de que o outro é diferente de mim e por isso mesmo pode me completar e me ensinar outras maneiras de viver uma vida com mais alegrias do que dores, mais afetos do que conflitos, mais desejos do que vazios.
Enriquecer o nosso cotidiano com a experiência do outro é um dos prazeres que o texto literário nos dá. É atividade lucrativa para a alma. Torna-nos mais humanos, renova nossa esperança e é permanente. Exercício para uma vida inteira.