Personalidade começa onde comparação termina.
Karl Lagerfeld
É quase uma unanimidade o gostar musical. Raros os sujeitos que se manifestam contra todos os ritmos, harmonias, estilos, intérpretes e/ou composições. Ou se aprecia isto, ou se prefere aquilo. Matar por música, ninguém mata. Muitos(as)[1] alcançam nirvanas por ídolos – Beatles e Roberto Carlos, Elvis Presley e Chitãozinho e Xororó são exemplos simplistas, quase ingênuos, porém significativos, desse fenômeno que acomete número importante de fãs pelos quatro cantos da Terra. Sim, há ídolos e fãs por todo o mundo: os locais, os nacionais e os internacionais. Veja, por instância, Teixeirinha, “O maior golpe do mundo que eu tive na minha vida foi quando aos nove anos perdi minha mãe querida…”; Peninha, “Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo e me absorvendo e, de repente, eu me vi, assim, completamente seu…” e Carmem Miranda, “O tico-tico tá, o tico-tico tá, o tico-tico tá comendo o meu fubá…”. São infinitas e distintas hit parades que agradam e descontentam os mais variados gostos apaixonados, ou nem tanto, pelos quintões deste mundão, já não tão grande como já fora outrora.
Nossos valores musicais são, também, determinados pelas diferentes culturas geracionais: o jazz e o blues deram lugar do rock à bossa nova e têm seus DNAs, até mesmo, no pop – dizem que o Papa é pop, mas pau que bate em Chico bate, também, em Francisco. Bergoglio que o diga! –; o samba de raiz gerou o pagode e todos sabemos que a África é aqui e não no Haiti. Contudo, como explicar a evolução da música de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald em Porgy & Bess a Markinhos e Dollores com o “Rap da Diferença”? “Pizindim, Pizindim, Pizindim, é assim que a vovó Pixinguinha chamava…” Qual o quê? Como é, então, que a avó do Wesley Safadão se dirige ao neto? “Zafadin, Zafadin, Zafadin vem cávovó, vem!?”
Pouco importa, o certo é que, certa monta, João e Maria, adicionados de Nega Fulô, teor alcoólico 38%, engajaram-se em discussão ferrenha, dessas do tipo “zé petralha e Sinhô coxinha”. O imbróglio terminou no Jardim da Paz. Não conseguiam concordar sobre o valor do funk nacional na formação do gosto musical da juventude brasileira. João dizia assim, Maria respondia assado. João esconjurava, enquanto Maria louvava. Mas João não concordava. Com gestos largos argumentava, para o quê, Maria retrucava. Ele, conservador, tradicionalista, votara no Ele Não, aquele que todos sabem quem é, mas ninguém quer dizer o nome. Ela, libertária, feminista, apostara no Haddad, por causa da Manuela. Não podia imaginar o advogado, economista e filósofo a rebolar até o chão e voltar ao som de um funk em alguma laje na Rocinha ou na Maré. Agora, a Manuela, não! Feminina e feminista, como Maria, luta como uma garota, arrisca e se lança ao novo. Num bailão, logo, logo, seria a rainha do funk. Maria acreditava nisto: Manuela, a rainha do funk!
“João, era assim com o samba no início. Tem até aquela baladinha do João Gilberto: “Vamos acabar com o samba, madame não gosta que ninguém sambe, vive dizendo que samba é vexame, pra que discutir com madame?”, lembra? É assim com tudo o que é novo, João. Veja a bossa nova, quando surgiu eram só resistências e críticas. Após, unanimidade. A madame, agora, é puro samba no pé. Você já foi a um baile funk? Não! Então, como pode detestar tanto assim? O quê, tá me chamando de vagabunda!? Funk é pra vagaba? Alto lá! Bang bang!” Maria, veneno. João, adaga. E as duas famílias unidas a velar os presuntos. Enfim, óleo e água não se misturam, mas temperam uma boa feijoada ao som de um bom funk da pesada! Vida que segue e rola de tudo! “Qual a diferença entre o Charme e o Funk? Um anda bonito o outro elegante. Eu no baile funk danço a dança da bundinha.” Afinal, “gosto é como barata, um chuta, o outro cata.”
[1] Referência ao gênero feminino para não correr o risco de levar bala dos “insuportáveis” politicamente corretos.