João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector foram dois grandes escritores que marcaram a Terceira Fase do Modernismo Brasileiro. Abandonaram, em parte, aquela visão de regionalismo da segunda geração, adaptando à poesia o regionalismo antes só presente na narrativa, inovaram no vocabulário, na forma de apresentar o narrador e, principalmente, no conteúdo, apresentando-o de forma mais profunda e séria, diferente da Primeira Fase.
João nos mostra, em sua obra “Morte e Vida Severina”, uma visão mais coletiva e racional de problemas sociais. Parte de um problema regional, a falta de água, mas, diferente da fase anterior, nos leva a uma dimensão universal do problema. Apresenta o personagem Severino simbolizando todos os nordestinos que vivem a mesma situação miserável. Ele não fica acomodado chorando suas dores, é alguém que vai em busca de respostas. Mostra a importância do nordestino conhecer sua realidade. É marcante o momento em que ele se dá conta de que o problema não é a falta de água, como todos acreditavam, mas a desigualdade social. O desespero do personagem por se ver tão impotente diante da situação nos comove. Antes a solução parecia mais simples, era só encontrar água. No entanto, diante de algo que parece impossível de resolver, o autor nos surpreende com uma dose de otimismo, mostrando que, mesmo naquelas condições a vida vale a pena. Talvez, seja uma forma de dizer que, enquanto há vida, há a esperança da mudança.
Já Clarice, ao apresentar um desfecho mais triste na obra “A Hora da Estrela”, nos mostra uma visão um pouco diferente, mais pessimista. A obra não aborda os problemas sociais de uma ótica coletiva, mas faz profundas análises das causas desses problemas. Mostra que, além da falta de condições materiais, o pior de tudo, é a miséria intelectual, cultural e afetiva. Isso impede Macabéa, também nordestina, de ser agente de seu próprio destino e de suas próprias decisões. Como o narrador mesmo diz, ela era incompetente para a vida. Através do personagem, faz profundos questionamentos. Alguém que nunca foi amado, se acha um estorvo, não tem consciência de seus sentimentos, pode um dia modificar seu próprio destino, fazer suas próprias escolhas e lutar por uma vida melhor?
Acho que Clarice aprofunda ainda mais essa busca por respostas para os dilemas humanos no conto “A Menor Mulher do Mundo”. Nessa obra, ela analisa a forma diferente que cada um reage diante do fato de encontrar algo muito raro, precioso e único: a menor mulher do mundo. Através dos sentimentos mais profundos que esse fato desperta em cada um, há uma análise psicológica profunda sobre as mais diferentes formas de amar e dos mais diferentes tipos de relações. Como a narradora diz, “do fundo, do mais profundo”, surge o amor possessivo. Acho fantástico, quando ela nos surpreende com a forma da menor mulher declarar seu amor. Diferente de uma visão romântica que se esperava de um ser puro, sem contato com a sociedade, ela diz que ama o explorador, mas também ama seus anéis brilhantes, suas roupas… Dessa forma, questiona se é possível aquele amor romântico, que desconsidera as aparências e, ao mesmo tempo, responde à principal pergunta. Por mais que vivamos em sociedade e tenhamos evoluído, assim como os personagens na narrativa, o instinto de posse continua dentro de nós e é a principal causa de todos os desajustes sociais.
Assim pode-se entender que ele é a chave da ganância humana e seu fascínio gera o desejo de poder, de domínio. Exclui da sociedade, gera a desigualdade social, pois tira o direito de muitos de participarem dela de forma digna. Clarice e João Cabral marcaram a Literatura
Brasileira, não só pelas inovações estéticas e linguísticas que fizeram, mas, principalmente, porque eram profundos conhecedores da vida e da alma humana.