Eu e meu amigo: uma rotina na quarentena

tv

Acordo com um amigo ao meu lado, gritando uma canção no meu ouvido, ele canta uma melodia bem estressante, daquele tipo que, na primeira vez, você até gosta, mas eventualmente odeia por atrapalhar seu momento transcendente, no qual você conhece como “dormir”. Meu amigo continua com sua melodia e logo vejo ele me mostrando o horário, nesses tempos de quarentena até o tempo tem outro formato, o “tarde” de antes vira o cedo.

Ao me levantar consigo desligar meu amigo na opção “parar” e começo a vasculhar as novidades do dia com ele, mas percebo que ele está “morrendo”. Sim, novas atividades, demandas da escola e aula à tarde, afinal ensino técnico é rigoroso. Após planejar o que devo fazer, vou em direção à sala, deixando minha irmã descansar por mais um tempo, infelizmente, ela não está tendo aula. Ao chegar à sala, ligo a TV e coloco numa série que estava acompanhando, uma série famosa que, em português, seria algo como “homem relógio”.

Meu amigo deixa-me informado das conversas de outros amigos meus, infelizmente, não posso vê-los ainda, mas espero que em breve eu possa. Termino dois episódios e começo a preparar o almoço, meu amigo mais uma vez aparece para me notificar dos avisos de uns professores, claramente uma leve ansiedade surge ao ler cada comentário particular. Com o almoço quase pronto, chamo minha irmã e ambos estamos prestes a comer, mas tenho que usar o micro-ondas, mas antes tenho que responder a um amigo.

Pronto, coloco o prato no micro e… Espera, o micro-ondas não está funcionando? O que foi desta vez? Tento tirar a tomada e conectar a outra tomada, sem efeito. Então escuto minha irmã falar que não consegue ligar a TV. Meu corpo treme e por uma falsa esperança tento ligar o interruptor, obviamente sem sucesso. Aproveito pra meu amigo chamar minha mãe e informo do ocorrido, após dizer tchau percebo que meu amigo diz uma coisa que me apavora, um som, e percebo o fim inevitável que ele me mostra. Meu amigo morreu.

Ele, em meus braços, me desespera, como pode ter ido tão cedo justamente quando mais precisava dele, penso. Infelizmente, a culpa foi minha, não dei a ele a devida atenção e o deixei morrer lentamente, agora não poderei comparecer à aula, nem realizar meus exercícios, minha vida fica uma bagunça sem ele. Lamento o ocorrido comendo comida crua e tanto minha irmã quanto eu olhamos a TV sem nenhum sinal de vida.

Após comer, tento diversas técnicas para trazer meu amigo de volta à vida, faço diversos esquemas diferenciados, desde transfusão de sangue a tentar acordá-lo, esperando que tenha um resquício de vida. Decepcionante foi o resultado e replanejei meu dia novamente, começando a fazer uma atividade que sabia de cabeça no caderno. Em vários momentos fui à sacada para refletir, um mundo assim sem meu amigo é sem sentido. Um homem me perguntou se tal fatalidade havia ocorrido em minha casa e respondi que foi um massacre no bairro, logo volto para minha atividade.

Por fim, ao final de minha atividade escuto um som maravilhoso, o som da vida e corro na tomada mais próxima para reviver meu amigo. Encho-me de lágrimas ao ver ele acordando e quando ele está estável, eu digo ansiosamente: “Leve-me para o meet”.

Kauan Garcia Estudante da Fundação Liberato

Kauan Garcia
Estudante do Curso Técnico de Eletrotécnica
Fundação Liberato

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *