A narrativa de Conceição Evaristo em sala de aula

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Daiana Campani
Professora da Fundação Liberato

Nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira dos 4ºs anos, trabalhamos com obras de literatura contemporânea. Nas turmas 1412, 1423, 4422 e 4423, propus que os estudantes realizassem a leitura do conto “Maria”, de Conceição Evaristo, cuja obra é bastante conhecida por abordar a situação da mulher negra na sociedade brasileira atual. Após a leitura, os estudantes foram desafiados a fazer resenhas do texto ou a fazer uma releitura do texto, seja em forma de poema, seja em forma de conto a partir do ponto de vista de outro personagem criado, de outra classe social, gênero e cor. Apresento a seguir alguns desses textos: 


“Maria”, de Conceição Evaristo

Por Júlia Ribeiro de Souza e Vitória Rommel Thibes
1412 – 2021

Conceição Evaristo é uma importante escritora e linguista brasileira nascida em Minas Gerais, em 1946. Foi uma professora universitária e pesquisadora na área de Estudos Literários, com ênfase na literatura afro-brasileira. Em suas obras, a autora busca representar a realidade das mulheres negras na sociedade brasileira contemporânea.

O conto “Maria” encontra-se no livro “Olhos d’água”, na página 39 a 42. Foi publicado em 2014, pela Editora Pallas. “Olhos d’água” possui quinze contos diferentes, todos relacionados à violência praticada contra homens e mulheres negros. “Maria”, por sua vez, narra a história de uma mulher negra que foi brutalmente assassinada em um ônibus enquanto voltava para casa.

Maria, a personagem-título do conto, trabalhava como empregada doméstica e recebia um salário irrisório que mal dava para alimentar e cuidar de seus três filhos. Na manhã de uma segunda-feira, voltava para casa trazendo os restos de um banquete da casa de sua patroa. Ao subir no ônibus, encontra seu ex-marido e pai de seu primeiro filho, momento que traz um sentimento de nostalgia do tempo que tiveram juntos. Maria se pergunta por que não puderam ser felizes juntos. 

Após pedir para entregar um beijo para seu filho, ele inicia um assalto ao ônibus. Quando os assaltantes vão embora, os passageiros imediatamente revoltam-se contra Maria, pois pensavam que estava envolvida com os bandidos. Não demora muito para que passem de gritos e ofensas para a agressão física. 

Com uma linguagem simples e direta, Conceição traz uma descrição muito precisa e comovente da nossa sociedade. O nome Maria não representa uma mulher específica, mas sim todas as mulheres que sofrem algum tipo de violência. Neste conto, trata-se da violência contra a mulher, em especial a mulher negra, que é a principal vítima de homicídios no país. Essas mulheres ainda sofrem com a herança do período escravocrata, que deixou um legado de desigualdade social. Elas são tratadas como inferiores, como é retratado no texto através das más condições de trabalho da personagem. Em determinado momento do conto, um personagem grita se dirigindo a Maria: “Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois.”. Isso demonstra a tendência de associar injustamente certos comportamentos a pessoas negras, tais como falta de educação e comportamento criminoso. Todo o ambiente retratado no conto é extremamente fiel à infeliz realidade das mulheres negras no Brasil.

A leitura do conto “Maria” é uma grande oportunidade para conscientizar-se a respeito das condições de vida de grande parte da população. O conto deve ser recomendado para todos os públicos como forma de dar reconhecimento e combater uma crescente violência de gênero e racial existente no país.



MARIA

João Vítor Mombach Ribas e Luiz Inácio Costa Rinaldi
4423 – 2021

Ao anoitecer, Maria esperava
Enquanto se perguntava
Olhava e olhava
E o ônibus se aproximava

Um corte em sua mão
E na cabeça a pergunta
Será que os meninos gostavam de melão?

Um homem pagou a passagem
Ela logo o reconheceu
Ele então tomou coragem
E falou do filho que não esqueceu

Cochichando falou
Que sentia muita falta
Do filho que abandonou

Antes para o filho
Afeto declarava
Agora no gatilho
O assalto anunciava

Com medo então
Não tinha nada na mão
Apenas uma gorjeta e um melão

Sem ser roubada
Estava aliviada
Mas logo seria linchada

Mesmo sem não ter feito nada
Xingada
Julgada
Culpada

Sem ter tempo de reação
Iniciava-se uma agressão
O motorista tentou intervenção

Mas não ligavam para a razão
Com raiva da situação
Tomados pela emoção
Lincharam Maria até o chão

Nada adiantou
O corpo dilacerado
A polícia encontrou

Devido a sua cor
A tragédia ocorreu
E seu filho não recebeu o recado de amor
Que seu pai lhe deu


Maria, Maria

Luiz Henryque de Ramos Corrêa
1423 – 2021

Exausta do labor a terceiros e nutrida de migalhas
Ela sobe na fera de rodas ligeiro, e a cabeça como uma afiada navalha
Com os filhos na mente e a incerteza na frente
Maria aguarda sua sina canalha

quando de repente uma figura ausente se forma
e fazendo um sinal o cobrador entende
Maria nem processa, já sabe quem é
lembrando de um tempo jovial, senta ao lado de Zé

aquela muralha sabia falar, fugazmente começou a cochichar
“Maria, Maria, que saudade de ti Maria
Como vai o menino? Como vai o meu filho?
Tenho um buraco no peito, eu estou tão sozinho…”

O pouco que conseguia ouvir, ela entendia
Dor, saudade, outros amores e alegria
Mas por último, ah isso ela não tinha esperança
Zé pedindo um abraço, um beijo, um carinho na criança

Só que às vezes o que é bom dura pouco, e dessa não era diferente
Ele com cara de assustado levanta às pressas assustando toda gente
Armado e gritando isso é um assalto, seu parceiro dos fundos estava à espera
E os dois vão usurpando um a um, os passageiros da fera

Um a um não, Maria não, em respeito à sua história
E rapidamente eles descem do ônibus feito raposas
Ah como seria bom se ela tivesse a mesma ideia
Porque esse é um tipo de coisa que incendeia a plateia

Logo, o povo todo com o orgulho ferido procura algo para culpar
isso é típico do brasileiro, sem ter o que pensar
“Ei, essa negra safada é cúmplice dos dois”
Maria se desespera, afinal que culpa tivera?

Lincha! Lincha! Lincha! Foi a última coisa que ouvira
todos pra cima da mulher, e todos cegos de ira
Há muito tempo que seus ancestrais se livraram dos grilhos
Mas infelizmente ela não voltou pra casa pra abraçar seus filhos.


Este poema é para Maria

Raiane de Paula Gomes
1423-2021

Preta, forte
E guerreira
Só pode ser Maria!
A patroa come a janta
Enquanto Maria arruma as camas, mas ela
Continha a lutar
Continuar a sobreviver!
Por que tiraram o direito dela??
O direito de ir e vir
De ver seus filhos crescerem
De se tornar avó
De amar a vida
De continuar sobrevivendo por mais um dia?
Seu sangue é alimento
Alimenta a raiva alheia
E escorre pelo chão …
E os meninos como estão?
Maria já não pode contar mais sua versão

 


 

 

Henry

Marcos Augusto Flôres e Vladimir Simões da Luz Junior
4422 – 2021

Henry não lembrava a última vez que teve que andar de ônibus. Já andara alguma vez, é claro, mas não se recordava precisamente. Será que foi em um passeio da escola para o museu de arte? Ou aquela vez que foi para o interior visitar as fazendas do avô? De qualquer maneira, se o filho de 16 anos não tivesse pegado a Porsche na noite passada e batido o automóvel, não precisaria tentar recordar a última vez que subiu em um ônibus. Henry desaprovava a ação do filho, mas lembrou-se que fez a mesma coisa com 18 anos. E pior, havia atropelado um ciclista. Por sorte, a única coisa que quebrou na ocasião foi a bicicleta do coitado. Sentado na janela ao fundo do ônibus, ficava imaginando se existiam pessoas que precisavam pegar o ônibus todos os dias. Parecia insuportável. O presidente da empresa em que Henry atuava já havia ligado perguntando o motivo de estar atrasado para a reunião com o setor de marketing. Henry deu uma desculpa esfarrapada que passou mal de manhã cedo e acabou demorando mais para sair de casa, mas não mencionou que estava indo de ônibus. Era humilhação demais.

Na metade do caminho, o ônibus parou em uma estação. Subiu uma mulher negra cheia de sacolas. Henry torceu o nariz com um cheiro forte de melão que subira junto com a moça. Um grande homem se levantou imediatamente e foi em direção à mulher. O rapaz fez um sinal para o cobrador que Henry não entendeu e pagou a passagem da mulher. Será que esse homem quer alguma coisa com essa mulher cheia de sacolas? O homem sentou no assento ao lado da mulher ensacolada. Henry indignou-se. É assim que pobre conquista uma mulher? Pagando uma pífia passagem de ônibus? Ele sempre contava uma piada no barzinho da zona sul que frequentava com os amigos que mais caro que uma esposa era apenas ter uma amante. Uma das suas amantes havia exigido ir em um restaurante classificado com duas estrelas Michelin para continuar saindo com ele. Poderia dispensá-la, mas iria parecer que se isentou porque ele era pobre. Se alguém escutasse o que se falava neste bar pensaria que estava em Wall Street. As conversas sempre voltavam para o assunto de quem tem mais dinheiro. Henry não conseguiu conter o sorriso vendo a expressão de raiva de seus amigos no dia que chegou com sua nova Porsche. Que agora estava destruída. Ele já havia notado que aqueles não eram seus amigos de fato, mas não se importava. Seu ego saía amaciado de lá.

Enquanto Henry pensava no bar da zona sul, o clima daquele ônibus mudou. Uma gritaria se instaurou, um rapaz perto dele, junto com aquele homem que paquerava a mulher, começaram a anunciar um assalto. Henry começou a entrar em pânico. Não temia a morte. Temia ser encontrado morto andando de ônibus! O que pensariam dele? A sua magnífica história ter um fim tão patético quanto dar adeus a este mundo dentro de um transporte público! Henry Cooper, o homem que morreu em um assento de ônibus, que descanse em paz. Que coisa mais deplorável! Sentia suas mãos tremendo imaginando esganar aquele maldito filho que o fizera estar passando por aquela situação! Não conseguiu olhar nos olhos do assaltante, apenas pegou seu celular e carteira e jogou em direção ao corredor. 

No momento em que abriu os olhos, os assaltantes não estavam mais lá. Agora jazia um silêncio absoluto. Todas as pessoas com aqueles rostos estáticos cujos olhos estavam arregalados e bocas esbranquiçadas. Em um novo ímpeto, uma nova gritaria irrompeu. Um passageiro acusou aquela mulher ensacolada de estar junto com os criminosos, uma vez que foi a única poupada daquele assalto. Henry hesitou em defendê-la porque pensara que talvez os assaltantes não tenham visto nada de valor em uma sacola de frutas com melões. Mas ficou com medo de parecer rude demais. Não tinha coragem de dizer o desprezo que pensava em seu âmago. Preferiu dizer que se a mulher tivesse com os assaltantes, desceria junto. Um passageiro lá da frente gritou que ela ficou no ônibus apenas para disfarçar. Agora o clima de ódio estava por todo ônibus. Aquele rapaz que irrompeu o silêncio após o assalto agrediu a mulher no rosto. Mais passageiros foram pra cima da mulher ensacolada. Socaram seu corpo, chutaram suas costelas e pisotearam sua face. Só recuaram quando o motorista os parou alegando que conhecia a mulher. Henry ficou assistindo tudo, imóvel.

Henry chegou ao seu destino. Quando saiu do ônibus quase tropeçou em um dos melões que da sacola arrebentada da mulher caíram. Ao chegar no trabalho, deu de cara com o presidente da empresa. O presidente perguntou se ele já estava bem de saúde, levantando a sobrancelha esquerda com uma cara pra lá de desconfiada, como se já soubesse que Henry havia mentido. Henry percebeu que o presidente descobriu que não havia passado mal coisa nenhuma. Senhor presidente, preciso te confessar. Henry engoliu seco. Não sei como começar a te explicar… foi algo traumatizante em um grau muito elevado. Preciso de um tempo para me recuperar deste ocorrido, peço mil perdões. É uma árdua tarefa ver o que vi e remanescer calmo. Senhor presidente… a minha Porsche deu perda total.

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