“Torto arado”

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JUNIOR, Itamar Vieira. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2021. 264 p.

Tendo conquistado o público e a crítica, Torto arado, livro lançado em 2019 pela editora Todavia, alcançou, no início de 2021, a marca de 100 mil exemplares vendidos. Itamar Vieira Junior, o exímio escritor dessa obra, nasceu no ano de 1979, em Salvador, Bahia. Geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA, possui outras publicações, como os livros de contos Dias e A oração do carrasco, ambos premiados. As obras e interesses acadêmicos do escritor revelam a forte conexão com seu estado natal e com as questões étnicas presentes no Brasil. Considerado o maior fenômeno da literatura brasileira atual, Itamar continua conciliando seu trabalho como geógrafo e a escrita. Seu último lançamento, denominado Doramar ou a odisseia, publicado em maio de 2021, reúne 12 contos que trabalham com a realidade brasileira e, assim como Torto arado, conectam profundamente os leitores brasileiros com a sua cultura, além de abordar constantemente as diversas questões sociais vividas no país.

O livro Torto arado contém uma capa brochura na cor salmão, com o título em vermelho e possui uma bela ilustração de duas mulheres negras de mãos dadas enquanto seguram espadas de São Jorge. Sua leitura inclui 264 páginas, sendo dividido em três partes distintas: “Fio de corte”, “Torto arado” e “Rio de sangue”. As partes contam com 15, 24 e 14 capítulos, respectivamente.

No primeiro capítulo, há um acontecimento, de certa forma iniciático, que irá refletir fortemente no desenvolvimento das personagens principais deste livro, direcionando suas personalidades e modo de agir. A partir da trágica cena, há a formação de um laço poderoso entre as irmãs Bibiana e Belonísia, as duas fortes protagonistas da história, a ponto de uma se tornar a voz da outra. Ambas filhas de trabalhadores do campo e descendentes de escravos, irão crescer e se desenvolver em meio ao sertão baiano, com sua cansativa rotina de trabalho e em meio às tradições afro-brasileiras transmitidas por seus pais e vizinhos. Com o crescimento, vêm as diferentes visões de mundo, a individualidade se torna mais definida e, dessa forma, a proximidade entre as irmãs vai se esmaecendo.

No decorrer da primeira parte do livro, acompanha-se a narrativa de Bibiana, a irmã mais velha, acerca do seu crescimento no meio rural. Com constante apreço pelo aprender, Bibiana não se conforma com a falta de acesso à educação da sua gente e o estigma de servidão imposto a eles, constantemente  batalhando a fim de obterem o mínimo de dignidade para viverem. Os pais das irmãs, sempre incentivando a busca pela educação para que os filhos tivessem uma vida melhor do que a determinada a eles, conseguem possibilitar a criação de uma escola em Água Negra, a fazenda em que vivem. Nessa nova oportunidade, Bibiana demonstra o sonho de se tornar professora e lutar por tudo aquilo que foi negado à sua família e aos seus conterrâneos.

Na parte denominada como “Torto arado”, acompanha-se a narrativa da irmã Belonísia. Ao contrário de Bibiana,  Belonísia possui grande paixão pela terra, aprendendo com seu pai sobre os segredos do vento, das nuvens e das ervas e raízes. Em sua vida na fazenda, a irmã mais nova se depara com inúmeras dificuldades e injustiças, demonstrando o quanto o trabalho pesado e as condições de sobrevivência não dão aos moradores uma chance de ter a vida que eles merecem. A dureza da terra e do trabalho é expressa a partir da fala de Belonísia, com quem sempre estiveram seus ancestrais, prestando-lhe companhia, assim como a todos aqueles pertencentes a Água Negra.

Na última parte do livro, há, com indescritível lirismo, o desencadear da história de Bibiana e Belonísia. Acima de tudo, consegue-se observar a antiga conexão entre a vida das irmãs, como elas crescem e se tornam resilientes mulheres, moldando-se fortemente perante o mundo hostil em que vivem. Por fim, o livro se encerra refletindo todas as batalhas das protagonistas, fazendo escorrer por suas páginas a luta contra todo um injusto sistema, e o trabalho daqueles que não possuem acesso ao bem-estar de uma vida que seria sua por direito.

O escritor, ao decorrer de toda a obra, consegue exprimir, em uma bela narrativa, os enfrentamentos de um povo que há muito busca seu lugar de direito como cidadão, aliás, como ser humano. Com maestria, numa escrita quase musical, é descrita a paixão pela terra, pelo trabalho e a militância em prol de cada pessoa pertencente à fazenda de Água Negra. Refletindo a crítica que existe em cima da obra, Torto arado impacta o leitor do início ao fim, apresentando uma leitura bela e fluída, além de abalar fortemente com as questões debatidas. Não há um tipo específico de leitor para esta obra, pelo contrário, é indicada para todos aqueles que querem conhecer mais das raízes brasileiras e do povo que aqui vive, seus inúmeros conflitos diários e, ainda mais, as marcas que ainda restam de um passado escravocrata.

Emilly Kennieli Pimentel da Silva
Estudante do Curso Técnico de Eletrônica
Fundação Liberato

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