Aos bixos, com carinho…

Bixos-maior

A importância de uma coisa, já dizia o poeta, não se mede com instrumentos… mas pelo encantamento que ela produz em nós. E a chegada dos bixos de 2023 na Fundação Liberato pode mostrar como simples atitudes de acolhimento e afeto são significativas para quem inicia sua jornada no Ensino Médio.

Como proposta de redação, para uma avaliação diagnóstica, foi solicitado aos estudantes de seis turmas de primeira série que narrassem o seu primeiro dia na Liberato. Para isso, eles realizaram a leitura e a análise do conto Primeiro dia, de Geovani Martins, no qual o protagonista troca de escola, ingressando nas séries finais do Ensino Fundamental. 

Para a produção textual, não houve definição de gênero textual, e a tipologia deveria ser essencialmente narrativa. O título também foi pré-definido: “Primeiro dia”. A resposta à atividade foi surpreendente. As produções se dividiram em contos e relatos pessoais, em sua maioria, e em ambos os gêneros havia a presença de elementos responsáveis por tornar a entrada desses jovens na escola uma experiência inesquecível: o fortalecimento de laços familiares, o início de novas amizades e a certeza de que é possível fazer e ser diferente a qualquer tempo.

Os textos selecionados para ilustrar essa experiência mostram o quanto o ingresso na Liberato é intenso e marcante para os bixos. Entre os relatos pessoais produzidos, muitos destacaram o acolhimento inicial dos padrinhos de turma e da equipe gincaneira, assim como o apoio da família e a certeza de que vale a pena investir tempo de estudo e dedicação em um curso técnico; entre os contos, algumas situações criadas pelos autores dos textos traziam novas perspectivas de vida para personagens excluídos e periféricos. Nesse sentido, ao longo da avaliação linguística dos trabalhos, identifiquei sentimentos recorrentes nos jovens ingressos de outros anos também: o orgulho por estar aqui e o comprometimento com tudo o que a Liberato pode oferecer para cada um deles. Dúvida, medo, coragem e alegria se misturam para compor o adolescente que a escola recebe a cada início de ano. Além do olhar de avaliação linguística para essas produções, dirijo a cada um de seus autores meu sentimento de admiração e acolhimento, tamanha a entrega de muitos à proposta. 

O texto de João Pedro, da turma 3112, traz como protagonista um estudante desacreditado, com poucas chances de dar certo na vida, aos olhos de muitos, e sua entrada na Liberato prova que ele é capaz de mudar a própria história. Já na produção de Thiago Milk, da turma 4111, a palavra carinhosa da mãe foi o suporte necessário para vencer os desafios de chegar em uma escola enorme como a nossa e não conhecer ninguém. E o último texto, de Sabrina Kofahl, da turma 4112, confirma a necessidade de se criarem laços para que a caminhada por aqui seja mais feliz.

Divido com vocês uma pequena amostra de um trabalho de redação que vai ficar na minha memória e no meu coração, reacendendo em mim a certeza de que, a cada ano, a entrada dos bixos da Liberato é um carinho na alma desta professora. 

Íris Vitória Pires Lisboa Professora de Língua Portuguesa e Literatura Fundação Liberato

Íris Vitória Pires Lisboa
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Fundação Liberato


Primeiro dia de aula

O relógio marcava 4h56min da manhã, e o menino já estava trêmulo e pensativo. Inconformado com a sua ansiedade, levantou-se e foi  ao banheiro. Apesar dos passos concentrados para não despertar sua mãe, foi indagado se havia dormido e prontamente confirmou que sim. Sabiam, porém, mãe e filho, que era mentira, pois ele estava visivelmente ansioso e cansado.

Lá pelas 5h40min, despedia-se de sua mãe, que o abraçava em lágrimas, expressando o orgulho que tinha do menino, vindo de uma realidade sem perspectiva e indo estudar em uma escola daquelas… Justamente seu filho, que nunca tinha sido bem quisto pelos professores.

No ônibus, enquanto por duas horas encarava as casinhas e os barracos se transformando em prédios de moradia e comércio, se lembrava da conversa na casa de seu amigo, no dia anterior.

‒ Oh, Big, a verdade é que geral já esperava, tu sempre foi liso, tu sempre fazia tudo fácil demais, já via lá na frente. Agora vai estourar na escola! Faz pela gente! Meu primo já quer ser que nem tu, inteligente, parceiro. Queria que meu irmão tivesse tido essa ideia quando dava tempo…

Aquilo demonstrava que tudo, a cara de tacho dos professores ao saber que um aluno da Vila do Sapo finalmente ia se dar bem, em vez de empacotar compras e ir preso, era uma missão, uma conquista de toda uma vizinhança, que via mais de seu seleto grupo se tornar grande na vida.

Enfim chegava ao seu novo lar pelos próximos cinco anos. O novo o assustava, fazia-o suar frio. Será que eu dou conta? Será que eu vou me dar bem?

Tudo, porém, cessou quando o sinal tocou, e ele viu que não era hora de ratear, como diziam seus amigos: era hora de encarar tudo aquilo e enfim conquistar todas as coisas sobre as quais ele tinha ouvido falar a vida inteira…

João Pedro Schmidt de Freitas Turma 3112

João Pedro Schmidt de Freitas
Turma 3112

 


Primeiro dia de aula

Bom, por onde começar? Estudei a vida inteira em uma escola onde, embora muitos achem que não, é tudo fácil, um pouco de atenção e a entrega em dia de trabalhos e você consegue tirar notas ótimas. Era incrível estudar lá, eu tinha muitos amigos, me dava bem com os professores e já havia me acostumado com a rotina ‒ seria até meio estranho não se adaptar em onze anos!

Agora, falando do meu primeiro dia na Liberato, eu posso afirmar que não foi nem um pouco legal, pois nós sabemos o quanto essa escola é grande, não é mesmo? No meu primeiro dia, eu me perdi um monte de vezes e a pior parte com certeza era não saber o nome de ninguém. Fora que eu estava estudando à tarde, algo de que eu francamente não gostei nem um pouco. No quarto período, depois de ficar os três primeiros e o recreio sozinho, eu já estava em completo desespero, pois ninguém sequer me deu oi. Eu lembro de repetir pra mim mesmo baixinho:

‒ Fica calmo! É só o primeiro dia em uma escola nova… faz onze anos que tu não passa por isso.

Aquele dia eu cheguei derrotado em casa. meu pai e minha mãe, felizes e ansiosos para que eu contasse sobre meu primeiro dia, fizeram eu me sentir ainda pior ao contar o quão ruim foi estar lá. Na minha cabeça parecia que eu estava sendo ingrato com tudo o que eles fizeram… Depois de um sermão no sofá meu pai sai dizendo: 

‒ Não adianta! Agora não tem mais volta ‒ ele levanta e sai de volta para o escritório.

No outro dia, eu fui para aula normalmente com a preocupação batendo na porta da mente. Foi então que abri meu fichário cinza e na primeira página está um post-it amarelo em que estava escrito:

Não tenha medo, tudo vai ficar bem! Assinado… Mãe (logo ao lado havia um coração)

Aquele simples post-it me fez sentir tão calmo e confiante que eu voltei ao meu estado normal e foi nesse dia em que conversei e sentei ao lado de várias pessoas incríveis. Embora eu tenha ficado apenas uma semana nessa turma (4123), eu consegui fazer amigos com quem converso até hoje, quase que diariamente, e que em tão pouco tempo passaram a me considerar tanto… Na minha nova turma, 4111, eu já estava confiante e fiz amigos no primeiro contato. 

Então fica a minha mais nova lição: às vezes, em um dia ruim, tudo o que precisamos é de um post-it amarelo…

Thiago Milk Rodrigues Turma 4111

Thiago Milk Rodrigues
Turma 4111


Primeiro dia

A Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha era, óbvio e claramente, para grande satisfação de Sabrina, muito diferente da sua antiga escola. Para começar, não havia a professora de Inglês dando prova no primeiro dia de aula, apenas um professor de Matemática dando uma palestra de boas-vindas. A estrutura da escola também era diferente (em vários sentidos!). A pintura estava relativamente conservada, o chão limpinho e nenhum risco proposital nas mesas. 

A amiga de Sabrina também reparou nisso, com grande surpresa : “Cadê os ‘Comi quem tá lendo’?”.

“A Liberato é uma escola de gente grande”, Sabrina respondeu.

Estava sendo incrível conviver naquele dia com caras altos e garotas que mexem no celular e mascam chiclete sem medo de serem levadas para a direção.

O único problema era como Sabrina iria fazer amigos. Não queria apenas uma! E, pensando nisso, não viu a hora passar e de repente já havia terminado a aula.  

Em casa, ela prometeu. Em casa ela pensaria melhor no assunto. Naqueles últimos momentos do primeiro dia de aula, Sabrina pescou o celular do bolso e abriu o Twitter: “Valeu, gurizada. Foi topeeeee!”.

E correu para o ônibus.

Sabrina Kofahl Turma 4112

Sabrina Kofahl
Turma 4112

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