Pinheiros Passados

pinheiro-maior

Eduardo Glück
Egresso do Curso Técnico de Eletrotécnica – Fundação Liberato
Doutorando em Linguística Aplicada – PPGLA-UNISINOS

Djeison Hoerlle
Escritor. Autor de “Jardim de Ideias”

Caminhava distraído, ouvindo uma melodia de piano muito delicada em meus fones de ouvido. Havia baixado-a há algum tempo, por conta de uma célebre frase que li em um romance, cujo nome eu sequer lembro. Em dado momento, um dos personagens criticava o gosto de seu interlocutor: “não terás um ouvido treinado se ficares preso a estas chiadeiras que chamas de rock”. Por se tratar de uma história ambientada na década de sessenta, não me admira o posicionamento crítico-conservador do personagem, e, apesar de fã incondicional do gênero, não pude tirar-lhe a razão.

A melodia era, de fato, muito agradável, o que contrastava com o caos do trânsito durante o dia que se desenrolava (ou que se enrolava ainda mais) a cada passo que eu dava. A avenida parecia mover-se junto com os carros, impulsionando-os aos mais variados destinos. O clima, por sua vez, mormacento, trazia uma certa aflição ao meu peito. Nunca me dei bem com meios-termos: preferiria mil vezes uma chuva ou um sol radiante àquele céu prata opressivo sobre minha cabeça. 

Alegrava-me, no entanto, pensar que, dali a uma esquina, dobraria à direita, entrando em uma rua contemplada por pinheiros de dezenas de metros de altura. Pinheiros sempre me inspiraram. Provavelmente, não estaria aqui escrevendo se não fossem aquelas charmosas árvores, as quais, com seu ar fantasioso, evocam diversas memórias da minha infância. Afinal, dirigia-me até meu antigo lar.

No momento em que cheguei à tal rua, o ar adocicado penetrou-me as narinas, e pude sentir, durante alguns segundos e, – uns poucos metros – toda aquela nostalgia que buscava. Foi quase como reencontrar o garotinho com “cabelo de tigela” em sua bicicleta Monark – aquela bem popular no final dos anos 90 e início dos 200 –, voando, despreocupadamente, pela rua, sem se dar conta que, um dia, aqueles momentos rotineiros trariam saudade.

Já estava prestes a me emocionar. A prodigiosa melodia que me acariciava os ouvidos, somada aos devaneios de saudade, pareciam se combinar como cores primárias em uma tela que já começava a se corroer, dando-lhe vida novamente. Isso porque, apesar de já ser um adulto, naquele momento, via o brilho do amarelo, do azul e do vermelho de todos aqueles joelhos e cotovelos que insistiam em abrirem-se a cada tombo.

E, então, a faixa de piano chegou ao fim.

Meu celular, que se encontrava no aleatório, optou pela pior escolha possível para aquele momento de paz: um rock and roll bem tradicional, de compasso par, vocal tenor e “riffs grudentos” de guitarra. A magia do momento havia acabado, e meus pensamentos pareceram, enfim, retornar ao presente e, finalmente, à clareza. Assim, perdi-me reencontrando o menino que fui, sem me dar conta que só aquela canção delicada, escolhida pelo então adulto que caminhava distraído, é que havia me conduzido à tal momento. Talvez seja sobre isso que as coisas se tratem, afinal. Entender que a felicidade só dura alguns metros no percurso, mas que, ao menos, somos nós que escolhemos a trilha.

O tempo passou e deixou saudade; entretanto, alegra-me o fato de os pinheiros continuarem ali, da mesma forma que eram anos atrás, provavelmente mais afundados em recordações nostálgicas do que eu. E, quanto a mim, sigo sempre corroído por diversos sentimentos, encontrando, na sombra daquelas árvores, um oásis, onde gozo da certeza, mesmo que momentânea, de que sou ainda o mesmo, sentindo tudo intensamente: seja a dor de um joelho ralado, seja a saudade que essas dores trazem.

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