Maria Emília Lubian
Professora de Língua Portuguesa
Fundação Liberato
Já é tradição na Liberato a produção de um curta-metragem de ficção nas turmas de primeira série. Para viabilizar isso, os estudantes precisam passar pelo estudo da estrutura narrativa, entender a presença de um conflito gerador da trama, compreender a construção de personagens e identificar a sequência de ações que dá vida à história, todos esses elementos alinhados em um gênero que compõe a obra, como suspense, terror, romance, comédia, fantasia. Para relembrar as histórias cinematográficas que marcaram o imaginário dos estudantes, nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura das 1ª séries do Ensino Médio, os grupos conversaram sobre os filmes que mais marcaram suas vidas e apontaram os motivos de suas escolhas: a ação, a atuação dos personagens, o universo apresentado, os sentimentos despertados, os lugares e as épocas retratados, as possibilidades para uma pessoa comum fazer coisas incríveis, enfim o que trouxe encantamento no cinema.
Após as conversas iniciais, foi feito o estudo de argumento de cinema, com a descrição de personagens e a escaleta de curta-metragem, para os estudantes entenderem como funciona a estrutura da peça de audiovisual. Depois dessa etapa, chegou a vez de eles produzirem o seu próprio argumento. Para isso, foi estudada a “Jornada do Herói”, de Campbell (1997), de maneira a avaliar o progresso das ações do protagonista na peça, inspirada na aplicação sugerida para o cinema estudantil, em Pereira e Garcia (2018). Sabemos que na vida a Jornada do Herói acontece de forma até inconsciente. No cinema, ela é intencionalmente aplicada para que haja ação, com personagens que superam obstáculos para conquistar seus objetivos. Dessa forma, a aplicação desse conceito no argumento foi com a intenção de se criar uma obra que pudesse encantar quem estivesse envolvido no processo de produção, da mesma maneira que já foi encantado tantas vezes pela sétima arte.
Mesmo com todas as discussões e a consulta em referências, não é tão simples “parir” uma boa ideia que, ao mesmo tempo, seja original, traga emoção e cause impacto, considerando um curta-metragem e suas características. Dessa forma, conversamos sobre a possibilidade de chamar mais alguém para esse trabalho de escrita. Alguém que não estivesse emocionalmente envolvido, sem aquele apego a uma ideia ou outra e que pudesse contribuir na produção de cada estudante. Assim, foi sugerido aos jovens que solicitassem uma proposta de argumento ao ChatGPT, para um curta-metragem de três a cinco minutos, e observassem a possibilidade de utilização dessa ideia. Num primeiro momento, os estudantes sentiram algum pudor em fazer uma solicitação para a IA, considerando, inclusive, como uma forma de trapaça ou, até mesmo, como um menosprezo de sua intelectualidade. Estimulei a liberdade de conversar com o ChatGPT, sem compromisso, para ver no que daria esse contato.
As interações ocorreram mais como uma curiosidade do que poderia ser obtido pela galera com o ChatGPT, do que como uma possibilidade real de utilização construção do argumento. Sobre essa conversa com a IA, trago algumas considerações dos alunos do Curso de Eletrônica.
Pedro Schmidt Sommer (4123): O ChatGPT deu uma ideia inicial, que fui adaptando de forma bem simplória, mas, até para excluir parte da proposta gerada no Chat, percebi que pensei mais, acabei considerando outras possibilidades. Era algo genérico que acabei desenvolvendo mais na sequência.
Miguel de Almeida da Silva (4123): Já utilizo a ferramenta para a resolução de cálculos matemáticos, no desenvolvimento de algum problema. Para a elaboração de resumos de temas das áreas de conhecimento geral, também já utilizei. Agora, percebi que na parte mais criativa o Chat GPT não é ainda muito bom. É uma boa ferramenta de consulta inicial que ajuda para um início da produção.
Rafaela dos Santos Oliveira (4124): A ideia de colocar uma história de pai e filha gerou um argumento básico no ChatGPT que usei com poucas modificações no meu argumento. Essa ideia levei para o meu grupo, acabamos aprofundando o que era superficial e acabou sendo a ideia do argumento escolhido para a produção do nosso curta. Fiquei contente com o resultado do uso dessa ferramenta.
Percebemos que os primeiros contatos com a IA, como atividade em sala de aula, ocorreram de forma tímida, tanto para os estudantes que sondavam esta parceria, como para mim, enquanto professora, ao pensar uma abordagem metodológica com ajuda do ChatGPT. Sobre os argumentos, gerados ou não com a ajuda da IA, eles se tornaram roteiros que, por sua vez, foram colocados em prática. Enfim, as turmas fizeram as gravações dos curtas. As imagens de referência que trazemos são parte dos making off das equipes e cartazes dos curtas. Com o QR code, é possível acessar o link do Festival de Curtas da Liberato. Em 2023, ampliamos as categorias e inserimos curta de 2min a 20min, Festival do Minuto e Making Of.
Os atos podem ser observados nos argumentos dos curtas, retratando as três partes principais da narrativa, de maneira a ter um equilíbrio nas ações. No entanto é possível perceber que, no gênero curta-metragem, que é de breve extensão, e, em específico, no caso dos trabalhos realizados pelos estudantes, com média de 5min, o 3º ato é pouco explorado.
REFERÊNCIAS
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10ª Edição. Pensamento: São Paulo, 1997.
PEREIRA, Josias; GARCIA, Cláudio. Roteiro de vídeo estudantil na prática. Erdfilmes, Pelotas: 2018.
VERAS, Marcelo dos Reis. Pôr do sol: filme de curta-metragem. Produto apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social habilitação Audiovisual. Universidade de Brasília, Faculdade de Comunicação, Departamento de Audiovisual e Publicidade – DAP. Orientador: Prof. Caique Novis. Brasília – DF, 2015. PDF 111p.