As ondas de rádio do passado que propagam criatividade em tempos de inteligência artificial
Josimar Dias da Silva
Maestro e Professor de Arte
Fundação Liberato
Este texto é o relato da aplicação de uma atividade colaborativa envolvendo conteúdos de teatro, de música e de artes visuais. Grupos de alunos são desafiados a criar uma produção sonora que exige o emprego de diversas linguagens artísticas, um trabalho que colabora para despertar a criatividade e a paixão pela arte.
Ao perceber meu público-alvo, os adolescentes do Ensino Médio, distante e sem familiaridade com programas de rádio, não foi difícil constatar que quase ninguém sabia como eram os antigos programas de entretenimento desse meio. A partir disso, pensei num projeto com o propósito de despertar a curiosidade e estimular reflexões sobre um modo de entretenimento do passado em contraste com os entretenimentos que preenchem os ouvidos dos discentes em seus poderosos fones de ouvido. Um interessante exemplo é a radionovela, um programa popular no Brasil nas décadas de 1940 e 1950, que surgia da dramatização do gênero literário novela. Esse formato explorava temas românticos e ficcionais, cativando a audiência por meio das interpretações dos personagens e, notavelmente, pela sonoplastia, que transportava os ouvintes para cenários imaginários. Claro, diversos aspectos sociais e culturais da época devem ser abordados e analisados criticamente, o que enriquece uma discussão em sala de aula. A radionovela nem existe mais. Como conquistá-los para realizar um trabalho dessa natureza? Eles amam é o podcast. É isso! Bingo!!!! No entanto, a ideia não foi criar um podcast do jeito que se escuta no cotidiano, mas algo que entrelaçasse todo o conhecimento adquirido em sala de aula, trazendo vida aos personagens, cenários e emoções: surge a audionovela! Sim, estou basicamente revivendo a magia das radionovelas, mas com um toque contemporâneo.
Organizados em grupos e com a distribuição voluntária de responsabilidades, habilidades e competências, a produção sonora foi minuciosamente planejada, levando em consideração diversos aspectos a serem cumpridos. Esses incluíram o tempo de duração específico definido pelo professor, a elaboração do roteiro, a seleção e preparação dos atores, a criação envolvente da narração, a incorporação da sonoplastia, a gravação do áudio, a edição do material sonoro, sua divulgação e, por fim, a exibição da criação sonora final.
No decorrer do processo, alguns estudantes me questionaram sobre a relação entre o projeto e os conteúdos que estávamos estudando, bem como sobre sua contribuição para o desenvolvimento pessoal. É nesse momento que uma sensação de alegria me encanta ao responder. Vamos lá!
O essencial é entender a natureza colaborativa desse projeto. A consciência sobre um planejamento se manifesta como um passo inicial imprescindível, uma vez que há um prazo de entrega fixado e um período de tempo predefinido para a criação do áudio final. A elaboração do roteiro, seguindo as normas específicas de formatação que se assemelham ao teatro e ao cinema, estimula a criatividade e a capacidade de contar uma história. A preparação dos atores e narradores orienta e expõe a força das expressões emocionais, a qual vimos na trajetória que remonta à Grécia Antiga, avançando até o teatro épico de Brecht. Isso se concretiza por meio de abordagens como o teatro do oprimido de Augusto Boal, sua técnica do teatro invisível e a improvisação, que se integra ao processo.
Na área da sonoplastia, retomamos princípios estudados na música, que envolvem os elementos constitutivos do som – intensidade, duração, timbre, altura e densidade – componentes que dão asas à imaginação, uma vez que compreendemos a utilidade da técnica de Foley, que se baseia no uso diversificado de materiais para simular uma variedade de efeitos sonoros. A etapa de edição de áudio, através de uma plataforma online colaborativa, amplifica a participação dos membros do grupo no âmbito da informática e da internet.
A divulgação da produção mediante um cartaz traz à tona trabalhos gráficos anteriores que confeccionamos, evidenciando o impacto representativo que uma imagem pode proporcionar. Sua simbologia transcende a utilidade puramente prática dos objetos na arte, ecoando o poder de influenciar a sociedade por meio de expressões visuais, como exemplificado pelo grafite de Banksy em sua arte de protesto. E é nesse momento que geralmente me fazem parar de falar para indagar: “Isso tudo, professor?” Sim, exatamente… e muito mais!
Escrever este relato me enche de alegria ao testemunhar como os alunos se envolvem e como os resultados são positivos com essa atividade, a qual venho proporcionando faz alguns anos às turmas e sempre a aperfeiçoando. Recentemente, enquanto folheava um livro de formação para professores sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), deparei-me com uma menção sobre o uso de novas propostas de trabalhos e tecnologias, coincidentemente como radionovelas e podcasts. Isso me fez refletir: será que isso é realmente algo novo?
Não mencionei a influência da inteligência artificial na produção da audionovela, incluindo ferramentas como Chat GPT, Bard, Dall-E e outros aplicativos que muitos relutam em adotar. Quero dizer que seu impacto varia conforme a abordagem. No entanto, assim como a duração da audionovela, o tempo de minha escrita chegou ao fim, e dessa forma certas questões aguardam o próximo capítulo para serem exploradas mais a fundo…