Há alguns anos, venho adotando uma atividade que intitulo “Reflexão filosófica”. Ela consiste em cada aluno analisar, de forma reflexiva e crítica, uma notícia, ou uma música, ou uma ideia/filósofo que permita fazermos reflexões filosóficas que vão além do achismo e que, num emaranhado de informações, permitam compreender a totalidade e interesses presentes nessas informações.
Vivemos num período em que não há falta de informação; pelo contrário, há um excesso de informação que produz muita confusão, ruído e silêncio (ECO, “Da estupidez à loucura” apud CHAUI, 2023). O próprio papel do professor começa a ser questionado: para que ele serve, se todas as informações que ele passa posso encontrar na internet? Mas Eco diz que a internet informa quase tudo, salvo como procurar, filtrar, selecionar, aceitar, rechaçar todas essas informações. Decidir qual vale a pena recordar, qual não, é uma arte sutil e revela a diferença entre os que têm professor e os que não têm. O professor pode não saber sempre selecionar tudo, mas ao menos ele sabe que precisa. Ou seja, para Eco, antes de tudo, o professor, além de informar, deve formar.
Ao desenvolver no estudante uma investigação que requer capacidade crítica e habilidade para comparar fontes distintas, se exercita os alunos na arte do discernimento, segundo Eco (no destaque que Chaui faz dele), que pode perdurar para além sala de aula e da ajuda do professor, constituindo-se um cidadão crítico e fundamental para a democracia e o bem-estar da humanidade.
As reflexões filosóficas têm a pretensão de desenvolver essa capacidade nos estudantes. Uma análise crítica sobre uma notícia selecionada, possibilitando ver a totalidade presente em tudo que acontece, quebrando o paradigma da fragmentação do conhecimento, da convivência como se tudo não fosse um processo histórico que tem concatenações com o passado e com o futuro. A partir dessa experiência, a grande maioria dos estudantes não vai ver mais as notícias, músicas e ideias (conceitos) da mesma forma, e talvez esse aprendizado seja fundamental na formação desses alunos do Ensino Médio. Muitos não terão mais professores para os orientar depois, mas, com certeza, não vão mais olhar, de uma forma passiva, o que acontece à sua volta.
A orientação crítica sobre as reflexões é o maior desafio para o professor. Talvez seja a razão pela qual muitos professores não adotem essa ferramenta pedagógica, pois não se tem uma segurança, os temas são variados e, não necessariamente, de domínio do professor. Isso desestabiliza, mas também engrandece, a sala de aula se torna efetivamente um espaço de aprendizagem comum. Ajudar a conduzir a reflexão para ver a totalidade e o que está em jogo, em cada apresentação, é um desafio.
Não podemos só criticar as tecnologias, as mídias; não vivemos mais sem elas. Mas temos, na Educação, um papel fundamental na formação de cidadãos conscientes e críticos. As próprias avaliações que são feitas sobre as reflexões mostram o quão significativas foram para o desenvolvimento crítico: “Gosto muito dessa atividade, enxergo muito potencial e avalio que aprendi demais com as reflexões dos colegas e também ao desenvolver a minha própria. Apoio muito a ideia de continuar com as reflexões”; “Eu gostei, temos a oportunidade de refletir sobre algo especificamente do nosso interesse, resultando numa troca de conhecimentos e ideias”; “Acho sim importantes, pois trazem notícias atuais e podemos relacionar os problemas atuais com o que estamos aprendendo e achar um jeito de tentar resolver esses problemas”; “Pra mim é algo muito importante, todos os dias passamos por muitas coisas e, muitas vezes, outras pessoas passam por situações piores ou têm pensamentos que não consideramos corretos. Envolver fatos do cotidiano nas aulas ajuda a entender como é o mundo, a refletir sobre nossos atos”.
Durante as apresentações, aparecem muitos temas, que jamais estudaria sem as reflexões, e percebo uma importância fundamental para o desenvolvimento do aprendizado deles e meu. Então, proponho essa prática pedagógica como uma ferramenta a ser implementada e exercitada para contribuir para que o Ensino Médio seja um espaço de formação, e não só um “trampolim” para passar no vestibular/ENEM ou para o emprego. Ou seja, o Ensino Médio deve ser um espaço de formação, e não só de informação, e a prática das reflexões filosóficas contribui muito para isso.
Referência bibliográfica
CHAUI, Marilena. Em defesa da educação pública, gratuita e democrática. Organização de Homero Santiago. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2023.