Em um mundo assolado por guerras, desastres naturais, fome, doenças e pessoas mal-intencionadas, é inevitável que, por vezes, nos sintamos desesperançosos e ansiosos com o futuro. Esses sentimentos são endêmicos à humanidade e desde sempre nos rodearam, sendo nossa responsabilidade tratá-los da forma que acharmos conveniente. Na Grécia e Roma antigas, por exemplo, homens iam às ruas para espalhar suas palavras e suas crenças, com o objetivo de ajudar seus contemporâneos em momentos de confusão mental. Eventualmente, muitos desses homens, hoje chamados de “filósofos”, atingiram alto prestígio e reconhecimento, tendo suas ideias divulgadas por toda a sociedade. Entre as principais correntes filosóficas existentes está a do Estoicismo, que, em suma, tem como objetivo o auxílio aos homens em tempos difíceis. Hoje, no entanto, muitas das antigas sabedorias perderam seu espaço no mundo moderno devido às inúmeras consequências de nossa evolução. Mentirosos cercam a sociedade, disseminando sonhos irreais e enganando pessoas ignorantes e vulneráveis. Em meio a tanta podridão, torna-se difícil distinguir o que é verdade e o que é resto. Em meio à inveja e ganância intrínsecas à humanidade, torna-se difícil separar aquilo que existe para nosso auxílio daquilo que tem outro propósito. Poucas coisas parecem realmente “puras” nos dias de hoje, e tornou-se difícil encontrar algo que nos toque o coração e que esteja isento de qualquer interesse oculto. Quando, eventualmente, encontramos algo dessa natureza, tamanho se torna nosso fascínio que chegamos a soar infantis, e a filosofia estoica, por sua vez, é certamente algo que me causa muito fascínio.
Nietzsche afirma que estoicismo se trata de “petrificação como remédio para o sofrimento”, e Hegel argumenta que essa era uma perspectiva única dos romanos, que viviam em uma sociedade dividida entre mestres e escravos, onde os últimos tinham de se agarrar à única coisa que ainda lhes restava – seus pensamentos –, a fim de construir uma barreira que pudesse ajudá-los a suportar o peso do mundo. Muitas vezes, também, o estoicismo é erroneamente interpretado como uma filosofia individualista e que prega apatia perante o mundo ao nosso redor. Isso é, na verdade, uma concepção supérflua sobre o que realmente é estoicismo. Uma maneira de introduzir a filosofia estoica e de demonstrar a interconexão de suas ideias seria listar as quatro virtudes: Coragem, Justiça, Moderação e Sabedoria. Na filosofia estoica, essas quatro virtudes são vistas como fundamentais para a existência, pois são, em sua totalidade, aquilo que nos torna capazes de seguir em frente, o conjunto específico de características que nos dá forças para lidar com as consequências de ser. Iniciando com a Coragem, chega a ser bobo dissertar sobre sua importância. É necessária Coragem para que sejamos capazes de sobreviver em um mundo que, desde sempre, tenta nos comer vivos, mas também é necessária Coragem para que sejamos bons e façamos a coisa certa. A Justiça, por sua vez, é exatamente fazer a coisa certa: como tratamos as pessoas, o que é bom para o todo, o que é bom para o indivíduo. Em suma, o que é justo. Moderação é necessária para que mantenhamos o equilíbrio, pois Coragem demais leva à inconsequência, e pouca Coragem, é claro, nos torna covardes e incapazes de seguir em direção ao nosso objetivo. Mas qual seria o objetivo? Para isso, então, serve a Sabedoria: a busca pelo conhecimento, a educação, o aprendizado com erros e acertos. De nada serve a Coragem, se é direcionada ao propósito errado; a Justiça torna-se obscura, se não há estudo e reflexão; a Moderação torna-se inviável na ausência de experimentação e aprendizagem.
De nada serve, também, a Filosofia sem o seu retrato . Independentemente do quão magníficas e encorajadoras possam parecer as palavras, é necessário que se estude, também, seus autores, seus mestres, para determinar se o que escrevem tem algum valor. Começando com Sêneca, que via, no cumprimento do dever, um serviço à humanidade e buscava sempre aplicar sua filosofia à prática. Apesar de rico, Sêneca frequentemente se colocava sob provação – é dito que bebia apenas água, comia pouco e dormia em um colchão duro. Sofreu com uma saúde frágil, foi exilado e, mais tarde, forçado ao suicídio. Sêneca buscava um estado de Eudemonia em sua vida, isto é, de acordo com a origem da palavra, “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom gênio”. Em outras palavras, Sêneca buscava a plenitude do ser através da virtude, e, diferentemente de Aristóteles, afirmava que o estado de Eudemonia poderia ser atingido sem a necessidade de bens externos. Em uma de suas obras mais populares, uma coletânea de cartas apelidada de “Cartas de um estoico”, o romano escreve a seu amigo Lucílio sobre como se tornar um devoto do Estoicismo. Nessas cartas, Sêneca destaca a importância de aprender a contentar-se com o “suficiente”, voltando nossos olhos àquilo que é verdadeiramente essencial e deixando de lado o luxo e o exagero. Não se trata de viver em uma cabana no meio da floresta, com comida e vestimenta escassas, mas sim de Moderação. Além disso, Sêneca aconselha o amigo a buscar autoaperfeiçoamento através de exercícios diários, tais como buscar reconhecer seus próprios defeitos, evitar a comparação e a exibição de si mesmo e, principalmente, cultivar o aperfeiçoamento da mente e a devoção ao presente.
Outro grande estoico que pode ser citado é, sem dúvidas, uma figura especial. Marco Aurélio, antigo imperador de Roma e chamado de “rei-filósofo” por seus contemporâneos, produziu, durante algum período de sua vida, um diário cujas escritas pareciam ter o propósito de imbuir aquele que as escrevia de coragem para suportar o peso de seu cargo. Não se trata de uma obra de Filosofia, pois carece de estrutura e tese que se defenda, mas sim de um “caderno de anotações” no qual um homem poderoso escrevia conselhos a si mesmo para evitar cair em tentação, para não ser corrompido pela podridão à espreita. “Meditações” é caracterizada pelo seu caráter íntimo e emocional, tratando não apenas da virtude, mas também da importância da compaixão, da reflexão e da autodisciplina. A obra inicia com o autor escrevendo a si mesmo, a comentar como seu dia estará repleto de pessoas arrogantes, ingratas, invejosas e grosseiras, mas que deve compreender tais imperfeições e, acima de qualquer coisa, não permitir que isso atinja seu espírito e o corrompa. Marco Aurélio também reflete profundamente acerca da morte, que acabava por ser um tema bastante presente em sua vida, visto que teve de lidar com uma praga que perdurou durante todo seu reinado, tomando a vida de aproximadamente cinco a dez milhões de romanos durante os anos de 165 a 180. Além disso, o conceito de Amor Fati (amor pelo destino) e reflexões acerca da moderação, autodisciplina, justiça e tolerância também são assuntos constantes no diário de um homem que lutava contra o infortúnio, a ira e a tentação, que lutava para ser melhor.
Por último, em contraste aos estoicos ricos e poderosos, há Epiteto, um homem que viveu a maior parte de sua vida como escravo no palácio de Nero, tendo existido, portanto, no mesmo ambiente que Sêneca, conselheiro do imperador tirano, mas em uma posição claramente distinta. Acredita-se que foi mentor de Júnio Rústico, o qual futuramente se tornaria professor de Marco Aurélio, sendo então responsável por introduzir o rei-filósofo no estudo do Estoicismo. Epiteto dedicou-se à filosofia estoica após ser liberto de sua condição de escravizado. Um de seus discípulos, Arriano, foi o responsável por organizar e publicar as notas tomadas durante suas aulas, produzindo o que hoje é chamado de “Manual de Epiteto”. Nessa obra, Epiteto sugere uma mudança na forma como vemos e interagimos com o mundo ao nosso redor. Epiteto aconselha-nos a, primeiramente, focarmos em nossas ações e percepções, pois essas são as únicas coisas sob as quais temos real controle. Tornamo-nos escravos quando dependemos de alguém ou de alguma circunstância para sermos felizes, ou para recebermos aquilo que pensamos merecer. Em um mundo onde tudo é tão rápido e imprevisível, é importante simplificar nossas preocupações e saber distinguir aquilo que está dentro e fora de nosso controle, tendo em vista que infortúnios certamente chegarão até nós, mas sabendo que somos capazes de superar esses obstáculos, que esses certamente irão passar e que, no fim, isso é o ato de viver em sua totalidade. Epiteto também destaca a importância do caráter e da virtude, esses sendo as únicas coisas que não devem ser vistas com indiferença. Aconselha-nos a fazer o que é certo e que não nos preocupemos caso alguém desaprove essa ação. Um verdadeiro filósofo não é aquele que somente disserta sobre sua filosofia, mas sim aquele que incorpora a própria filosofia, que determina o padrão e que inspira seus próximos, da mesma maneira que outro, um dia, o inspirou. Como o próprio Epiteto diria: “Se o que desejas é ser belo, faça belas escolhas”.