Primeiro lugar categoria Crônica, no Liberarte 2013
Não nasci pra ser escritora. Nunca fui muito boa para guardar datas, nunca consegui descrever cenas muito bem. Não conheço nenhuma pessoa perfeita, olhos claros, cabelos maravilhosos. Não acredito em casais perfeitos, nem nesse tal de amor à primeira vista. Não acredito que opostos se atraem. Não gosto de muita melação e acho essa história de destino marmelada. Irrito-me com lições de moral, irrito-me com felizes para sempre. Não nasci pra ser escritora porque dificilmente entendo as pessoas. Não entendo seus pensamentos e muito menos seus sentimentos.
Imaginem uma escritora que comece com “Foi naquele dia, não me lembro bem de quando, naquele lugar, vocês sabem, perto daquele outro onde aconteceu aquela coisa…”. Um desastre, sem dúvidas. Imaginem uma história onde a heroína tem espinhas na cara e o herói é um guri que se esqueceu de fazer a barba! Imaginem uma escritora que não acredita que o casal, tão bonitinho e tão perfeitinho, vá ficar junto mais do que um ano. Imaginem uma escritora que ache que certas coisas acontecem simplesmente porque acontecem e que não importam os sentimentos de qualquer um, o mundo continuará girando como se nada tivesse acontecido. Imaginem se isso poderia dar certo.
Eu não nasci para ser escritora. Não sei nem o que vestir quando acordo de manhã, como seria a figurinista de um mundo inteiro? Fico tantas vezes sem ter o que dizer, como faria as falas dos meus personagens? Tem dias que nem sei quem sou, como criarei outras pessoas?
Não nasci pra ser escritora. Todos os dias são tão parecidos, o sol nunca sorri pra mim, a lua nunca aparece pra me saudar, o vento não faz carícias, os pingos de chuva são gelados e desconfortáveis. A natureza parece estar pouco se importando para o resto do universo e eu dificilmente atribuiria ao humor das pessoas as mudanças de estação.
Não nasci pra ser escritora. Não sou onisciente, não sou onipresente. Não sei nem de mim, como saberei dos outros? Acredito que o mundo já tem problemas demais e criar mais deles pelo simples prazer de solucioná-los me parece babaquice. Não nasci pra ser escritora, não sei escrever poemas. Não sei escrever poesias. Não sei escrever crônicas, contos, peças ou até mesmo cantorias. Não sei nem escrever rimas. Conheço uma ou duas palavras, e aos poucos tento emendá-las, remendá-las e fazê-las parecerem menos estúpidas do que na verdade são.
Não nasci pra ser escritora, sobram-me pontos, sobram-me vírgulas. Faltam-me sinônimos, faltam-me substantivos, faltam-me os verbos, principalmente os intransitivos.
Não nasci pra ser escritora, mas mesmo assim escrevo. Escrevo porque dentro de mim tem essa coisa. Esse ser estranho, essa voz que sussurra coisas tão altas ao pé do meu ouvido. E essa, sim, sabe de tudo, vê tudo, lembra-se de tudo. A essa não sobram dúvidas, a essa não faltam palavras. A essa tudo tem um sentido, a essa nada é obra do acaso. E ela vai me dizendo, vá pra esquerda, dobre à direita, vá mais rápido. E eu sigo, sem pestanejar.
Porque, afinal, eu posso não ter nascido pra ser escritora, mas venho vivendo toda minha vida para isso.