PORQUE PISCAR É PRECISO…

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A vida Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.    Trecho de Memórias de Emília, de Monteiro Lobato, 1936.

 

Desde que me conheço por gente penso em ser professora. Aos nove anos de idade alfabetizei minha vizinha de cinco anos, mais tarde quando iniciei o Magistério, minhas sobrinhas se tornaram as novas cobaias. Ensinava o conteúdo da série posterior para adiantar os conhecimentos que seriam fundamentais, na opinião empírica do projeto de professora de 15 anos. Ao longo do curso, sempre que podia ia dar aulas em escolas, substituindo professores. As crianças eram deixadas sob minha responsabilidade que, alegremente, ministrava aulas simples deixadas pelas profissionais ou até improvisadas por mim e sonhava com o dia que tivesse minha própria turminha. O curso chegou ao fim e, aos dezessete anos, já atuava como professora oficineira de teatro, de hora do conto e o que mais fosse possível inventar, além de realizar o estágio formal para a conclusão do curso, tudo isso no recém- inaugurado Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente em Carazinho. Ao longo do tempo, os desafios e as frustrações, bem como a possibilidade de atuar em diferentes clientelas nunca me afastaram do desejo de seguir esta profissão.

Estudei Letras, trabalhei em escola rural em Não-Me-Toque, na localidade de Bom Sucesso, e ali pude vivenciar, além da sala de aula, a possibilidade de dirigir espetáculos teatrais. Também ingressei no Magistério Estadual e atuei com alunos pequenos, Ensino Médio e na educação de jovens e adultos. Continuei paralelamente à atividade docente, realizando cursos para a qualificação profissional. Por fim, depois de outros concursos, já trabalhava no magistério municipal em Carazinho em 2010. Porém, cheguei a um impasse. Desde muito cedo, experimentei e vivenciei muita coisa do magistério e acabei “na crise da meia idade na profissão”, já queria algo diferente e no que acreditar. Sim, estava descrente do sistema e das politicagens que interferiam na vontade de qualquer um fazer um bom trabalho na educação. Pensei, o que fazer? Onde trabalhar, pois sei ser professora, gosto do que faço, enfim, percebi que o ambiente local, o modo de pensar do povo é que me incomodava e não o meu trabalho.

Tratei de procurar uma nova oportunidade de trabalho e vi no mesmo site da empresa dos concursos, que, prestei tanto em Passo Fundo, como em Carazinho, inscrições abertas para a “Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Viera da Cunha”. Pensei que instituição era esta?  Como funcionava? No Vale do Sinos. Tudo bem, será uma experiência diferente… uma escola técnica… vou me inscrever. Fiz a prova, mesmo sem ter tido o tempo adequado para o preparo, uma vez que estava com trabalho até o pescoço. Fui aprovada na prova escrita e pensei em enviar pelo correio os documentos para a prova de títulos. O ano terminou e veio o seguinte, no final do segundo semestre, recebi e-mail do RH para saber da minha vontade de atuar na Fundação no ano seguinte. Mas eu, com toda a correria do trabalho, mesmo tendo respondido que teria interesse, esqueci o assunto. Já iniciava o ano letivo de 2012, e novamente o pessoal entrou em contato para assumir de imediato. Eu deveria, caso aceitasse, organizar minha vida de quinta-feira à terça da semana seguinte e comparecer para a tramitação legal de posse no cargo. As perguntas que me fiz de início ao prestar o concurso tratei de responder, agora com mais dados. Pesquisei e logo fiquei encantada com as possibilidades de trabalho que a Fundação Liberato poderia oferecer. A oportunidade de ter um recomeço, algo que ainda não tinha vivido e a possibilidade de sair de um ambiente que eu considerava doentio me fez agir. Concluir alguns compromissos, pedir demissão de um trabalho e remoção de outro, em um tempo muito curto, foi um turbilhão. E esse turbilhão, o sabor da aventura e a expectativa do porvir me fizeram ganhar asas. E eis-me aqui.

Analisando o relato até agora, reflito que estou como os meus alunos, tentando situar seu personagem no texto, para então contar suas aventuras. A parte que tem graça na história. Isto porque, foi chegar aqui na escola para retomar os sonhos. Sonhos que estavam adormecidos. O ideal de fazer algo pelo aluno, presenciar seu crescimento e poder, junto com ele, projetar um futuro de sucesso é o meu cotidiano agora.

A vida toda trabalhei, busquei, acreditei e quando estava quase perdendo a esperança em encontrar o meu lugar é que as coisas aconteceram. Antes ensaiava em como seria trabalhar com dignidade e reconhecimento, hoje vivo esta realidade todos os dias. Além disso, já posso dizer, como os antigos da Liberato, que ela é uma família, ou melhor, parte da minha.

 

* Relato integrante do Projeto Trajetórias de Vida – GT Trajetos

Maria Emília Lubian Professora da Fundação Liberato

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Professora da Fundação Liberato

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