EGITO – IMPRESSÕES E VIVÊNCIAS DE UMA BAILARINA

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Vontade de ir ao Egito sempre tive, desde criança. Fascinava-me a história, mitos e lendas, as pirâmides, a cultura milenar e exótica. A dança do ventre veio como uma consequência dessa admiração, dessa curiosidade. Mas… como me comunicar lá? Será que vou conseguir juntar o dinheiro suficiente? E, assim, vieram as aulas de inglês e a poupança, cada mês um pouquinho sendo guardado.

Quando veio a oportunidade, através da minha grande amiga Hannyah, eu tinha o dinheiro, a possibilidade de conseguir uma licença no trabalho e o inglês já em um “nível de sobrevivência básica”. Mas, ainda, o medo do desconhecido me segurava no mesmo lugar. E, no momento em que pensei: “quer saber? Eu vou, com medo e tudo!”, a viagem já começou, dois meses antes da data programada. Porque a viagem já começa quando decidimos viajar: a percepção aumenta, e os sonhos do que será visto, sentido e vivido começam a se formar na mente e no coração.

Feitos os preparativos, as milhares de dúvidas na aula de inglês, as trocas de cada trocadinho a mais por dólares no câmbio, a compra da passagem aérea com preços em alta pela Copa do Mundo, e que tem como única possibilidade de conexão a Etiópia…chega o grande dia! Coração aos saltos, emoção à flor da pele, embarquei rumo ao Egito. Foram 36 horas na ida (contando o tempo em voo e o tempo de espera entre conexões). Minha observação, aguçada pela ânsia de aprender, já começou a traçar algumas relações: a mulher etíope é tão charmosa e linda! Mas não aquele charme forçado, mas algo tão natural como respirar. Esguia e com formas arredondadas no corpo, feminina ao extremo. Cristã, pois a Etiópia é majoritariamente cristã, não usava véu. E já fiquei curiosa: como será a mulher egípcia?

Na chegada ao aeroporto, fomos recebidas pela organizadora da excursão, Greydi, e pelo nosso guia no Egito, Sabry. Ambos falavam português, o que foi um descanso para meu cérebro! E, ao chegar ao hotel, o cansaço era enorme, mas a vontade de explorar era maior: 3 horas de sono e vamos às pirâmides!

Eu sabia que nosso quarto ficava de frente para as pirâmides. Acordei antes, abri a cortina e quase caí para trás: lá estava ela, a grande pirâmide de Queóps, com toda a sua majestade, na minha frente. Achei que ia chorar, mas só conseguia rir!

As pirâmides e a Esfinge ficam do outro lado da rua do Hotel Mena House, onde estávamos hospedadas. Eu nunca pensei que fosse tão perto! Nesse dia, conheci as três pirâmides, a Esfinge e andei de camelo. Todos os meus poros estavam prontos para receber aquele pó, aquele calor, aquele sol. A energia é incrível, a gente se sente pequeno e grandioso, ao mesmo tempo. Tive coragem e entrei na grande pirâmide, caminhando de cócoras e subindo até a câmara funerária do grande faraó. É claustrofóbico ao extremo, mas vale a chegada na sala de mármore negro!

Agora, andar de camelo! Eu estava morrendo de medo, mas sabia que ia me arrepender se não fosse! Esse passeio, entre as pirâmides, sentindo o sol e o calor do deserto, trouxe-me uma sensação de pertencimento àquele lugar indescritível.

No mesmo dia, fiz a inscrição no Festival Ahlam wa Sahlan. E, à noite, tivemos o show de gala de abertura do Festival. Foi maravilhoso! Sentir a dança acontecendo em um festival desse porte, com grandes profissionais, é único!

Os próximos dias foram sucessões de experiências únicas. As aulas eram incríveis; o hotel, belíssimo; a comida, exótica, temperada e saborosa; os passeios, mágicos, com as histórias incríveis do guia Sabry e o carinho e cuidado extremo na organização de Greydi.

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AS AULAS DO FESTIVAL AHLAM WA SAHLAN

As aulas foram incríveis, diferentes e repletas de novidades! Bailarinas de todo o mundo! A sensação que tive é que até as mestras estavam emocionadas por estarem ali!

Ficou marcada a frase de madame Raqia, a organizadora do Festival: “você pode ser americana, chinesa, russa ou brasileira mas, quando dança, precisa sentir a música como uma egípcia”. Essa foi a última aula que fiz, e entendi TANTO essa frase, pela beleza de um momento vivido há alguns dias atrás: em um jantar em um navio no Nilo, tive o privilégio de ver uma egípcia dançando para seu marido, no cantinho do palco da bailarina principal, quando os clientes foram convidados a dançar. Os movimentos dela eram delicados, sutis, extremamente femininos e graciosos, e… ela não tirava os olhos do marido, e nem ele tirava os olhos dela! Chorei de soluçar, de tanta emoção!

OS PASSEIOS

Nosso guia egípcio, Sabry, nos recebia a cada manhã no hall do hotel com a mesma frase: “bom-dia, família! Vamos para mais um passeio!”. Essa acolhida foi tão importante, tão carinhosa!

O trânsito é caótico, sem regras e sem semáforos. Os carros andam na contramão, muitas buzinas, mas eles se entendem! Não vi nenhum acidente. E é tão difícil atravessar a rua…

O Cairo é uma cidade muito bonita, antiga, e parece que sempre tem poeira no ar (de manhã, a gente nem consegue enxergar os prédios, como se fosse uma névoa). Os passeios mais significativos para mim foram: o Museu do Cairo, a mesquita de Mohamed Ali (onde chorei copiosamente, depois da aula sobre Islamismo de Sabry – o amor dele por sua religião me comoveu, e estar dentro de uma mesquita tão bela me emocionou profundamente), o rio Nilo (fonte da vida, tudo acontece às suas margens, a cidade cresce ao seu lado) e o mercado Khan el Khalili (um local que revela muito sobre o povo e suas relações ancestrais com o comércio).

Alexandria é uma cidade litorânea muito bonita. Tem um clima diferente do Cairo, deve ser o Mar Mediterrâneo… Lá, conheci o local do antigo Farol de Alexandria (onde hoje há um forte), a nova biblioteca de Alexandria (supermoderna!) e o local da antiga biblioteca de Alexandria, onde Cleópatra construiu um templo.

O POVO

Penso que 10 dias não são suficientes para se traçar um perfil de um povo. Mas eu estava tão aberta a tudo e observei e perguntei tanto para Sabry que vou me atrever a isso!

O povo egípcio é um povo extremamente sofrido, mas também extremamente alegre. Achei-os muito parecidos com os brasileiros, nesse aspecto! E eles AMAM O BRASIL! Ficavam muito felizes quando eu dizia que era brasileira! “BRASIL! SAMBA! SAMBA!” ou alguma referência à Copa do Mundo era o que eu mais ouvia. Inclusive, eles estavam torcendo muito para nossa seleção!

Os homens são muito galantes com as mulheres. Recebi muitos elogios, na sua maioria respeitosos, na rua e nos passeios. O homem egípcio PRECISA FALAR, enquanto o brasileiro precisa OLHAR. Mas nunca fui desrespeitada, ou me senti constrangida. Claro, demorei um pouco para me acostumar com o jeito deles, mas depois que entendi a necessidade de falar e não fiquei tentando entendê-los por uma ótica ocidental, só recebi os elogios com gratidão! Até que, no último dia, fui pedida em casamento pelo joalheiro (da joalheria onde estava comprando algumas peças em ouro – como o ouro egípcio é belo!). Ainda não sei se era brincadeira ou a sério, mas pela expressão de Sabry e dele, o negócio era sério! A proposta era para ser a segunda esposa, tinha dote e ouro envolvidos, e o motivo do pedido era porque “meus olhos eram sinceros e meu sorriso era bonito”. Fiquei me sentindo muito especial! Mas, claro, não aceitei (até porque sou comprometida!), mas deixei claro que me sentia muito lisonjeada pelo pedido!

As mulheres andam na rua cobertas, se são muçulmanas (a grande maioria da população, cerca de 80%, segundo Sabry). Cerca de 15% das mulheres são católicas e andam sem véu. Vi poucas na rua sem véu. Sabry comentou que algumas mulheres muçulmanas não estão usando véu, e isso está sendo aceito, aos poucos. “Minha mulher usa véu”, ele comentou. As que andam cobertas são tão lindas… aparecem só o rosto e as mãos. E não parecem desconfortáveis. São belas e charmosas, só que mais contidas, em público: é só uma cultura diferente, em que as mulheres são muito mais protegidas do que oprimidas. Foi a sensação que tive.

O Egito pós-revolução de 2011 está numa alegria só pela eleição de El Sisi, o presidente recém-eleito. Nossa canção de viagem foi, definitivamente, o jingle eleitoral dele. Tocava em todo lugar, e a gente pedia para tocar na van! A música fala de um Egito feito para todos, do norte (Said) até o litoral (Alexandria – Excandarania), representando “desde Mohamed até Aziza”!

No Festival, essa música foi dançada por todos, na abertura, e Aziza do Cairo disse: “Bem-vindos ao Novo Egito!”.

O QUE APRENDI

Nossa, aprendi tantas coisas! Nunca tinha viajado para tão longe, então, os aprendizados são muitos…

Primeiro, senti a mudança na minha dança, na minha “bailarina interior”, que se modificou no âmago, na essência, pelo contato direto com a cultura, com o povo e com as grandes mestras do Festival, na sua terra.

Entendi que, quando só se tem a opção de
se comunicar em inglês, a gente consegue “destravar a língua” e lembra palavras que nem sabia que se sabia!

Aprendi que as mulheres africanas (pela observação da mulher etíope e da mulher egípcia) são belíssimas, fortes e charmosas ao extremo, mesmo escondidas atrás de um véu.

Ganhei mais dois membros na minha família do coração, dos quais já sinto saudade: meu querido Sabry e minha querida Greidy!

Percebi que o dinheiro que se aplica em uma viagem dos sonhos é o melhor investimento possível, porque te modifica por dentro!

E, finalmente… uma ansiedade que eu sempre tive, de algo que eu nem sabia o que era…quando estava no passeio de camelo, junto às pirâmides, passou. E nunca mais voltou.

Lucinara Linck

Lucinara Linck – Professora do Curso de Química – Fundação Liberato

 

 

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