Lucas e a Chuva

onlineEra um menino como todos os outros. Brincava, ria, chorava, brigava. Nunca necessariamente nessa ordem. Era um menino como todos os outros, exceto pela parte de que não era. Gostava de passar horas olhando para o céu, perscrutando o teto azul do mundo, sempre em busca de uma nuvem vestida de cinza que estivesse pronta para lhe trazer a chuva.

A Chuva. E Lucas. Lucas e a Chuva.

Tudo começou muito antes de Lucas. Ou talvez tudo tenha começado, exatamente, com ele.

Era uma quinta-feira qualquer, perdida entre uma semana qualquer, de um ano qualquer. Uma quinta-feira, não uma esperada sexta, nem uma odiada segunda. Uma quinta, apenas. Sem feriado, sem menção especial. Uma quinta qualquer. Uma quinta-feira de chuva.

Uma menina qualquer corre pela calçada, fugindo da chuva. Um menino qualquer sai da livraria, pensando em como fará para não molhar os livros de seu pai. Um instante. É só o que é necessário, um momento de distração. Um pequeno acidente numa esquina escorregadia da vida.

Um instante. Um piscar dos olhos, uma batida do coração, um sorriso tímido, uma nova paixão. A cidade cinzenta é palco e plateia de mais uma história de amor. Dizem que não existem inocentes no amor, apenas vítimas. Seria certo, então, dizer que aquele havia sido um acidente fatal.

Alguns anos depois, finalmente chegamos ao Lucas. Fazia sol lá fora, mas os olhos de seus pais eram manchados pela chuva mais bonita que já se viu. Riam-se e sorriam-se, a felicidade que os transbordava era maior que o próprio universo. Mas não por muito tempo.

A chuva que um dia viera para juntar os pais de Lucas foi a mesma que veio ao mundo para separá-los. Ruas molhadas, cidade escorregadia. Mais um acidente e dessa vez mais fatal ainda. O pai de Lucas enfrentou a maior tempestade de sua vida, a mãe de Lucas não enfrentou mais nada.

O tempo passaria e chegaria o momento em que o pai de Lucas lhe explicaria que sua mãe apenas no céu existia. E, a partir de então, o coração de Lucas com o seu olhar viajou. E cada nuvem explorou. E em cada arco-íris encontrou o sorriso dela. E em cada noite de vento forte, ouviu sua voz a lhe cantar. E a cada manhã de inverno, se encantava com seu tom de azul mais azul que qualquer outra coisa poderia ser.

Mas nada disso se comparava à chuva. Deitado no jardim ele esperava pelas nuvens cinzentas, pelo cheiro de liberdade, pela atmosfera ansiosa do mundo antes do primeiro pingo cair. E quando ela finalmente vinha, como uma fina garoa ou como tempestade de verão, Lucas abria os braços e deixava ela alcançá-lo. Finalmente estava em paz consigo mesmo.

Não há nada no mundo como carinho de mãe.

 

Primeiro Lugar Categoria Conto Liberarte 2014

Bibiana

Bibiana da Costa Davila      Aluna do Curso Técnico de Eletrônica Fundação Liberato

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