Bibliotecas e os Poderes Mágicos

12-biblioteca-magicos-cabecalhoUma Biblioteca é repleta de mitos. Muitos são os poderes mágicos atribuídos a estes templos dos saberes e aos profissionais Bibliotecários. Não é para menos: estes são espaços onde está reunido tudo sobre o que foi possível se pensar ou estudar, desde o surgimento da vida no universo, passando pelos primórdios daquele que outrora andava encurvado, nu e com um tacape na mão, até a nova e atual imagem do homem, de terno, verticalizado e celularizado. Ou seja, é mágico na sua essência, pois, mesmo que não exista mais, tudo ainda está ali!

Na Biblioteca, também se encontra, além das perspectivas históricas e científicas, uma gama de obras que pensam sobre um eventual futuro. E quem poderia predizê-lo? Lembram Pierre Lévy ensaiando sobre nossos passos tão iniciantes, no seu livro “Cibercultura”, ou Alvin Tofler com a superestimulação da dimensão psicológica do indivíduo, em “Choque do Futuro”? Autores como esses teceram uma tênue teia mágica que ligava uma leitura projetiva da vida a uma provável realidade.

Além dessas obras prospectivas, também moram nas Bibliotecas todos os seres criados pela ficção, pela imaginação de quem quer que fosse, desde a fauna do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato, até os marcianos de Ray Bradbury. Como numa Babel pacífica, se avizinham nas estantes e sobrevivem à mesma temperatura e pó, a que todos se encontram expostos. Quer algo mais mágico que reunir, em um mesmo espaço, todos os personagens nascidos da mente de autores dos mais diferentes lugares, línguas, intenções e ainda assim se tornarem pronta e absolutamente recuperáveis?

No campo do sobrenatural, pensam alguns que as Bibliotecas também são lugares de espíritos, que vagam ali, almas de autores ou de vorazes leitores já idos. Há muitas histórias e dizem, cada Biblioteca tem o seu fantasma – residente, reincidente, recorrente. Eu mesma já tive a oportunidade de escutar inúmeras dessas histórias. Algumas delas contadas especulativamente por pessoas que simplesmente gostavam do frio na barriga ao tratar deste tema; outras, relatos assustadores de Bibliotecários de alto escalão na Área, pessoas da mais alta confiabilidade. Ou seja, os fantasmas de Bibliotecas superam as barreiras sociais, econômicas, culturais. Eles estão lá para quem quiser ver. E, às vezes, para quem não quiser também.

Mas os acontecimentos de outro mundo não param por aí. A magia da Biblioteca, segundo os usuários, parece dotar também os Bibliotecários de poderes extraordinários. Por exemplo, tenha em seus afazeres a guarda, o zelo e o trato com 15, 20, 50 mil exemplares e todos os assuntos contidos em cada um desses livros, escritos pelos mais variados autores. Agora, atenda alguém que lhe diz que está “procurando um livro!”. Na maior boa vontade do mundo, você pergunta: “Qual livro?” E a pessoa responde: “Não sei!”, “A professora não disse.”, “Falou, mas não me lembro.”.

Você respira fundo e tenta de outro modo: “Lembra o título?”. Não, o usuário responde. “Uma palavra!”, insiste gentilmente. “Não, nenhuma palavra”. “E o autor?!” “Não sei o nome!”. Mas nem tudo parece estar perdido. Agora, com ar de quem vai matar a charada, o pretenso leitor mostra as mãos, formatando um retângulo imaginário e diz: “É um livro, assim!” e “desenha” os quatro cantos várias vezes, na esperança de que, daqui a pouco, o Bibliotecário, seja atingido por uma luz que virá não sei de onde, acompanhada de uma musiquinha típica dos filmes em que algo transcendente acontecerá e, salte à frente dele, tendo recolhido, entre 20 mil títulos, justamente o exemplar de que ele tanto precisa.

Mas, não! A bola de cristal do Bibliotecário estava “fora da área de cobertura ou temporariamente desligada” e não rolou. Mas você não desiste. Tampouco o consulente que continua a dar pistas, dizendo: “Tem uma capa, assim… Com umas coisas escritas nela.”. Hum… o título, provavelmente. Depois de ouvir isso, você tenta manter um semblante neutro pra não matar as esperanças do leitor de encontrar o seu livro. Esta expressão complexa, de cara de samambaia, seguida de uma espremidinha nos lábios, uma entortadinha no canto da boca, um olhar afetuoso, acompanhado de um leve sorriso de conforto, tenta comunicar a ele, que esta pista ainda  não deu acesso ao livro desejado. E, então, num grau máximo de informações possíveis a serem oferecidas, ele declara definitivo: “As letras são pretas!”. “Afe Maria!” Tirando dois livros da área do esoterismo, cujas letras são lilases, agora só falta procurar entre os 19.998 livros restantes.

Bem, brincadeiras à parte, esses diálogos são reais e bem frequentes nas Bibliotecas. Pois é! Essa é uma maneira cômica de ver uma área tão importante e tão complexa quanto a nossa querida Biblioteconomia. Como, na verdade, não somos mágicos e, para termos um bom desfecho dessas e outras tantas situações que eu nem vou entrar em detalhes, é que somos responsáveis por colocar ordem nessa Babel de informações e que estudamos o atendimento ao usuário e comunidades, as entrevistas técnicas, o perfil dos usuários de cada uma das Áreas dos saberes.

Na verdade, nós, Bibliotecários, também gostaríamos de poder contar com uma certa dose de poderes mágicos. Por exemplo, que, depois de algumas das tentativas as quais lhes exemplifiquei acima, o próprio livro gritasse – não, gritasse não – sussurrasse (para não atrapalhar os demais leitores): “Sou eu que ele quer! Sou eu!”. E tudo ficaria resolvido num passe de mágica!

Carla Casagrande Bibliotecária

Carla Casagrande
Bibliotecária

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