Norma, variação e preconceito linguístico

No primeiro trimestre letivo, as turmas das primeiras séries fizeram o estudo da origem da Língua Portuguesa e de suas variações. As modificações que foram acontecendo ao longo do tempo tornaram a “língua viva”, e esse dinamismo todo fez com que a Língua Portuguesa fosse se adaptando e enriquecendo cada vez mais.

O interessante é que, ao longo do tempo, a Língua Brasileira, conservou a base mais antiga do idioma, mas com muitos acréscimos lexicais de tantas culturas dos imigrantes que vieram a formar este país continental.

Percebemos que “a língua que a gente fala” não é a mesma que aprendemos na escola. E as variações empregadas por alguns, podem se tornar motivo de dificuldade de comunicação até se chegar ao extremo do preconceito linguístico, quando essa se distancia muito da variação considerada prestigiada.

Motivados por várias leituras e documentários assistidos em aula sobre a temática, os alunos refletiram sobre essa questão e escreverem contos, cartas, relatos de viagens, diálogos, diários… todas essas produções simularam experiências envolvendo dificuldades de comunicação e/ou “preconceito linguístico”.

Professora Maria Emília Lubian (Professora de Língua Portuguesa e Literatura das 1ª Séries dos Cursos de Eletrotécnica e Eletrônica)

O gaúcho de Livramento e o taxista paulista

Há algumas semanas atrás, fui visitar minha irmã Ana Tereza. Ela mora há um bocado de tempo na cidade de São Paulo. Botei minha melhor pilcha, o melhor par de botas e peguei minhas trouxas. Fui de avião, coisa moderna.

Chegando ao aeroporto, peguei um auto e notei que o guri que dirigia, me olhava estranho. Não me aguentei e tive que perguntar.

– Mas, guri, o que tu perdeste aqui?
– Pô, tio, o quê? Cê tá viajando?
– Que tio, guri, me respeite. É claro, tu não vês que agora mesmo apeei do avião

Aquele vivente cheio de desenhos pelo braço, com aquela argola pendurada no nariz, me chamando de tio. Só que me faltava. E ainda parecia não entender bem das coisas.

– Desculpa ae, tio.
– Mas que barbaridade, guri, não sou teu tio.
– Pô, foi mau ae.
– Outra coisa, guri, abaixa esse rádio, que essa barulheira, está me ensurdecendo os ouvidos.
– Tá tranquilo, “ti…”, senhor, cê é do Sul?
– Obrigado, guri, sim, sou de Livramento, na fronteira.
– Um parça meu contou que o frio reina lá, por aqueles lados.
– Nada que um amargo não esquente.
– Amargo?
– Chimarrão, guri.

E a nossa prosa prosseguiu até a casa de minha irmã. Tchê, não é que o guri era boa gente! Meio esquisito com aquele negócio de terneiro no nariz e os rabiscos no braço, mas não é que simpatizei com o piá! Chamei para apear, charlar e tomar um chimarrão, mas ele me disse que prefere uma loira gelada, vai entender. No mais, avisou que tinha que pegar o rumo e levar outros a visitar sua querência.

Pra ti ver, que o jeito de prosear de um lugar para outro muda muito, o guri não me desrespeitou, era só o jeito de charlar dele.

Tchê, vou lá que a china veia me espera e o churrasco não se assa sozinho!

Lindiery Roberta Heller, 4124

Lindiery Roberta Heller, 4124

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vencendo o preconceito

No Nordeste brasileiro, é comum a migração para outros estados. Normalmente as pessoas saem em busca de um emprego, de uma faculdade, tudo para ter oportunidades de melhorar de vida.

Uma família muito pobre, que morava no Ceará, queria realizar o sonho de sua única filha. Então, seus pais batalhavam ao máximo para ajudá-la. A filha do casal se chamava Claudete, ela queria ser médica e seus pais trabalhavam em uma padaria da família.

A jovem queria muito passar no ENEM, mas sabia que ia ser muito difícil, pois é muito concorrido, por isso, se esforçou estudando para a prova.

Após um ano, Claudete passou no ENEM e precisou se mudar para São Paulo, para cursar sua tão sonhada faculdade. Seus pais estavam muito felizes e preocupados com a nova vida de sua filha, porque sabiam que ela ia passar por algumas dificuldades, no começo.

Claudete prometeu para seus pais que iria escrever uma carta todo mês, para contar como estavam as coisas por São Paulo. No primeiro mês, ela escreveu uma carta a eles…

São Paulo, 25 de maio de 2015.

Painho e Mainha

Estou muito feliz e vexada, muitas coisas para fazer, oxi. Em São Paulo, as coisas são muito diferentes daí, mainha. Meu sotaque impressiona meus colegas e professores, sou a única da nossa terra.

No primeiro dia, foi ruim, fui me apresentar e as pessoas acharam estranho meu nome e meu jeito de falar. Painho, meu professor é muito alesado, falou que o nome que painho me deu era de empregada, oxi gente ignorante. Acho impressionante o tamanho do preconceito das pessoas, mas com o tempo isso vai mudar.

Mainha e painho, aconteceram momentos engraçados também. Fiz um bafafá no mercado, fui no caixa e falei: “Vocês vendem macaxeira? E laranja cravo?”, depois de muito tempo entenderam o que era, oxi.

Mainha nem sabe, aqui no meu apartamento tem muito maruim.

Diz pro painho que comprei e já coloquei a alcatifa, tá divera lindo o apartamento. Agradeço o agrado.

Mainha e painho em junho vou aí visitar vocês, vamos aproveitar para ir em um arrasta-pé, porque aqui em SP não tem forró como do Ceará. Amo vocês e vou ficar aí uns dias, bem acochada com painho e mainha.

Beijos de sua filha,

Claudete!

Vocabulário

Painho – pai
Mainha – mãe
Vexada – Quer dizer envergonhado.
Oxi – É uma expressão de espanto, ou de susto.
Alesado – que diz tolices; tolo, imbecil.
Macaxeira – Nome dado nas regiões Nordeste e Norte do Brasil, ao aipim; mandioca-doce.
Laranja cravo – Fruta cítrica, cuja cor característica é o laranja.
Maruim – Mosquito dos terrenos pantanosos do Brasil.
Alcatifa – Grande tapete com que se cobre o chão ou a parede.
Divera – Surpresa. Espanto.
Arrasta-pé – Festa de cunho popular onde se dança arrastando o pé. Forró.
Acochada – dar um abraço muito forte.

Carolina Luar de Andrade, 2111

Carolina Luar de Andrade, 2111

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mesma língua, diferentes significados

A nossa história começa por volta de 2010…

Um jovem de 17 anos, após se formar no Ensino Médio, recebe uma proposta para estudar e trabalhar em Portugal. Ele conversa com seus pais e logo aceita a oferta.

Em fevereiro de 2011, ele viaja até Portugal para conhecer sua escola e local de trabalho. E, em pouco tempo, começam as aulas e o seu trabalho.

Ao chegar à escola, ele percebe algumas palavras com significados diferentes dos que ele tinha aprendido no Brasil. Chamavam-no de puto (que significa em Portugal, adolescente). Quando pedia para ir ao banheiro, todos os alunos riam dele (pois, banheiro é dito salva-vidas, e vice-versa). No trabalho, não era diferente, o modo de falar prejudicava bastante para entender o que os outros diziam, para trabalhar e explicar/atender as pessoas.

Mais ou menos por volta de julho, ele recebe uma proposta de seu professor, para fazer um trabalho sobre línguas. Como ele era alvo de muito preconceito linguístico, fez o trabalho, “Mesma língua, diferentes significados”, que explicava a variedade da Língua Portuguesa espalhada pelo mundo, em que cada país ou região tem seus sotaques distintos e palavras de diferentes significados.

Após isso, os colegas e os professores respeitavam o sotaque e as palavras que ele dizia. Além disso, com o convívio, ele aprendeu a Língua Portuguesa de Portugal, para não lhe causar mais problemas e poder interagir de forma cada vez melhor, em diferentes ambientes em que fosse conviver.

No seu aniversário, seus colegas decidiram pregar uma peça. Convidaram-no para jantar em um restaurante onde se vendia punhetas (bacalhau desfiado).

No jantar, todos pediram esse prato tradicional e perguntaram:

– E você, Daniel? Vai querer punheta?

E ele respondeu:

– Não gosto muito de bacalhau, eu prefiro um cacete mesmo!!!

Lucas Thomé Rodrigues, 4124

Lucas Thomé Rodrigues, 4124

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um Sonho Distante

Foi previsto que, daqui a alguns anos, em um mundo remoto e ainda não descoberto, uma nova sociedade seria erguida pelos homens mais humildes e exemplares do planeta Terra. A finalidade disso tudo, explicou o profeta, era de aumentar as possibilidades de a população crescer e se desenvolver em harmonia, com tolerância, paciência e altruísmo.

O nome do planeta, já autoexplicativo, era “Fantasia”. Lá, após a sociedade estar plenamente estabelecida, apesar do amplo conhecimento e dos altos níveis de alfabetização, o povo desconheceria o significado de ganância, orgulho e desprezo. Não por ignorância, e sim pelo simples fato de não necessitarem do uso de tais palavras.

Consequentemente, as pessoas seriam extremamente compreensivas quanto a erros ou mesmo formas únicas e variadas de comunicação (sem mencionar que este também era o objetivo final da colonização). Todos iriam se comunicar com o mesmo dialeto, e caso alguém criasse uma nova gíria ou expressão, coerente ou criativa, o receptor da mensagem perguntaria educadamente o que o novo código significava.

Se o termo fosse adotado pela maioria, seria utilizado globalmente, sem preconceitos ou opressões. Fantasia seria um planeta socialmente supremo, pois os cidadãos mais providos de conhecimento linguístico não utilizariam essa vantagem como justificativa para sobrepor-se a quem não dominasse o mesmo com maestria. Pelo contrário, iriam compartilhar esse conhecimento com os demais. Então, repentinamente, o suposto profeta acordou do sonho perfeito, de volta ao mundo real, infeliz e desigual onde vivia.

Gabriel Guidali, 4124

Gabriel Guidali, 4124

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências

BAGNO, Marcos. Variação linguística: preconceito linguístico. Publicado em Artigo, Educação, Português por Pedagogia ao Pé da Letra no dia 6 de novembro de 2013. <http://pedagogiaaopedaletra.com/variacao-linguistica-preconceito-linguistico/> Acesso em: 16/03/2015.

A LÍNGUA QUE A GENTE FALA. Jornal Hoje. São Paulo, Rede Globo, 18 março 2015. PROGRAMA DE TV.

LÍNGUA VIVA. Repórter Senado. Brasília, Distrito Federal, 2003.

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