Coube a mim o privilégio de receber e conduzir um experiente professor pelos corredores da 29ª MOSTRATEC. De gestos simples, expressando uma curiosidade genuína pelos projetos ali apresentados por jovens de muitas origens, chamou a atenção do professor a placa que indicava os estandes das Ciências Sociais. Para aquela direção se dirigiu. Interpelou duas jovens estudantes, que apresentavam um projeto relacionado a práticas diferenciadas em uma escola, com impactos positivos na aprendizagem. O professor apontou para um dos livros sobre a mesa do estande, e perguntou às jovens o que dele tinham achado. Uma delas se apressou a dizer, empolgada, que era um livro excelente, que tinha ajudado muito no trabalho. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que acabara de tecer um elogio ao autor da obra, que no dia seguinte daria uma de suas arrebatadoras palestras no 21° SIET.
Pedro Demo é assim. De fala bem-humorada, convicta e clara. Defende a autoridade do argumento. Aliás, de argumentos sobre a importância da pesquisa, seus mais de 90 livros estão repletos. Sua clássica obra, “Educar pela pesquisa”, é referência nos mais variados níveis de ensino – inclui-se aí, Fundação Liberato e seu Projeto Político-Pedagógico. Tê-lo conosco pessoalmente foi um privilégio. E para marcar em definitivo sua passagem por aqui, concedeu-nos por e-mail, tempos depois, uma valiosa entrevista para a Expressão Digital.
André Viegas
Coordenador de Planejamento e Avaliação
Fundação Liberato
colaboração Carmem Beltrame
Fundação Liberato
Em vários de seus trabalhos sobre educação, você faz severas críticas ao uso da “apostila” como recurso didático. Que recursos constituem uma alternativa mais adequada?
Apostila pode ser usada como “material de pesquisa”, não como texto canônico (este não existe em ciência). Deve haver na escola abundante material de pesquisa (livros, artigos, dados, revistas… também apostilas ou livros-texto) – para ser desconstruído e reconstruído. Atividades básicas de boa aprendizagem são “pesquisar & elaborar” sobre materiais dados ou sobre a realidade como tal.
A aula tradicional morreu?
É defunta, sim, porque aula copiada para ser copiada não vale nada. Mas pode haver alguma aula suplementar (palestras também) com o objetivo de promover a pesquisa. A fala docente “não faz” aprendizagem; esta, sendo dinâmica, autopoiética, é fabricada dentro do estudante, se ele quiser estudar…
O Brasil está entre as 10 maiores economias do planeta. O que falta para estar entre as 10 maiores potências em educação?
Tudo! Temos modelo universitário caduco, totalmente instrucionista (só tem aula; pesquisa é peregrina) não se faz “educação científica” (todo curso universitário deve ser educação científica – aprender a fazer ciência como autor e formar, assim, melhor o estudante – tipo iniciação científica). A formação docente básica é uma lástima – Pedagogia está entre os piores cursos (junto com Licenciatura) – ora: Pedagogia entre os piores cursos e docência básica entre as piores profissões = fórmula perfeita para um desastre perfeito.
Qual a experiência mais exitosa na educação básica brasileira que você presenciou?
Escolas monitoradas pelo prof. José Pacheco (tipo Cotia – Projeto Âncora) – são propostas de escola “integral”, não há aula – não há anos; – há três níveis de “autonomia”: inicial, intermediário e final – não há sala de aula, professores são orientadores full time, avaliadores, parceiros de estudo; há tempo de estudo, motivação para estudar, com forte envolvimento comunitário e estudantil.
Como foi para você participar da MOSTRATEC e do SIET?
Grande experiência, muito convincente, além de “enorme”. Um êxito inacreditável da Liberato. Parabéns. Acho que a Fundação ainda está presa à aula; deveria sair disso, porque pesquisa já é a mola mestra e tem tudo para ser um farol no Brasil.
Como educar pela pesquisa no Século XXI?
A sociedade/economia do conhecimento vai empurrar nesta direção, porque reproduzir conhecimento alheio não traz oportunidade nenhuma de desenvolvimento. Há países que produzem conhecimento próprio e outros que “dão aula”, são subalternos, não apresentam capacidade própria emancipatória. Precisamos sair do modelo instrucionista “oficial” – o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb) de 2013 mostrou que não estamos avançando, em especial na escola privada – só passamos a meta de 2013 nos anos iniciais do Ensino Fundamental público; no privado, em nenhum caso – um susto; a escola privada é a que mais gosta de “cursinho”, conteudismo (muitas chegam a bravatear isso, porque fazem passar nos vestibulares), aula, repasse – está colhendo o que planta. O MEC tem todos os dados para saber que sua rota está equivocada (ele mesmo fabrica os dados), mas não se retiram conclusões mínimas, por mais óbvias que pareçam. “Educar pela Pesquisa” não é fórmula pronta – é apenas uma ideia boa, entre outras tantas (pedagogia da problematização, do projeto etc.) – indica que é preciso cuidar que o estudante estude, pesquise, elabore, aprenda e produza conhecimento próprio, com qualidade formal e política.