A chuva caía impetuosamente. Nada se via, além dos grossos pingos de chuva e da névoa branca que encobria a parte superior das árvores que o cercavam. Ele estava encharcado, cansado, com muito frio e muita fome, quase não conseguia se manter de pé. Mas a floresta já estava acabando e um grande sentimento de alívio o invadiu ao enxergar uma velha mansão, que parecia abandonada, no topo de um pequeno morro.
Cambaleando, ele segue em direção à casa, na esperança de lá poder pernoitar. Ele chega ao topo, se escora na porta e suspira. Reúne as últimas forças. Tenta arrombar a porta. Não consegue, mas seu esforço não foi em vão. O barulho havia acordado um dos moradores daquela casa.
Poucos minutos depois a porta se abre. Espanto. Do lado de dentro da casa havia uma garotinha, muito pequena, de olhos azuis e um cabelinho loiro que caía pelo seu rosto como se fosse uma cortina de seda. Ainda com os olhos arregalados o homem pergunta:
– Garotinha, poderia chamar os seus pais? Talvez eles possam acolher este pobre andarilho nem que seja por uma noite…
– Entre, senhor. Meus pais estão descansando, mas não irão se importar, veja! – a garotinha espera que o homem entre. Fecha a porta e sobe as escadas correndo e saltitando, olhando para trás, de vez em quando, e esperando que o homem se aproxime. Ela o leva até um quarto em que um jovem casal está deitado na cama sob as cobertas.
– Eu não disse? Até parecem dois anjos. Você pode ficar no quarto ao lado. Tome um banho e troque de roupa, vou preparar algo para você comer.
– Muito obrigado, garotinha.
– Shiu! Não fale muito alto nem faça barulho, não queremos que ninguém acorde.
Ela sai do quarto cantarolando baixinho. O homem vai para o quarto ao lado. Pega algumas roupas no armário e toma um banho. Ele desce as escadas e procura pela cozinha. Quando a encontra, vê a mesa cheia e, em cima de um banquinho, a menina mexia uma jarra de suco enquanto cantava: “Nessa rua, nessa rua tem um bosque; que se chama, que se chama solidão; dentro dele, dentro dele mora um anjo; que roubou, que roubou meu coração”.
– Está ouvindo isso, senhor?
– A única coisa que escuto é sua cantiga.
– Ele está aqui.
– Ele quem?
– O anjo… Que vive no bosque. Na verdade ele é um devorador de almas. Eu tomaria cuidado se fosse você.
– Mas e você?
– Eu não corro esse perigo – a menina sai, deixando o homem na cozinha.
Ele se senta à mesa. Os olhos castanhos percorreram toda a mesa sem acreditar em quanta comida havia em cima dela. Passa as mãos calejadas pela face branca e pálida, depois pelos cabelos pretos deixando-os ainda mais desgrenhados.
– Tive muita sorte em achar esse lugar.
Ele começa a comer. Ouve um barulho, que parecia de alguma coisa sendo quebrada. Ele se vira para trás e percebe que está tudo no escuro, o único cômodo da casa que ainda estava iluminado era a cozinha.
Ele volta a comer. Ouve alguns passos; se vira novamente e vê um vulto passando pelo corredor, um vulto pequeno e rápido.
– Quem está aí? – nenhuma resposta. Ele ouve passos novamente, dessa vez mais perto. Sente como se alguém estivesse atrás dele, se vira, mas não vê ninguém. Outra vez, volta a comer.
– Ele está atrás de você.
– Quem disse isso? – o homem se vira e dessa vez ele vê. Vê uma criatura grande, preta, parecia que era feita de sombras, com os olhos vermelhos.
A criatura olha nos olhos do homem, parece estar sugando a sua alma. O homem fica imóvel. A criatura crava a mão no peito do homem e arranca-lhe o coração. Pega-o nos braços e sobe as escadas. Entra no quarto e enquanto coloca na cama o homem, sem coração, começa a cantar: “se eu roubei, se eu roubei teu coração; é porque, é porque te quero bem; se eu roubei, se eu roubei teu coração…” A campainha toca. A porta do quarto se abre e de lá de dentro sai uma doce garotinha de cabelos loiros, que segue em direção à porta da frente enquanto termina sua canção: “é porque tu roubaste o meu também”. Ela abre a porta e vê uma expressão de surpresa no rosto da mulher de longos cabelos negros.
– Olá, garotinha. Você poderia chamar seus pais para mim, por favor? Eu estou perdida e gostaria de ver com eles se posso passar a noite aqui.
– Entre, senhorita. Meu pai está descansando, mas ele não irá se importar, veja! – a garotinha espera que a mulher entre. Fecha a porta e sobe as escadas correndo e saltitando, olhando para trás, de vez em quando, e esperando que a mulher se aproxime. Ela a leva até um quarto onde um homem de rosto pálido e cabelos negros está deitado na cama sob as cobertas.
– Eu não disse? Até parece um anjo…