Era uma vez um belo e grande aquário, onde viviam peixes grandes, médios e pequenos. Ali imperava a lei do mais forte. Os alimentos jogados pelos tratadores eram escassos e muito disputados. Primeiro comiam os maiores, que viviam na parte alta do aquário. O que sobrava descia para a parte mediana, onde era devorado pelos peixes médios. E o que sobrava dos médios era devorado pelos pequenos, na parte funda e escura do aquário.
Na falta de alimentos, os grandes devoravam os médios e estes, por sua vez, devoravam os menores, que disputavam entre si as partículas das carniças, os ovos e os filhotes uns dos outros. Apresentavam e justificavam o sistema relacional como de justiça por tamanho e merecimento.
Ora, havia um peixinho muito pequenino, que se refugiou bem no fundo do aquário, onde podia ficar a salvo do sistema de conflito, da fome e da gula dos demais. Ali, naquelas profundezas, poucas vezes caía algum alimento, o que o favorecia, pois tirava o espaço e o peixinho do radar ganancioso dos gulosos. Então, o peixinho, ao invés de maldizer a sorte, alimentava-se de vegetais que ali brotavam e se divertia a contemplar os desenhos dos azulejos, as plantinhas, a areia e as pedras brilhantes que enfeitavam o fundo do aquário.
Um belo dia, o peixinho foi arrastado por uma correnteza e jogado de encontro ao ralo por onde saía a água do aquário. Ali ficou preso e ferido por horas, até que, com muito esforço e sacrifício conseguiu se soltar da grade do ralo. Foi um choque para ele, não tanto por se ferir, mas por descobrir que havia uma saída de água do aquário. Admirado, exclamou: “Ué! Então, este aquário não é tudo que existe!? Há outro lugar para onde essa água vai e deve ser grande, pois sai muita água daqui”. E ficou a questionar: “Para onde irá essa água que não para de correr? Será que lá é melhor para se viver?”.
O peixinho, curioso, tentou passar pelo ralo. Como o vão era muito estreito, ele precisou fazer exercícios especiais e reduzir ainda mais a comida para emagrecer. E foi assim que, dias mais tarde, bem mais magro e perdendo algumas escamas na travessia, ele conseguiu ir para o outro lado. Então, ele conheceu a água corrente: uma delícia, uma maravilha! O peixinho ia saltando feliz pelo rego da água, deslumbrado com tudo. E o rego o levou até uma enxurrada, com mais água ainda.
Na enxurrada, a correnteza era mais forte. Não era preciso nadar. Bastava soltar o corpo. E assim chegou ao riacho. Que maravilha! Quantos peixinhos brincando livres! Estes não conheciam os peixes que comem outros peixes e lhe mostraram os barquinhos de papel, pedras enormes e flores coloridas, cheias de comida. Ali, descobriu que a luz forte que clareava e aquecia a parte rasa da água vinha do sol e que este não era de ninguém. Era grande demais para pertencer a alguém.
Que coisa linda! E aqueles bobos, lá no aquário, pensando que aquilo fosse tudo: aquela água suja e parada, aquela escassez, aquela relação de matança competitiva. Coitados!!!
E o riacho levou o peixinho ao rio.
E o peixinho nunca pudera imaginar tanta água em um lugar só. Nunca vira pássaros voando, crianças nadando, bichos enormes bebendo água, sem acabar com ela. Nunca pudera imaginar que existiam tantas plantas, tantas flores, tanta beleza junta! E julgou que estivesse delirando. Quanta comida, quanta água, quanto lugar onde poderia viver em paz! A possibilidade de viver feliz com todos! Ah! Aqueles pobres diabos lá no aquário, se vissem tudo isto…
E o rio levou o peixinho até o lago.
Não! Isto não é possível! Isto não existe! Olha quanta água! Parece não ter fim. Quanta comida! Quanta luz! Quanta beleza!
E foi assim, extasiado, maravilhado, deslumbrado, quase não acreditando em seus próprios sentidos, que o peixinho, levado pelas ondas, chegou ao mar.
Ali, diante daquela infinidade de águas, de alimentos, de luzes, de cores e de plantas que não tinham fim, diante daquele mundo de coisas maravilhosas, diante daquela majestade toda, o peixinho chorou. Chorou comovido, agradecido, porque a alegria era tanta que não cabia dentro de si. E chorou, sobretudo, de pena de seus coleguinhas, que haviam ficado lá no aquário. Naquelas águas poluídas, escuras, pardas, estragadas, espremidos, pensando viver no melhor dos mundos. No único mundo possível!
E o peixinho, então, decidiu voltar.
Do mar foi até o lago e deste até o rio. O sacrifício era enorme, porque agora toda a viagem era contra a correnteza, e ele não estava mais acostumado a tanto esforço. Ele nadou para o riacho e ali esperou a enxurrada. Da enxurrada nadou para o rego e do rego, para o fundo do aquário. Atravessou o ralo de volta. Mas, como foi difícil voltar! Ele precisou fazer muitos sacrifícios e perdeu muitas escamas…
Desse dia em diante, começou a circular pelo aquário um boato de que havia um peixinho contando coisas mirabolantes, falando de um lugar muito melhor para viver. Um lugar de paz, colorido e de fartura infinita, onde ninguém precisaria fazer sacrifícios e nem devorar uns aos outros. E todos acorreram ao fundo do aquário para saber da novidade. Os grandes, os médios, os pequenos, todos os peixes queriam saber o que era preciso fazer para chegar a esse mundo maravilhoso.
O peixinho, mostrando-lhes o ralo, explicou que, para chegar ao outro lado, era preciso algum sacrifício, pois a passagem era realmente estreita. Cada um segundo o seu tamanho: uns teriam que sacrificar-se pouco; outros, muito; outros, mais ainda; e outros…
Alguns peixes pequenos adotaram o treinamento e seguiram com rigor o regime, obtendo sucesso na travessia. Outros queriam ver no que daria aquela maluquice. Os peixes médios – e, sobretudo, os grandes – consideravam-no um maluco, um visionário fanatizado e perigoso, um subversor da ordem. “Onde já se viu? É impossível passar por aquele vãozinho estreito! Ele é um louco, um interesseiro!”, diziam. E orientavam sobre os perigos que determinadas ideias trazem ao bem-estar de todos e à ordem constituída.
Mas a história do peixinho se alastrou, principalmente, porque alguns voltavam e confirmavam a versão. Ela se difundiu de tal maneira que modificou a vida no aquário e perturbou o sossego dos peixes grandes e médios, que acabaram por contratar uns peixes pequenos para matar o peixinho e todos os que afirmassem aquelas besteiras.
Entretanto, a história do peixinho não morreu. Continuou viva como uma mensagem de esperança imortal, que passa de geração em geração. Até hoje, a história do peixinho é lembrada no aquário. Até hoje, há os que creem. E até hoje, há os que passam pelo ralo, os que não passam e os que nem acreditam na história.
(Autor desconhecido. Texto adaptado por Pedro Roque Giehl, 2015)