[…] Perfeitas sejam suas imaginações
Preocupe-se com as más intenções
Foque, interaja, pergunte-se
Se lhe interessa
Pois cada foto após essa
Se completa com uma ideia […]
Saiba que é tudo uma questão
De trocar o ângulo da sua visão
E de enxergar a sintonia
O silêncio de uma fotografia
Que em tantos casos
Se compara à melodia. […]
Marcelo Neves e Raphael Pilloni,
Curso Técnico de Mecânica
Fundação Liberato
Olhando as imagens capturadas pelos alunos da primeira série do Curso Técnico de Mecânica, enxerga-se o que eles carregam na mente e no coração. O trabalho com fotografia realizado junto a essas turmas teve dois objetivos: sensibilizar o olhar para o mundo a nossa volta, procurando captar o pitoresco do cotidiano, como proposta de trabalho da crônica literária; e possibilitar uma identificação maior do aluno com a escola e seu curso. Nas palavras do Marcelo e do Raphael, alunos envolvidos nesse projeto, pode-se perceber que o trabalho foi muito além do registro de imagens.
Um encantamento com o belo existente em diferentes espaços da Fundação Liberato e uma vontade de seguir em frente, de passar para a próxima etapa. Como em um incrível jogo de video game, a vitória de uma conquista traz consigo uma nova aventura, um novo desafio, em que angústia e deslumbramento caminham de mãos dadas.
“A fotografia é uma forma de ficção. É ao mesmo tempo um registro da realidade e um autorretrato, porque só o fotógrafo vê aquilo daquela maneira”. Com as palavras do fotógrafo francês Gérard Castello Lopes, enfatizamos que a fotografia é, também, um autorretrato.
O estudo da crônica literária, um dos objetivos do trabalho, além de desenvolver a habilidade de leitura e produção desse gênero textual, viabilizou a participação dessas turmas na 5ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa, promovida pela Fundação Itaú em parceria com o Cenpec e o Ministério da Educação. Dentre as oficinas propostas pela Olimpíada, a de fotografia é bastante significativa, uma vez que propõe aos alunos a procura de novos focos em relação ao lugar onde vivem, tema de todas as edições. Nessa oficina, a fotografia permite que se olhe a realidade sob outra perspectiva, de forma original e com sensibilidade no olhar. E os alunos mostraram que são bons em registrar o que passa despercebido na correria do dia a dia. Não esperavam, talvez, que pudessem se mostrar através das imagens.
As imagens em exposição na passarela em frente ao banco, na escola, expõem um mundo de belezas naturais e de diferentes arquiteturas dentro das oficinas do curso de Mecânica. A proposta do trabalho era registrar imagens interessantes na parte externa da Fundação Liberato e nas dependências do curso.
Para essa etapa, contamos com a ajuda de um profissional em fotografia, já acostumado com esses espaços. Marcelo Filimbert, parceiro do curso de Mecânica, conversou com as quatro turmas envolvidas, compartilhando sua experiência com os alunos. Marcelo falou de novos olhares, de enquadramentos, de perspectivas, de originalidade, de focos, de cores. Mas sua fala veio permeada de beleza e de amor pela fotografia. Nas imagens selecionadas para a exposição, tem um pouco de tudo isso: as fotografias trazem a beleza e a competência de quem também aposta nessas turmas.
Muita novidade, pois, surgiu aos olhos de quem já conhece esses espaços: que árvore é essa? Onde a pessoa estava para pegar esse ângulo? Que máquina é essa, o que ela faz? Para que serve essa ferramenta? Quantas surpresas com aquilo que sempre esteve ali… Olhar para o comum com outros olhos é escolher a lente certa para cada pedaço de mundo: “Eu olho ao redor e vejo esse monte de coisa que eu nunca olhei, não de verdade”, diz Daniel¹.
E, então, temos o segundo objetivo do trabalho realizado: pensar sobre a sua passagem e a sua constituição aqui, na primeira série de um curso técnico, em uma escola nova, com novos colegas e com ritmo acelerado. Que imagem cada um faz de si mesmo agora? Que lugar ocupa? Que papel desempenha? Essas reflexões são trabalhadas em um projeto desenvolvido pelo Serviço de Psicologia na Liberato, que acompanha, ao longo do ano, a trajetória desses alunos ingressantes em um universo muitas vezes grande demais, novo demais, assustador demais para alguns.
O adolescente vive um período de transformações intensas que o conduzem para o mundo adulto em uma cultura – pós-moderna para alguns -, na qual o tradicional é subvertido pelo novo, em constante transformação. No vértice de transformações sociais e culturais de nossa época, o adolescente vive sua transformação singular: o corpo do adolescente não é mais o de uma criança, mas ainda não é o de um adulto. O sujeito terá que se reapropriar de uma imagem corporal transformada por efeito da puberdade. Essa reapropriação toma impulso nas referências parentais, mas valoriza muito mais o olhar dos semelhantes. É no retorno que o olhar e a palavra que o semelhante lhe endereça que ele procura uma nova forma de identificação que ajude a realizar a travessia até o mundo adulto a partir das significações que os outros lhe oferecem sobre as modificações que ocorreram em sua vida.
Como registro do olhar, as fotografias também fazem com que se veja quem vê pelas escolhas que faz. Fotografia que alimenta um circuito de retorno identificatório, pois faz uma leitura do cotidiano que permite uma leitura de si mesmo. A exposição faz o trajeto do olhar retornar sobre quem fotografou. A escola vê quem viu. E adjetiva este olhar que se vê, que vê seu curso, que se projeta em seu curso, que se enlaça em um discurso visual com o curso e a escola que escolheu.
Um novo espaço foi cartografado pelos alunos e algo deste indizível que é a vida e suas frenéticas transformações revela-se na arte da fotografia. Arte que permite trazer para a palavra sensações que mapeiam este novo mundo para os alunos. Palavras escolhidas pelos alunos em uma tentativa de construir sentido ao vivido e que acompanham as fotos na exposição.
O espaço, antes estranho, passa a pertencer a cada um deles, inclusive o espaço das oficinas do curso, lugar no qual eles desejam estar, como podemos ler em diversos dizeres na exposição: “O amor que nos une é algo que não cabe do lado esquerdo do jaleco.”²
A travessia das incertezas adolescentes e suas descobertas são marcadas nos dizeres dos alunos:
“Dentro de mim guardo tanto… por trás de um resistente cadeado existem o pranto e o sagrado.”³;
“Às vezes, a vida é assim mesmo: seguir em frente apesar da vontade de ficar e apreciar a beleza da vida.”(4);
“Um dia, chega a hora de darmos um start em nossa vida.”(5); “E, no final, a nossa essência ainda é a mesma.”(6)
A problemática identificatória na relação adolescência-sociedade aponta um compromisso ético para os que trabalham com adolescentes, especialmente na área do ensino, nosso campo de atuação. A transformação pela qual o jovem passa na escola nesta época transcende a aquisição de competências para o trabalho, como aponta o Projeto Político-Pedagógico da Fundação Liberato (2000, p. 18) quando diz que “(…) a educação deve ser um processo de formação de competência humana, ligada ao desafio de construir a capacidade de re-construir”. O desafio de reconstruir-se está dado na vida do jovem na dimensão dos processos subjetivos que o reposicionam perante o laço social. As fotografias e seus dizeres nos mostram um pouco dessa reconstrução em ato, da qual participamos com o nosso olhar e a nossa palavra a partir do que vimos exposto.
Como educadores, oferecemos uma forma de significar a vida no mesmo compasso em que ensinamos um conteúdo pedagógico, e este é um ato permeado pela ética com a qual nos situamos no discurso de nosso tempo. Oferecemos aos alunos formas de significar as transformações que vivenciam. E compreender o significado desse ato nos permite qualificar o próprio processo de ensino e aprendizagem.
Esta foi a aposta deste trabalho que segue e se redimensiona a cada olhar e cada palavra neste circuito narrativo que o trabalho em sala de aula percorreu: do livro para as fotos, para a exposição e, agora, para a revista. Laço discursivo que parte do desejo dos professores até o desejo dos alunos e que envolve a escola como um todo.
- Personagem principal do livro “Antes que o mundo acabe”, de Marcelo Carneiro da Cunha (Projeto Editora, 2015), inspiração literária para o trabalho aqui narrado.
- Frase que acompanha as fotos dos alunos Ana Caroline Simão, Breno Petersen Neto Fernandes e Laís Gabrielle Michelucci, turma 3112.
- Frase que acompanha as fotos dos alunos Gabriela Friedrich, Luana Schröpfer Ferreira, Otto Armindo Froehlich de Jesus e Taís Regina Enzweiler, turma 3124.
- Frase que acompanha as fotos dos alunos Gabriela Friedrich, Luana Schröpfer Ferreira, Otto Armindo Froehlich de Jesus e Taís Regina Enzweiler, turma 3124.
- Frase que acompanha as fotos dos alunos Emerson Roberto de Azevedo Guedes e Joshua Budde, turma 3111.
- Frase que acompanha as fotos dos alunos Ágata Tiele Sodré Dias da Silva, Eduardo Júnior Weber, Luana Dias Kendzierski e Mariana Machado Linck, turma 3123.