relato: CONTOS DE SUSPENSE E TERROR

UM ESTÍMULO À LEITURA E PRODUÇÃO ESCRITA NA 1ª SÉRIE

A leitura e a produção de textos têm se tornado um desafio cada vez maior no cotidiano das aulas de Língua Portuguesa. Isso porque os alunos estão mais conectados, e a leitura e a escrita à que têm acesso distinguem-se dos gêneros que podemos solicitar como leitura na escola. Poucos anos antes era muito comum ver os alunos aguardando alguma aula no pátio, imersos nas páginas de seus livros. Agora, é bem mais recorrente estarem nas telas dos seus celulares. Para os estudantes que estão chegando com pouca leitura, vale a pena incentivar, para aqueles já familiarizados ao mundo dos livros, temos de cultivar esse hábito.

Mas como colocar essa ideia em prática?  Foi preciso elencar temas que alunos de 1ª série poderiam gostar para chamar atenção dessa “gurizada” que, se não está “nas redes”, está “vidrada nas séries” e percebi que o suspense e o terror permeiam as temporadas “em alta”. Então, lemos autores como Edgar Alan Poe e Ambrose Bierce e analisamos a estrutura dos contos de terror e suspense. Depois partimos para a produção de contos de suspense e terror autorais nas turmas. Apresento dois textos, resultantes desse trabalho.

 

Maria Emília Lubian Professora de Língua Portuguesa e Literatura Turmas: 2111, 2112, 2123, 2124 e 4124

Maria Emília Lubian
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Turmas: 2111, 2112, 2123, 2124 e 4124

 

 

MEIA -NOITE

O sino da igreja a quilômetros de distância soou indicando 22 horas. Era dia 28 de março, um dia normal e ordinário para qualquer pessoa que não soubesse o que aconteceria, assim que o relógio indicasse meia-noite.

Já havia organizado a maior parte dos preparativos durante a semana, porém o nervosismo e a ansiedade me fizeram revisar, tudo, só para ter certeza.

Depois de me certificar pela nona vez de que tudo estava em ordem, sentei-me no chão e me escorei na parede, observando meus companheiros. Flashbacks começaram a passar pela minha mente, relembrando esse mesmo dia em anos anteriores, quando ganhei alguns companheiros e perdi outros, mas logo os afastei e tratei de me concentrar. Este não era o momento para melancolias.

Consultei o relógio que marcava 23h15min. Já estávamos inquietos, apenas 45 minutos até que a Terra se tornasse o inferno. Durante todos os anos em que estive envolvida nisso, nunca soube o porquê disto acontecer. O motivo da besta sempre atacá-los à meia-noite do dia 29 de março, ou a razão dos ataques sempre durarem meia-hora e, mesmo assim, nesse espaço de tempo, deixar muitos feridos e alguns mortos.

23h 45 min. Meu coração batia mais rápido a cada minuto. Estávamos todos agitados, porém ninguém ousava dizer uma palavra. 23h 50 min. Bia e João terminavam de se armar enquanto Manu e Lucas espiavam pela janela. Ana já estava pronta e assim como eu, estava escorada na parede encarando o nada. 23h 59 min. Meu coração batia com tanta força que parecia que a qualquer momento iria saltar de meu peito. Meia-noite. Meu coração parou. Dez segundos se passaram. Olhei para o resto de minha equipe, ninguém parecia saber o que fazer. Já era para estarmos sendo atacados, lutando por nossas vidas. Não fazia o menor sentido. Todos os anos, milésimos de segundos após o relógio marcar meia-noite, a besta aparecia, e apesar de ela ser apenas uma, nós mal conseguíamos contê-la e, normalmente, havia mortes. Por alguma razão o silêncio e a calmaria traziam-me mais medo do que a luta.

Dez minutos se passaram e a cada segundo ficávamos mais tensos. Não sabíamos o que esperar e nem se deveríamos esperar. Mais cinco minutos de espera e no horizonte vi sete figuras se aproximando. Seis eram um pouco maiores do que um ser humano. O sétimo, que estava no meio deles, como se fosse o líder, era muito maior. Provavelmente duas vezes o tamanho de um humano e parecia deformado. Caminhavam lentamente em nossa direção, e um deles trazia uma bandeira branca.

Conforme se aproximavam, consegui reconhecer o líder, era a besta. Os outros seis eram criaturas que pareciam não caminhar, apenas deslizavam sobre a grama seca e mal-cuidada, não possuíam rosto, apenas máscaras pretas com traços dourados.

Esperamos imóveis até que as sete criaturas pararam a apenas alguns passos de nós. Antes de termos a chance de dizer qualquer coisa, a besta começou a falar. Era uma fala estranha, mas de alguma maneira, consegui entender. A voz da criatura soava como música em minha mente. No mesmo instante, lembrei-me das lendas das sereias e seus cantos, mas segundos depois, minha mente esvaziou e eu só conseguia pensar na voz da besta em minha cabeça. Ela explicava em uma doce voz, que nossos antepassados haviam sido muito malvados e escondido, na casa, algo que lhe pertencia, além de lançar uma maldição sobre a pobre criatura, dando-lhe a chance de tentar recuperar o objeto apenas uma vez por ano e durante apenas 30 míseros minutos. Senti minha cabeça balançar, concordando com ela. Não conseguia acreditar que, por anos seguidos, batalhei contra uma criatura tão adorável. Eu queria me redimir com ela. Olhei para o lado e vi que meus amigos pareciam compartilhar o mesmo pensamento que eu, os olhos cheios de encanto.

A besta se aproximou e perguntou se poderia entrar na casa e recuperar o que lhe pertencia. Depois disso, poderíamos viver todos juntos, em paz. Tentei dizer que gostaria muito disso, mas nada saía de minha boca.  Ela passou por nós e subiu os poucos degraus da varanda, nós viramos para observá-la entrar na sala. Naquele momento, as criaturas mascaradas apareceram em nossa frente. Já não traziam bandeiras brancas, mas sim longas e finas adagas.  Antes de conseguir pensar em qualquer coisa, senti uma das adagas perfurar meu coração. Caí no chão junto com minha equipe e, enquanto o feitiço se dissipava, observei, em meus últimos segundos de vida, a besta abrir um pequeno baú, dele saía uma luz amarela, que iluminava seu rosto cheio de malícia, muito diferente da expressão que usava segundos atrás.

Emilia Bierhals - 2111 Fundação Liberato

Emilia Bierhals – 2111
Fundação Liberato

 

 

LAÇOS DE SEDA

Nunca vivi um dia sem pensar nos acontecimentos daquele chuvoso inverno de 1978.

Meus pais tinham ido para um evento de caridade, não tinham muito para doar, mas tudo que não lhes era necessário tinha um destino declarado. Meu irmão estava viajando com sua noiva, ele contava que ela era consequência dos olhos da família, nossa mãe possuía lindos olhos escuros que brilhavam e graças à genética, o ajudavam a conseguir coisas ou pessoas sem nem ao menos se esforçar.

Pouco sabíamos sobre a casa onde vivíamos, mas era o suficiente para me manter apavorado, tinha sido construída no início do século passado e teve como primeiros moradores um casal de fazendeiros que tinham como maior tesouro, uma menina de longos cabelos escuros que, em todos os quadros encontrados no porão, estavam presos em dois sofisticados laços de seda. Ela tinha olhos escuros, era intrigante a forma como seu rosto magro não parecia se encaixar na época em que ela viveu, era como se uma fotografia tivesse sido pintada e deixada para pegar pó recentemente. O vendedor da casa contara que ela nunca conseguiu se casar e formar uma família, pois o carinho dos pais não deixara que ela se afastasse deles. Naquele dia do retrato tinha convidado alguns amigos, poucos, apesar de ter, na época, em torno de oito anos, não era muito sociável.

Estávamos no segundo andar, eu nunca descia quando meus pais não estavam, mais por medo do que por obediência, as histórias me seguiam como nada antes havia conseguido.

Em certo ponto, não lembro exatamente qual, todos decidiram que queriam brincar com os antigos carrinhos com os quais costumávamos brincar, mas acabaram esquecidos no porão.

Quando dei por mim, por pura coragem momentânea, me encontrava na frente da porta do porão, aguardando por qualquer sinal que me fizesse desistir da ideia de entrar lá. Meus amigos estavam no andar de cima, alegando não conhecer a casa, malditos.

Dei meu primeiro passo, a escada de madeira rangia conforme descia, sentia o frio na espinha e a sensação de que a menina dos quadros estava entre os degraus esperando para me puxar ou algo semelhante.

Desci.

A lata vermelha que guardava os carrinhos era um pequeno sinal de que alguém, um dia, entrou naquele lugar.

“Pegue-a”.

Dei um olhar rápido nos quadros para conferir se ainda estavam com todas as pessoas neles, logo, ninguém teria saído e ido para a parte de trás da escada e dito o que pensei ter ouvido em minha mente. Peguei a lata, com medo.

Subi.

Nada me puxou.

Fechei a porta.

Era isso, afinal, apenas histórias.

Meus amigos foram para suas casas logo após os meus pais chegarem, quando fui colocado para dormir, notei pela primeira vez o quão escuros eram os olhos de minha mãe e o quão escuros eram os seus cabelos presos em sofisticados laços de seda.

Bianca Bitencourt - 2111 Fundação Liberato

Bianca Bitencourt – 2111
Fundação Liberato

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