Caro Amigo:

Queria dispor de palavras que pudesse aliviá-lo e tirar todo esse sofrimento. Mas eu não tenho. Quem dera que, na vida, as coisas fossem assim. Conseguir resolver toda essa angústia que habita e mora em nosso peito… com meras palavras. Seria como mágica.

Gostaria que fosse algo simples. Algo como, se tiver frio, é só você pôr um casaco. Tá com fome? Coma. Tem sede é só beber água. Mas não é. A satisfação da alma não funciona do mesmo modo que a satisfação da carne.

Um momento assim é um tanto quanto delicado. Sentimos demasiadamente a dor. É um peso dentro de nós capaz de nos fazer sentir que qualquer atividade que desempenhamos pareça ter/ser um esforço enorme. A respiração fica mais pesada. Como se o corpo soubesse muito bem o peso que estamos carregando e habita dentro do peito.

Quando se está assim, você fica um caco. Parece um zumbi. O mundo fica preto e branco. As coisas perdem a graça; não tem mais cor. Sua capacidade cognitiva começa a ser afetada e você demora e não entende as coisas muito bem.

Mas… é… talvez seja por isso que você procura fazer o que faz. A verdade é que acho que você sempre foi assim, sabe. Não sabe como ser diferente. Sempre doeu… e através da sua dor que entende quanto dói a dor do outro. Por isso, procure e pense em ajudar as outras pessoas. Talvez isso seja ser bonito por dentro. Antes de se tornar belo por fora você começou por dentro. Ser belo por dentro é ter a capacidade de empatia e entender a dor do outro. E é igual à academia só que, ao invés de doer o corpo, dói por dentro. Tudo isso (essa sua dor e sua busca) só mostra o quanto você é e pode ser bonito por dentro. Está se lapidando aos poucos. Só que é um caminho difícil. Pra passar e interpretá-lo da melhor forma, você não precisa ter anseio e medo de chorar. Você deve fazer isso mesmo. Pôr tudo pra fora. Sua respiração pesada e suspiros já demonstram que você chora por dentro. Não tem problema em colocar tudo para fora.

Chorar não é você ser fraco. Chorar é a capacidade e a coragem que você tem de encarar de frente tudo aquilo que passa dentro de você, olhar tudo aquilo que aflige com clareza de verdade. Então, se precisar, chore.

Você é incrível e, provavelmente, tenha algo que o faça se destacar de alguma forma dos demais. Você tem valores que nem você percebe. Já mostrou ter capacidade exímia de conquistar as pessoas. Mesmo com toda dor que você carregou e carrega sempre foi capaz de receber e dar ao outro o seu sorriso no rosto. Um ato tão simples, mas que faz tanta diferença. Sem nem perceber, você acabava ajudando e fazendo o próximo se sentir melhor com a sua simpatia. E, ao imaginar, você não percebe isso… É como viver e passar a vida sem perceber a graça de ser você mesmo.

Cada problema que você teve, cada choro seu acabou fortalecendo-o, amadurecendo-o e tornando-o quem você é hoje. Você já mostrou que é forte várias vezes. Já passou por coisas complicadas na vida. Mostrou vontade, força, perseverança.

Você não é pouca coisa. Nunca foi.

Eu poderia falar em tirar você de tudo isso ou que há uma ótima saída para sair de toda essa angústia que você tem. Você poderia dizer “SIM, SIM, ME TIRA DESTE LUGAR QUE TRAZ TODA ESSA DOR”. Mas não… porque o sofrimento que você vive não tem nada a ver com o lugar onde você está. Está dentro de você. Tudo que acontece e você escolhe sentir está aí. Acontece dentro de você.

Na hora do sofrimento nós queremos fugir dele. Mas, se a gente percebe o movimento com sabedoria, não há outro lugar para estar do que nele mesmo. É a melhor maneira para curá-lo.

A melhor maneira que você tem de enfrentar o sofrimento é percebendo-o em toda sua totalidade. Talvez seja por isso que não esteja conseguindo compreendê-lo como uma oportunidade de crescimento e você só o interpreta como prejuízo. Algo ruim. Porque você não entrou no coração dele. Você só esbarrou nas aparências do sofrimento. E quando a gente vive só nas aparências do sofrimento, ele sempre soará como um prejuízo pra nós. Só quem entra no coração dele é que pode descobrir a lição que o sofrimento pode nos dar.

Somos superficiais demais. Somos superficiais nas nossas alegrias. Somos superficiais nos nossos sofrimentos.

Tem um poema do Carlos Drummond de Andrade “E agora, José?” em que o  personagem criado pelo autor (que, na verdade, é um pouco de cada um de nós) é colocado diante uma situação que ele precisa administrar.

Existem formas de sofrimento que parecem nos colocar diante de um beco sem saída. Não há pra onde fugir. É como se estivéssemos diante da própria vida e nos perguntássemos “E agora?”. O que eu faço com tudo isso? O poeta escreveu um poema muito simples, mas de beleza e significados muito profundos, endereçado a um tal ‘José’. Todo mundo é um pouco José. A simplicidade do nome mostra que o poeta gostaria de colocar TODA condição humana diante daqueles questionamentos. Aí ele diz no poema

“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,

e agora, você?[…]”

Ao colocar o José diante dessa dureza do agora, o poeta parece esperar uma reação positiva como se quisesse acordá-lo de uma espécie de letargia paralisante.

O sofrimento faz isso com a gente. Você fica paralisado diante dos fatos. Por exemplo, saber a partida logo mais do seu pai “E agora?”; como você vai continuar sem ele? Como é que você vai administrar a vida sem ele por perto?

Pois é, aqui no poema e na nossa vida o ‘agora’ JÁ ESTÁ AQUI. É preciso reagir. Não há para onde fugir. O agora parece condensar toda a dureza da vida de maneira que José não tem pra onde ir que não seja para dentro de si mesmo. José não tem quem procurar, a não ser ele mesmo. O poeta usa sua sensibilidade aguçada e parece nos fornecer, neste poema, uma interessante chave a para interpretação do sofrimento. Já experimentei isso na carne e creio que você também já tenha experimentado. Por vezes, a dor nos coloca em caminhos estreitos. Ela nos tira as ilusões, porque é crua como a carne que nos prende aos ossos. Por isso, pode nos fazer crescer, quando administrada do jeito certo.

No poema, o poeta joga o José dentro dele mesmo. Não há para onde fugir. Nenhuma superficialidade no poema está possível. A vida, a dinâmica do sofrimento jogou José dentro desse labirinto. O poeta realiza o caminho o mesmo caminho que o sofrimento realiza na vida humana “E agora?”.

As estradas, que eram tantas, foram reduzidas. Parece que você não vê outras estradas. Só vê aquela. O sofrimento retira tudo que parecia ser amplo antes dele chegar. É preciso escolher o que faremos. Não temos mais tudo que tínhamos. A vida estabeleceu um novo quadro. “E agora, José?”

O poeta continua tirando José das ilusões, colocando-o na realidade. A insistência da pergunta do poeta é para acordar José. Diante do sofrimento não temos o direito de dormir! É preciso velar, buscar o caminho e não o mais fácil, o das fugas, e sim, o mais exigente, o mais tenebroso, o mais cruel, o que nos leva a nós mesmos.

” […]Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!”

É justamente essa dureza que tem que cair por terra. Por isso, chore. O quanto for preciso e necessário. Chore tudo que tiver para chorar.

O sofrimento é uma experiência de humanização.

José precisa se humanizar. Ao perder o contexto de todas as suas possibilidades não lhe resta muita coisa a não ser o destino de sua humanidade. José dará duro. Não sabia cantar, não sabia gritar, não sabia gemer… O poeta mostra o quanto a insensibilidade o impede de vencer as forças do agora. Nem para morrer José está pronto. A natureza o priva da solução mais fácil. A mais covarde.

Sabe, a gente deve aprender com as perdas. Não temos que enxergá-las como um prejuízo. Você deve abrir a caixa do sofrimento, como se fosse um presente e descobrir o que está dentro de você. Desde pequeno, a vida anda perguntando “E agora?”. Isso não é algo novo pra você. Da mesma forma que o poeta pergunta a José. Da mesma forma como pergunta a mim também.

“E agora?”

O que você faz com tudo que tem diante de você?

O que você faz com o seu pai que vai embora?

Com o trabalho que o estressa. Com o desemprego que chegou.
O que você faz com a tristeza que lhe ocorre?

A vida lhe pergunta: “E agora?”

Como é que você vai encaminhar a sua vida depois dos acontecimentos trágicos? Vai querer uma solução? Vai querer descobrir o que isso quer lhe dizer? O que pode ensinar?

Ou você vai permitir que a amargura derrame o seu manto sobre você?

Porque é assim, quando nós não temos a coragem de abrir a caixa do sofrimento e aprender com tudo aquilo que está ali dentro ele pode se tornar a amargura que há em nós. A amargura paralisa. Não deixa ir adiante. Não deixa a gente crescer…

É por isso que é tão interessante e tão nobre da nossa parte olhar nos olhos de todas as realidades, contemplá-las com profundidade e procurar aprender com elas.

Não se desespere diante daquilo que a vida está lhe oferecendo.
Antes do desespero, faça a pergunta certa: “E agora?”

O que você pode fazer daquilo que a vida lhe fez? “E agora?”

O que você pode aprender com essa sua angústia? O que você pode aprender com alguém que foi embora? “Ah, meu, é tão difícil”

Eu sei. Não é fácil pra ninguém.

Mas você pode ter certeza, todas as pessoas, as mais interessantes que eu encontrei na minha vida souberam lidar bem com a pergunta da vida “E agora?”. Elas não se entregaram. Elas não permitiram que o rancor e a amargura viessem depositar o seu manto sobre elas. Elas quiseram aprender. E, às vezes, a gente só precisa fazer esse movimento… ter coragem e escutar aquilo que está dizendo nosso sofrimento.

Antes do desespero de achar que não tem solução…

Ouse perguntar ao seu sofrimento

O que que ele pode lhe trazer de bom.

Vinícius Rödel

Vinícius Rödel

7 Comments

on “Caro Amigo:
7 Comments on “Caro Amigo:
  1. Quanta sensibilidade e profundidade neste jovem coração. Vá em frente mudar este planeta com este amor brotando e se irradiando de ti. Parabéns pela pureza do teu ser que não teme mostrar sua essência! Grande e fraterno abraço de quem de orgulha de ti. Terezinha

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  2. Vinícius, parabéns pelo texto! Lembrei-me de vários textos que li nesses últimos dias, em especial, de A Tabacaria, de Álvaro de Campos. Isso porque seu texto parece dialogar com o que aquele autor expõe. Continue escrevendo!

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