Algumas pessoas acham que podem dizer tudo o que pensam e fazer tudo o que têm vontade, não se importando com as consequências e reações dos outros. Outras, são muito cuidadosas com o que dizem e agem com muito respeito e atenção às condições do outro. Estas, em seus relacionamentos, são sempre muito compreensivas, relevam as “falhas” alheias, são sensíveis às demandas e necessidades dos outros, às quais, geralmente, consideram até prioritárias em relação às suas próprias necessidades. Pía Vargas, a personagem principal do filme é uma pessoa deste último tipo. Vive no Chile, com o marido artista plástico e o enteado adolescente. Profissional “bem-sucedida”, ela é muito ativa. Dedica cuidado e atenção à vida de todos ao seu redor mas recebe muito pouco em troca. Ao acompanharmos o dia a dia de Pía, na primeira parte do filme, vamos percebendo as várias situações que a oprimem, contra as quais ela não consegue se opor. Apesar de serem apresentadas com humor e ironia, essas situações geram grande mal-estar, que se revela, em Pía, na forma de dor no peito e insônia. A sensação de opressão vai aumentando e nos contagiando. Até que, ao buscar ajuda, consultando um suposto médico oriental, e submetendo-se a uma “miraculosa” sessão de acupuntura, Pía sofre uma transformação radical, a partir da qual, perde os “filtros” internos, e passa a expressar tudo o que sente e pensa. A “cura” de Pía, através de sua livre expressão emocional, lhe traz dificuldades diferentes. O resultado é surpreendente e proporciona algumas boas risadas, nervosas, pelo inusitado das situações, vividas nesta nova fase, sem filtro. Por fim, tudo se harmoniza. Tese, antítese e síntese, como propõe a boa dialética da vida. Pois, como diz o cantor Nick Bolt na música tema do filme: no soy el diablo tanpoco soy santo. Mas podemos ser perigosos!
O filme faz boas críticas ao contexto social contemporâneo, especialmente em relação às novas mídias, redes sociais, transformações do trabalho, e suas consequências em nossa vida emocional e nos nossos relacionamentos.
Daniel Marcos dos Santos
Fundação Liberato