UM NOME COMPOSTO

José Eduardo Siqueira Trindade. Assinou no cheque dourado seu nome. Não sabia o motivo de sua mãe gostar tanto de nomes compostos, quatro filhos com nomes ligeiramente grandes: Ana Carina, Felipe Rafael, Maria Bruna e José Eduardo. Nem todos combinavam, mas parecia que cada nome tinha um significado.
– José foi por causa do seu tio avô, que tinha um fusca vermelho e salvou seu pai, levando ele o mais rápido que conseguiu pro hospital quando ele teve pedra nos rins. E Eduardo é por causa do padrinho do seu irmão, que arranjou um berço pra ele quando perdemos tudo numa enchente antes de você nascer.
Na família Siqueira Trindade, as homenagens para as pessoas queridas vinham através de nomes compostos.
– Aqui está, senhor, o seu cupom fiscal. É só apresentar naquele balcão ali e retirar sua compra.
– Obrigado. – agradeceu gentilmente à atendente da única loja grande da minúscula cidade.
Não precisou andar muito para chegar ao balcão de retirada. No máximo uns dez passos, talvez se tivesse contado seriam oito. A fila era grande, José Eduardo lembrou o motivo de nunca mais ter saído para comprar em sábados. Felizmente, mais um atendente chegou, e a fila se dividiu em duas.
Quatro pessoas estavam na sua frente, mais uns dez minutos e poderia voltar para o conforto de sua casa. Consultou seu relógio de pulso e verificou as horas: 11 horas e 18 minutos. Olhou para a fila ao lado e desejou não ter olhado.
– Eduardo?
Não podia ser ela, mas era. Estava mais magra, com certeza tinha cortado o cabelo e feito uma franja, parecia mais alta e bonita do que da última vez em que a tinha visto. Estava usando óculos! Desde quando?
– Ah, oi, Nanda. Como vai? – José Eduardo fez um tremendo esforço para que sua voz não falhasse.
– Estou muito bem – respondeu ela com um grande sorriso e entusiasmo. Pelo menos o sorriso não tinha mudado – E você parece ótimo também…
“Pareço?” pensou.
– Muito obrigado.
“Tomara que ela não puxe assunto, tomara que ela não puxe assunto…”
– E como está sua mãe?
– Bem. A mesma de sempre. – falou expressando um sorriso fraco sem mostrar os dentes. Não queria dar muita saída para ela, preferia ser sucinto.
– Tenho saudade dela…
“Jura?”.
– E seus irmãos, estão todos bem?
– Todos bem. – disse, colocando as mãos na cintura e olhando para os pés.
– Vi Maria no jornal esses dias, parece que o salão de beleza dela está bombando.
– É.
– E você continua no mesmo emprego?
“Pra que você quer saber?”.
– Continuo. – afirmou ele olhando por cima do ombro do rapaz que se encontrava na sua frente na fila. Por que a fila não andava?
– Deixei aquele trabalho. Agora estou trabalhando num ateliê. Sempre foi meu sonho. Você sabe, né? Não faço grandes coisas por enquanto, mas um dia serei reconhecida, tenho fé nisso!
– Aham.
“Como ela consegue ser tão natural?”.
Um silêncio profundo entre os dois durou mais de um minuto. José Eduardo sorriu internamente, por um momento parece que finalmente Nanda tinha se calado.
– Eu… Eu sei que nunca te procurei pra falar sobre a gente, mas sei que você não entenderia se eu tentasse…
“POR QUE ESSA FILA NÃO ANDA?”.
– Eu queria me desculpar por tudo o que fiz.
– Passado é passado. – disse José Eduardo, entretanto nem ele se convencia disso.
– Eduardo, eu… Eu não te merecia.
Ele a encarou por um instante e conseguiu ver uma aliança na mão esquerda dela. Viu um colar de ouro, com o nome Gabriel gravado, no seu pescoço. Ela sempre dizia que queria ter um filho com esse nome.
– Já faz mais de oito anos, Nanda. Sem estresse.
Ela pareceu ficar aliviada, sorriu como se um peso fosse tirado das suas costas.
– Tive um filho.
“Parabéns pra você!”
– Legal!
– O nome dele é José Gabriel.
Um grande buraco negro foi construído no interior da alma de José Eduardo naquele instante.
– Você está bem, Eduardo? – ela perguntou parecendo preocupada.
Talvez José Eduardo tenha deixado seu abatimento transparecer.
– Eu também me chamo José.
Nanda arregalou os olhos. Ela não sabia.
– Você nunca me disse…
– Eu não gosto muito do meu nome completo.
“E você nunca se interessou em saber as coisas a meu respeito”.
Ele voltou a olhar o relógio: 11 horas e 25 minutos. Finalmente sua vez havia chegado, e ele conseguiu retirar sua compra no balcão, antes de sair com um ajudante, que levaria o televisor até seu carro, ele decidiu ser simpático e dizer:
– Tchau, Nanda.
– Foi bom ver você, Eduardo.
Mas ele não podia dizer o mesmo. Já fazia mais de oito anos que ela o havia deixado com apenas uma mensagem no celular: “Não dá mais, preciso de um tempo”. José Eduardo não aceitou. Mandou milhões de mensagens e foi ignorado. Ligou e foi bloqueado. Foi até a casa dela, porém disseram que tinha se mudado. Ela simplesmente decidiu não fazer mais parte da vida dele e sumiu, deixando um enorme corte para cicatrizar.
José Eduardo queria conscientizar a si mesmo de que tudo aquilo era passado e que ele não precisava mais relembrar suas memórias com rancor, afinal, um dia fora amor. Talvez os dois fossem muito distintos para dar certo. Ele, inseguro, tímido e nada ágil. Ela, dona de si, segura e independente. Ele um nome composto. Ela um nome simples e diferente.

Helena Dörr Toebe
Aluna do Curso Técnico de Eletrotécnica
Fundação Liberato
Primeiro lugar
Categoria conto
Liberarte 2017

 

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