A PESQUISA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA FUNDAÇÃO LIBERATO

A PESQUISA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA FUNDAÇÃO LIBERATO
EIXO CIÊNCIA & TECNOLOGIA

“A educação pela pesquisa pretende-se questionadora da realidade, do conhecimento e da sua aplicação na sociedade, objetivando a formação crítica do sujeito.” FUNDAÇÃO LIBERATO, 2017, Projeto Político-Pedagógico

O tema pesquisa como ferramenta pedagógica na Fundação Liberato foi objeto de debate no Eixo Ciência & Tecnologia ao longo do ano de 2017. Esse princípio, que está contemplado no Projeto Político-Pedagógico da escola, foi estudado à luz de referenciais e das práticas do dia a dia da escola. Este artigo é resultado dessa construção reflexiva.

Pesquisa: sentido amplo e sentido estrito

Para buscar um entendimento sobre a pesquisa em sentido amplo e em sentido estrito, buscamos suporte no artigo de Fernando Becker, “Ensino e pesquisa: qual a relação?” A partir do qual, elaboramos algumas considerações.

O professor que não tenha reduzido sua atuação a mero “ensinador” construirá e reconstruirá seus próprios conhecimentos – tanto para dar conta de sua área específica de docência, como para buscar os melhores resultados possíveis na aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades por parte de seus alunos. Fará isso como parte da função docente, para ser plenamente professor, assumindo, assim, um papel de pesquisador num sentido amplo, lato sensu.

Por outro lado, o pesquisador no sentido estrito, muitas vezes, professor da pós-graduação, é aquele cuja atividade envolve delineamento de um problema, hipóteses, fundamentação teórica, instrumentos de análise e outras exigências, como planos de pesquisa, que abrangem, em sua aplicação, recursos como os de laboratório e mão de obra. A pesquisa stricto sensu, dessa forma, aproxima-se da proposta da Fundação Liberato em seus cursos técnicos, quanto ao seu nível de estruturação. Exige, tanto dos alunos pesquisadores quanto de seus docentes que atuarão como orientadores, a familiaridade com procedimentos e exigências desse formato, para que o resultado obtido ao término do processo corresponda, de forma aproximada, ao que se obtém na pesquisa stricto sensu. Essa proximidade faz-se sentir em muitos dos resultados obtidos em pesquisas desenvolvidas na Liberato, sendo comum a interação com pesquisadores de institutos de pesquisa e de universidades.
Propomos, assim, uma distinção esclarecedora: o educar pela pesquisa como pressuposto pedagógico guarda uma relação muito mais clara com a ação do professor como pesquisador no sentido amplo, lato sensu. À pesquisa estruturada na forma mais estrita, propomos o termo educar para pesquisa, entendendo-se essa pesquisa com o caráter de investigativa.

Pesquisa como atitude cotidiana do professor em sala de aula: o sentido amplo

Sem qualquer pretensão de propor uma receita, já que a sala de aula oferece – pelo menos na escola que idealizamos – uma infinidade de caminhos que permitem alcançar bons resultados, compartilhamos alguns de nossos posicionamentos sobre a nossa prática docente:

  1. Nos dias atuais, atuar como professor exige a fabulosa arte de ter métodos, a fim de que o estudante tenha o mínimo de interesse para buscar algo a mais sobre o que ensinamos. Em meio a tantos apelos e estímulos aos quais os jovens estão submetidos, especialmente com o advento da interatividade e da conectividade à internet praticamente 24 horas por dia, conseguir despertar a atenção para uma área do conhecimento a fim de que o estudante procure dar um passo a mais por sua própria conta, movido por um interesse despertado em sala de aula, é uma grande conquista.
  2. Nem sempre é simples compreender e pôr em prática o pressuposto de educar pela pesquisa. Galiazzi e Moraes tratam do tema como “modo, tempo e espaço” de qualificação de professores de ciências. Entendemos esse modo como uma maneira, uma forma, que abrange amplas e diversas metodologias, não como o método único e definitivo para proporcionar essa qualificação; ainda há que se considerar que nossa estrutura curricular, com a divisão em períodos e o fluxo de trabalho existentes, atualmente, na escola, limitam a profundidade de algumas propostas inovadoras. A cultura escolar ainda predominante baseia-se na aula tradicional, em que o estudante adota um papel muito mais passivo (pouco diálogo, cópia, execução do que é planejado exclusivamente pelo professor). Por outro lado, a autonomia inerente à dinâmica do questionamento, da construção de argumentos e da validação de argumentos provoca uma instabilidade no estudante, que mantém a expectativa da resposta certa pelo professor (Galiazzi, Ramos e Moraes). Assim, o educar pela pesquisa desacomoda, tira professor e aluno da zona de conforto e gera incertezas quanto aos resultados que podem ser obtidos. É um desafio, portanto, e como tal, gera resistências iniciais – a preocupação, em dar conta do conteúdo e de instrumentos de avaliação adequados, é uma delas.
  3. Repetição não é algo condenável a priori. A repetição e o treinamento, às vezes, são necessários, especialmente como ponto de partida, não devendo ser inteiramente abandonados. É importante, para pesquisar e questionar, o entendimento de certos estados da arte, procedimentos, enunciados, enfim, um bom contato com o conhecimento já acumulado. O conhecimento profundo de técnicas em vigor permite também o questionamento com maior profundidade. O acervo de vivências que o professor adquire ao longo do tempo, com a percepção de estratégias que funcionam em sua sala de aula, é outro fator que enriquece a prática docente. Uma aula pode ser entendida como uma grande peça de teatro, dependendo fortemente da atuação do professor e sua capacidade de renovar seu script. Nesse sentido, ousamos propor algo que pode ser entendido como uma lei para qualquer docente: buscar sempre melhorar-se!

Educar para a pesquisa (investigativa): pesquisa no sentido estrito.

A valorização da pesquisa como ferramenta pedagógica, assumida pelo Projeto Político-Pedagógico da Fundação Liberato, envolve, além da prática do professor em sala de aula, também algumas escolhas curriculares. A exigência de trabalhos de pesquisa e a concepção da disciplina de Projetos de Pesquisa no início do curso são algumas dessas escolhas, que apontam para a intenção de formar jovens pesquisadores em um sentido estrito: o estudante terá a exigência de escolher temas, de elaborar planos de pesquisa e de submetê-los à aprovação de um comitê de ética e segurança, para, então, executá-los, responsabilizando-se pelos resultados de sua pesquisa. O professor atuará como orientador – um parceiro de trabalho – a quem cabe o papel de assessorar o estudante, especialmente, em questões técnicas e metodológicas.
Ao falarmos especificamente de projetos de pesquisa, pensamos neles como projetos de investigação científica ou tecnológica, cuja base é, sobretudo, um projeto de aprendizagem do estudante – aí cabe a atuação pedagógica do professor. Embora sua estruturação stricto sensu, identificamos os fundamentos de um projeto de aprendizagem (Moura, Barbosa e Moreira):

  1. A escolha do tema do projeto é feita pelos alunos. Eis o primeiro desafio. Percebemos, de forma geral, maior motivação para a pesquisa, quando o tema escolhido parte de um interesse do estudante. Esse processo passa, necessariamente, por uma negociação com o professor orientador, a quem cabe a tarefa de auxiliar o estudante a manter os pés no chão, ou, de uma forma mais técnica, a colocar um tema de pesquisa em uma dimensão viável. O diferencial desse aspecto pode ser percebido ao final da pesquisa, quando o estudante pesquisador sabe fundamentar os motivos que o levaram a escolher um tema, e não outro.
  2. O trabalho em grupos. Quanto antes for aprendido que a pesquisa exige cooperação, colaboração e corresponsabilidade, mais cedo se quebrará o falido estereótipo do cientista genial, antissocial, isolado do mundo, trabalhando em seu laboratório com todos os recursos de que precisa. A pesquisa, muito mais no século XXI do que em outros tempos, só avança com colaboração e compartilhamento. Assim como o professor, o colega é parceiro de trabalho – e, muito provavelmente, surgirá a necessidade de outros parceiros.
  3. A utilização de múltiplos recursos, em geral, laboratoriais, para execução do projeto. A utilização da estrutura de laboratórios da escola ganha outro significado com um plano de pesquisa. O estudante não os frequenta mais apenas para ter as aulas planejadas pelo professor, mas, sim, para executar os testes e os procedimentos que comporão sua própria pesquisa. Trata-se de um formidável exercício de autoria que, de forma cada vez mais frequente, tem extrapolado as limitações do que pode ser feito na escola, e ganhado espaço em laboratórios de universidades, institutos de pesquisa e empresas, que abrem suas portas ao perceberem o potencial das propostas de pesquisa.
  4. A socialização dos resultados do projeto. Eis algo em que a nossa escola é referência há décadas. A organização de feiras científicas, como a Feira Interna de Ciência e Tecnologia (FEICIT) e a Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (MOSTRATEC) expressam a expertise institucional acumulada no campo da divulgação científica. Tendo as etapas anteriores e a concepção da pesquisa como base do processo, podemos considerar que as feiras de ciências alçam a produção dos estudantes a outros patamares de reconhecimento. O protagonismo, o amadurecimento de um projeto que começou, muitas vezes, com uma ideia vaga e pouco delimitada, a imersão na realidade da pesquisa são apenas algumas das muitas virtudes desse formato. Entretanto a socialização na sala de aula e as bancas de avaliação de professores constituem também um ponto fundamental. Tanto incentivo a um trabalho, que convoca os estudantes à autonomia, necessita de espaços para que ele seja apreciado e devidamente valorizado.
  5. Desmistificando a metodologia de pesquisa: matando o monstro. Cada vez mais, o trabalho que cabe, de forma muito especial, aos professores de início de curso, é desmistificar a metodologia de pesquisa científica. Especialmente porque, em muitas vezes, o primeiro contato do estudante dá-se com a etapa final do processo – por exemplo, com projetos reconhecidos em feiras de ciências. O que nem sempre é visível, à primeira vista, é a trajetória do estudante que se destaca até chegar a essa posição.

O pesquisador, seja aprendiz ou experiente, terá momentos em que irá se deparar com resultados diferentes do previsto. E a habilidade de analisar o significado desses resultados é um dos grandes aprendizados que a pesquisa investigativa proporciona. Um objetivo frustrado é diferente de um erro. O resultado final de um projeto de pesquisa é incerto e, o que nem sempre é dito, é que descobrir que algo não funciona é muito importante para a ciência. Conta-se que Thomas Edison fez, aproximadamente, 2.000 testes antes de conseguir inventar a lâmpada – ou seja, descobriu centenas de maneiras de como a lâmpada não funciona, até chegar a um protótipo que funcionasse. Para outros problemas de nosso mundo, como a cura da AIDS e de outras doenças, os pesquisadores ainda não chegaram à solução – apesar de milhares de testes, dos altíssimos investimentos e dos muitos passos que já foram dados.

Considerando a nossa realidade de escola técnica, o ponto que mais destacamos é que, entre a primeira versão de um primeiro plano de pesquisa, até o resultado final de um projeto com alta complexidade, há um processo de amadurecimento – uma caminhada que começa com passos que podem ser assimilados com trabalho, estudo e comprometimento contínuos.

Seja como um caminho pelo qual se transita – educar pela pesquisa – seja como uma meta focada de atuação profissional – educar para a pesquisa – entendemos que as oportunidades devem e estar e estão acessíveis a um número cada vez maior de estudantes e professores, ampliando as possibilidades de atuação social, de inovação e de qualificação da educação.

Amauri Silva Junior
Anderson Jean de Farias
André Luís Viegas
Juliana Von Scharten Pereira
Kátia Regina Bizarro Rech
Leandro Andrighetti
Leori Carlos Tartari
Platão Gonçalves Terra Neto
Simone de Souza Borges Rempel
Fundação Liberato

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