CONTOS DE ADOLESCENTES PARA ADOLESCENTES

Relato - Contos de adolescente para adolescente - Maior

Na aula de Língua Portuguesa e Literatura, os alunos receberam como motivação para o projeto de leitura e escrita deste ano, o tema “adolescência”. Para o início dos estudos, foi proposta a leitura de contos de autores contemporâneos e a análise da estrutura do gênero.

“Muito amor, por favor”, é uma coletânea de contos que traz jovens escritores que também escrevem em blogs e fazem deles seus canais de comunicação com a galera. Foi por meio das mídias que se tornaram reconhecidos pelo seu público. A obra “A vida é logo aqui” mostra a vida de quinze adolescentes que estão vivendo a perplexidade da passagem para a vida adulta. Dessas obras, foram selecionados alguns contos que foram estudados. Depois deste contato com as narrativas, partimos para a ação.

Os alunos produziram contos sobre os medos, as conquistas, os sonhos, os desejos, as descobertas e as frustrações que envolvem o imaginário do adolescente. Esses textos estão em processo de escrita, o qual envolve a sua análise e passa pela reescrita até que estes atinjam uma condição próxima da ideal, segundo a avaliação do grupo, junto com a professora. Os contos também serão adaptados em roteiros de curtas-metragens, seguindo, também, as especificidades deste gênero. Na sequência, os alunos irão definir em grupos, quais dos roteiros elaborados poderão ser transformados em produções audiovisuais e que poderão ser apresentadas no II Festival de Curtas-metragens Acessíveis da Liberato.

Para participar desta publicação, convidamos três alunos:

– Arthur Rufatto apresenta as angústias de quem tem de repetir a 1ª Série, enfrentar a reprovação dos familiares e a crítica dos conhecidos. Claro que, mesmo tudo parecendo muito ruim, “ainda é possível ver o sol”;

– Eduarda S. da Silva aborda o primeiro contato de uma jovem com a bebida, a reincidência e a quebra de confiança familiar;

– Enzo Ajalla fala de temas que ainda são vistos como tabu, mas começam a ser discutidos na sociedade: a homoafetividade e a identidade de gênero.

REFERÊNCIAS:
AGUIAR, Arthur et al. Muito amor por favor. Rio de Janeiro: Sextante, 2016. 240p.
OLIVEIRA, Nelson. Org. A vida é logo aqui. São Paulo: SESI – SP Editora, 2014. 248p. Coleção: Quem lê sabe por quê.

Maria Emília Lubian Professora de Língua Portuguesa e Literatura 1ª Série do Curso de Eletrotécnica e de Eletrônica Fundação Liberato

Maria Emília Lubian
Professora de Língua Portuguesa e Literatura – 1ª Série do Curso de Eletrotécnica e de Eletrônica
Fundação Liberato

 

 

MEU SOL

Eu era um adolescente no melhor estilo “aborrescente”: ranzinza, levemente revoltado, e o pior: recentemente reprovado na escola. Sempre fui um cara comunicativo, brincalhão e muito disposto a tudo, mas a reprovação mudou isso. Passei a viver com olhares estranhos dos meus pais: parecia um misto de decepção e raiva. Meus amigos, quando eu lhes contava o que aconteceu, ficavam incrédulos. Não acreditavam. Realmente, minha vida estava, literalmente, uma merda.

Não havia perspectiva de coisas boas. Isso, até uma tortuosa, chuvosa e entediante noite de sexta do dia 25 de janeiro. Estava eu, como sempre, deitado na minha desajeitada cama, mexendo no celular, comendo algum doce barato, até que meu celular vibrou. Era uma notificação do famigerado Snapchat.

Para quem não conhece, o Snapchat é um aplicativo onde você compartilha fotos instantâneas com amigos e conhecidos. Então, fui adicionado por uma garota: “Fernanda Schindler” adicionou você, dizia a notificação. Eu estava tão largado para a vida, sem nada melhor para fazer, que fui procurar o nome no Facebook. Ela era linda e estava ingressando na minha escola. Como, definitivamente, não tinha nada para fazer, “puxei papo” com a menina desconhecida.

Ela era muito legal! Tinha um bom senso de humor, parecia inteligente. Fui conhecendo um pouco mais sobre ela: morava em Novo Hamburgo, 25km da minha cidade, faria o mesmo curso que eu na escola, Eletrotécnica, e vinha de recente desilusão amorosa, feito eu. Seguimos falando por vários dias e a “Nanda”, como gostava de ser chamada, estava me fazendo um bem imenso. O garoto ranzinza, levemente revoltado passou, depois de relativo tempo, a ter interesse em algo. Como estávamos de férias, eu ficava na porta do quarto, pegando um pouco de Wi-Fi e assim era, noite pós noite. E o retorno às aulas se aproximavam.

Admito que não tinha ânimo algum para voltar às aulas: acordar cedo, matérias chatas, professores chatos. Mas Nanda me cativou para isso. Estava louco para conhecer pessoalmente minha paixonite cibernética. Demorou, demorou e demorou. Mas chegou o antes maldito, agora louvado, 22 de fevereiro.

Não encontrei ela de cara. Trocamos apenas alguns olhares na sala e no módulo, onde teve uma breve palestra. Não foi o que eu esperava, é claro. Os dias foram passando e a situação não mudou muito: ela parecia sentir vergonha, e eu tinha medo dela ter me achado muito feio ou muito chato! Para piorar, comecei a conviver com piadas de professores, amigos aprovados e até de gente que eu não conhecia. Minha autoestima, que sempre foi baixa, chegava lenta e, tortuosamente, ao fundo do poço.

Num dos inúmeros dias em que me sentia mal e deprimido, Nanda chegou em mim e pediu o que havia. Fui sincero ao falar que estava daquele jeito por certas piadas, a relação enfraquecida com meus pais, a reprovação, e, como a nossa situação ia. Disse a ela que estava gostando muito dela, e procurei expressar o bem que ela me fazia. Ela disse que o sentimento era recíproco, porém não sabia lidar; escola nova, amigos novos, hábitos novos e um pouco de timidez.

Falando em timidez: tive duas namoradas antes de conhecer a Fernanda. Uma fiquei por quase um ano, a outra, por uns quatro meses. Lembro-me bem de como foi no início: eu ficava gelado. A voz, mal saía. Não sabia lidar e me expressar, até ir pegando intimidade. Com a Nanda, nunca foi assim. Me sentia leve e muito à vontade, parecia que sempre tinha assunto. E assim, depois dela conversar comigo, fomos nos aproximando. Fiquei próximo dos amigos dela, começamos a almoçar, fazer trabalhos e estudar juntos…

Então, chegou a sexta, dia 16 de março. Era um lindo dia ensolarado, tinha uma reunião de gincana no meio-dia e um reforço de Matemática. A Nanda iria ficar e resolvi que não podia perder aquela chance de passar a tarde inteira com ela. Aguentei uma manhã chata de aula e uma reunião insuportável. Almocei um pastel, tamanha era a ansiedade e pressa para poder ficar com ela.

Convidei Nanda para ir ao gramado da escola, e sentamos embaixo dumas árvores. Enfim, nos beijamos e ficamos deitados um tempão. Depois disso, fomos para outra atividade insuportável: o reforço de Matemática. Fizemos inúmeras questões, mesmo eu não conseguindo me concentrar, até a professora liberar. Já estava quase na hora de eu ir embora e ela me pediu só uns minutinhos no gramado de novo. Dessa vez, fomos num banco, e ela sentou no meu colo, e disse, olhando nos meus olhos: eu te amo.

Admito que me arrepiei no momento. Segurava em meu colo aquilo que era vital para eu ter vontade de acordar todas as manhãs. A primeira coisa que me veio à mente era o garoto de dois meses atrás. Ranzinza, levemente revoltado e reprovado… Reprovado eu não deixei de ser; porém, surgiu “naquela alma que parecia perdida”, um bom “guri”. Estava mais dedicado, carinhoso, organizado, alegre e voltei a ser o brincalhão de sempre.

Tive, infelizmente, que ir embora, pegar trem, ônibus e caminhar um monte para chegar em casa. Quando cheguei, estava minha mãe sentada no sofá lendo uma revista, daquelas que conta o que vai acontecer na novela. Dei um forte abraço nela, um beijo na testa, algo que não fazia há muito tempo e ela, logicamente, estranhou, indagando: o que te deu, guri? Fui simples na resposta: “Mãe, eu sou o cara mais feliz do mundo”.

Arthur Rufatto, 2111

Arthur Rufatto, 2111

 

 

 

ESCOLHAS ERRADAS

Eu sempre fui uma menina muito dedicada aos estudos, as melhores notas da turma sempre foram as minhas, mas, ao longo do tempo, isso foi mudando. Minhas notas já não eram as mesmas, eu já não me dedicava tanto como antes e minha vida parecia estar de cabeça para baixo.

Meu nome é Alice, tenho 16 anos e moro com meus pais em Nova Iorque há seis anos. Demorei um pouco para me adaptar à nova vida, mas acabei me acostumando. Meus pais sempre foram bem liberais, me deixavam sair com meus amigos, ir às festas, tudo isso se eu não colocasse nenhuma gota de álcool na boca.

Teve um dia em que meus pais não deixaram eu ir a uma festa, seria a festa mais top da escola, todos estariam lá, menos eu. Foi aí que eu resolvi desafiá-los, pedi para ir à casa da minha amiga, mas mal sabiam eles que meu segundo destino seria a festa.

Quando estávamos a caminho da casa de minha amiga Samantha, a ideia de ir à festa escondida estava me corroendo por dentro, mas aquela era a única alternativa para poder ir. Ao chegar lá, rezei para que meus pais não desconfiassem de nada, e deu certo.

Eu e Samantha começamos a nos arrumar e quando estávamos prontas mandamos mensagem para nossos amigos. Kaio já estava pronto, Pedro já indo para a festa e Bryan, que iria nos dar carona até a festa, estava terminando de se arrumar. Esperamos um tempo, até que o carro do pai de Bryan encostou na frente da casa de Samantha. A caminho da festa, aquela ideia começou a me corroer novamente, algo me dizia que aquilo não iria dar certo, mas já era tarde demais.

Quando chegamos à festa, encontramos Pedro e esperamos por Kaio. Quando ele chegou, fomos pegar algo para beber. Todos meus amigos pegaram vodka, vinho e eu peguei refrigerante. A festa foi acontecendo, os momentos também e meus amigos começaram a me influenciar para beber. Na minha cabeça, isso já estava indo longe demais: “Alice, quando você for a festas, não beba. Este será nosso combinado”. Esta frase soava na minha cabeça o tempo todo, mas isso já não me impedia mais. E tudo começou ali.

Peguei um copo com uma mistura de vodka, depois outro e mais outro. Não percebi, mas já havia tomado três copos de vodka e até vinho. Depois de um tempo, comecei a sentir náuseas, fiquei tonta e não senti mais nada.

Quando acordei, estava no hospital. Meus pais me olhavam com uma expressão de desaprovação, o que me deixava pior ainda. Fiz vários exames, fiquei um dia internada até que ganhei alta.

Meus pais me deram o maior sermão, fiquei de castigo por um bom tempo, proibida de ir a festas, sair com meus amigos e sem qualquer outra coisa que me tirasse de casa, com exceção da escola.

Após um ano mais ou menos, quando eu já tinha 17 anos, meus pais voltaram a ter confiança em mim. Eles começaram a deixar eu ir às festas, sair com meus amigos e tudo o que eu fazia antes, mas sempre com o mesmo combinado de não beber.

E o que eu fiz mais uma vez? Rateei com eles.

Fui para mais uma festa com meus amigos, mas eu não consegui me controlar. Porém, desta vez teve uma coisa a mais, que eu nunca havia feito. Foi me oferecido algo para fumar, eu não sabia o que era, mas resolvi aceitar. E foi aí que tudo começou novamente.

Fumei várias vezes, e entre cada vez, eu tomava uma batida de vodka ou vinho, até que comecei a me sentir um pouco mal. Os batimentos cardíacos acelerados, falta de ar, tonturas. De repente caí no chão e não senti mais nada. Novamente fui ao hospital, mas desta vez foi muito pior. Fiquei quatro dias em coma alcóolico. Eu ouvia tudo o que acontecia à minha volta, meus pais conversando sobre mim, sobre onde eles haviam errado e na minha cabeça eu só pensava: “Vocês não erraram em nada, eu que não os ouvi e fui para o caminho errado. Vocês são os melhores pais do mundo, eu os amo muito”. O que mais me doía, era ouvir meus pais falarem daquilo e eu não poder dizer nada, muito menos vê-los. A cada dia que passava, eu percebia que eles perdiam a esperança da minha recuperação e aquilo gritava dentro de mim: “Eu vou me recuperar, não vou dar mais essa tristeza para eles!”.

Quando acordei, não me sentia a mesma pessoa, estava muito mal por ter feito meus pais passarem por essa situação. Fiquei muito feliz ao ver meus pais entrarem no quarto:

Alice: “Mãe, pai! Eu os amo muito! Vocês são os melhores pais do mundo”!

Mãe: “Nós também te amamos filha, mas nem você e nem nós precisávamos estar passando por isso se você tivesse nos escutado”.

Pai: “Concordo com sua mãe, agora só vamos esperar sua recuperação e teremos uma conversa muito séria”.

Alice: “Peço desculpas a vocês e sei que temos muito a conversar”.

Após a minha alta, fomos para casa. Tive a conversa com meus pais, e eu decidi não ir mais às festas, voltar a me dedicar aos estudos e ser mais parceira em casa com meus pais.

Cumpri com meu combinado, e algo que nem eu esperava aconteceu. Comecei a namorar com o Kaio e Samantha, com o Bryan. E o Pedro? Esse se separou do nosso grupo, pois nos julgou como más influências.

No final do Ensino Médio, tivemos a nossa festa de formatura e foi maravilhosa. Confesso que não estava preparada para uma nova etapa na minha vida, mas ela foi maravilhosa, pois eu tinha as melhores companhias e o amor da minha vida ao meu lado.

Eduarda Schmitz da Silva, 2111

Eduarda Schmitz da Silva, 2111

 

A SIMPLE HUMAN

– “Olá. Meu nome é Enzo, e gostaria de lhe contar um pouco da minha história. Espero sinceramente que ela possa ajudá-lo em algo”.

Era uma manhã fria de sexta-feira. Com oito anos, eu era muito novo para reparar nisso, mas entre risadas e brincadeiras, eu começava acreditar que gostava dele. Dele?! Sim, dele. Eu não sabia que, diante das pessoas, os meus sentimentos eram vistos como algo abominável. Então, fiz o que qualquer criança normal faria:

– E como estava a escola, filho? Perguntou minha mãe. Aqueles olhos que me olhavam com brilho esperando minha resposta.

– Foi boa, mãe, a gente fez atividade na sala e depois fomos para o parquinho. A Gabriela disse que gosta do Lucas.

– É mesmo? E tu gostas de alguém?

– Gosto do Dionathan.

Ela parou, me olhou nos olhos e me abraçou. Naquele momento, percebi que eu era diferente. Olhei para ela e vi que descarregava um peso e pegava outro ainda mais pesado: O medo. Ela pegou para si, um medo que mais tarde se tornaria realidade – a não aceitação por parte da sociedade e a falta de autoaceitação.

– Filho, não pode contar isso para ninguém, nem para sua irmã, nem para seu pai, nem para sua avó, nem para ninguém até completar 18 anos. Quando crescer vai entender o porquê.

Quando eu tinha 11 anos, ela foi parar no hospital. Ela me chamou em separado e me disse as mesmas palavras. Guardei aquelas palavras para sempre, já que só iria começar a entendê-las após a morte dela entre meus 11-12 anos. Nessa época começava meu inferno.

Vindo de família religiosa, meus parentes sempre pensaram que ser gay fosse uma escolha. Eles não sabiam o que eu era. É claro, nem eu sabia direito. Como todo gay, eu demorei a descobrir o que eu era. Na minha cabeça, isso era algo contra a natureza. Eu me condenava por ser gay.

Obrigava-me a gostar de garotas, pois eu via os garotos ao meu redor e tentava fazer igual. Chorei nas muitas vezes em que isso não deu certo.  Eu não podia ser “aquilo”. Não podia acontecer justo comigo. Com o tempo, eu percebi que, se até minha mãe tinha me aceitado, por que eu não iria? Passei a ver tudo diferente. Tudo que antes era banal pra mim, eu agora via com outros olhos. Aprendi que, nem todos, mas a maioria estava aí para me ajudar e queria o meu bem.

Os adultos? Eles são os mais preocupantes. Por quê? Porque eles têm medo da mudança, tanto quanto nós, tanto quanto eu tinha. Mas, assim como nós, nem todos são assim. Com o tempo, eu aprendi a me respeitar e, assim, a me aceitar. Estou sempre aprendendo quem eu realmente sou, e esse é o bom e o ruim de ser adolescente. E espero continuar me descobrindo cada vez mais no futuro.

Mas, no meio de um turbilhão de sentimentos, negações e aceitações, foi recompensador ver que minha confusão me ajudou a fazer bem para as pessoas. Vi isso no dia em que eu achei um garoto tão confuso quanto eu tinha estado. Ele parecia pedir socorro com os olhos, pois era de uma família de religião e de cultura ainda mais homofóbicas que as minhas, eu sabia que era minha obrigação ajudá-lo a se entender.

E, finalmente, após seis meses, eu notava um brilho diferente em seu olhar. Em nenhum momento fiz mais do que minha obrigação, mas ele dizia que tinha “uma dívida de vida comigo”. Eu o ajudava a ver quem ele/ela era: Uma mulher trans lésbica. Ficou confuso, né? É fácil: Identidade de gênero é como você se vê (homem CIS, mulher CIS, homem trans, mulher trans, gênero-fluído, …) e orientação sexual é por quem você se atrai (gay, hétero, lésbica, pansexual, bissexual, assexual, …).

Mas, como está ela hoje? Bem… algumas semanas depois de toda a autodescoberta, ela acabou por sofrer um acidente de carro e faleceu. Depois da morte da minha mãe, foi o dia mais triste da minha vida.  Isso me mostrou que nós só damos o verdadeiro valor quando perdemos. E o que me faz estar sorrindo e lutando pelos meus semelhantes é o meu entendimento de que a vida é curta demais para vivermos sofrendo.

Enzo Ajalla, 2112

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