Liberarte 2018: mais que um concurso de escrita, uma oportunidade para formar leitores

Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade.
Antônio Cândido

Relato-Liberarte-2018-Iris-maiorNa primeira quinzena do mês de maio, inicia-se o processo de inscrição de textos para o Liberarte. O tradicional concurso de redação da Fundação Liberato promove, nesta edição de 2018, além do concurso de produções literárias em língua portuguesa e língua estrangeira e a escolha do trabalho artístico que estampará a capa deste ano, uma série de oficinas com o objetivo de preparar os alunos para a leitura e a escrita literária.

Essa preparação tem como norte a formação de leitores ativos no processo de leitura, em uma tentativa de reverter o panorama da situação do estudante brasileiro no que concerne ao domínio da leitura. E não se trata, nesse contexto, do domínio do código escrito, mas de uma leitura que permita ao leitor construir sentido a partir do que lê e que essa construção possibilite novas descobertas significativas em seu mundo, em uma cadeia interminável e cumulativa de conhecimento e criticidade. De acordo com Cosson (2014), “Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões de mundo entre os homens no tempo e no espaço” (p.27). O sentido de um texto estará completo, pois, se o leitor permitir que as palavras do autor possam ter eco em seu interior, o que não significa que o leitor será convencido das ideias de determinado autor, mas que houve a possibilidade de se repensar verdades, emoções e valores. O trabalho com o texto literário viabiliza a formação de leitores críticos, capazes de avaliar os textos lidos, compará-los a outros textos, tirar conclusões, refazer caminhos.

As oficinas que antecedem o término das inscrições dos textos no concurso são divididas em três modalidades: oficina artística (para orientar trabalhos de criação da capa da coletânea dos textos vencedores nesta edição); as oficinas de leitura dialogada e as oficinas de criação literária. Quanto às duas últimas, cabem aqui algumas considerações. Inicialmente, entende-se que leitura e escrita mantêm uma relação de complementaridade: tanto se lê para que a escrita seja aprimorada, quanto se escreve como forma de “resposta” aos textos lidos. Conforme Saraiva, Mügge e Kaspari (2017), “Considera-se que um duplo movimento se instala durante a atividade escrita: a organização do pensamento e a apreensão da linguagem e de sua prática. Ambos são marcadamente pessoais e importantes para a construção do sujeito” (p.56). É pela leitura que o sujeito tem acesso ao conteúdo e à estrutura textual que lhe serve de cabedal para suas próprias criações. Pelo contato com as vozes de outros autores, o leitor consegue sistematizar seus conhecimentos e particularizar suas emoções, a fim de dispor esses elementos em sua produção.

Também é significativo ressaltar que as oficinas de leitura dialogada contemplam uma atividade cara nas aulas de literatura: a leitura oral, compartilhada, entremeada de comentários, análises, comparações, elucidações quanto ao vocabulário e aos sentidos presentes nos textos. Não é apenas decodificar as palavras do texto, mas trazê-las para o universo do aluno para que possam ser inscritas na realidade de cada um. A dinâmica da oficina de leitura dialogada se organiza a partir da seguinte metodologia: primeiramente, é oferecido um estímulo à leitura do texto literário em questão, a partir de uma obra artística com outros recursos audiovisuais (vídeo ou música), a fim de despertar nos leitores e participantes da oficina a interação com o conteúdo da obra literária que virá em seguida. Depois, a cópia do texto literário é distribuída a cada um e parte-se para a leitura oral, dividida entre professor e participantes. É realizada uma leitura do texto por inteiro, sem interrupções e, logo depois, repete-se a leitura, com as devidas pausas em que se promoverá o diálogo entre texto e leitores. E esse momento também permitirá que as experiências dos participantes da oficina, não só advindas de outras leituras, mas experiências de vida, sejam compartilhadas em uma conversa que deve enriquecer a todos.

Já as oficinas de criação literária têm como objetivo aproximar os alunos de escritores consagrados, que dominam a linguagem literária. São ministradas por autores gaúchos convidados: Alcy Cheuiche, que trabalha o conto; Pedro Gonzaga, com o poema; e Rubem Penz, com a crônica. Conteúdo, estrutura e estilo dos três gêneros literários são abordados durante as oficinas e devem capacitar os participantes a se aventurarem na criação de seus textos. Os mesmos autores, posteriormente, farão parte da segunda banca de avaliação dos textos inscritos no Liberarte. Acredita-se que, com o talento desses três grandes nomes da nossa literatura, os alunos que desejarem participar do concurso sentir-se-ão bem acompanhados e capacitados para trilhar seus próprios caminhos na produção de um texto literário.

A riqueza que as oficinas de leitura e escrita oferecem aos alunos interessados em participar desse momento vai além da apropriação de recursos estilísticos para seus textos, pois promovem momentos preciosos de leitura e escrita, estimulando a consciência sobre o fazer linguístico, o fazer artístico com a linguagem. Isso porque, citando Marisa Lajolo (2001), “a literatura pode ser entendida como uma forma especial de uso de linguagem, que, por meio de diferentes recursos, sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da aliança entre o ser e o nome e, no limite, a irredutibilidade e a permeabilidade de cada ser” (p. 35).

Formar leitores, portanto, é papel da escola e das aulas de Língua Portuguesa e Literatura, mas também pode ser o tema de momentos diferentes na escola, promovidos pelos próprios professores, por convidados, enfim, por todos aqueles que acreditam que, formando leitores letrados, com postura crítica, é possível formar, igualmente, cidadãos em sintonia com seu tempo e seu mundo.

REFERÊNCIAS

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.
SARAIVA, Juracy Assmann; MÜGGE, Ernani; KASPARI, Tatiane. Texto literário: resposta ao desafio da formação de leitores. São Leopoldo: Oikos, 2017.

 

Iris Lisboa Professora de Língua Portuguesa e Literatura Fundação Liberato

Iris Lisboa
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Fundação Liberato

 

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